6 de novembro de 2008

Prática semiológica

Anamnese realizada em 10/10/2008 na enfermaria de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) pelo aluno Charles Saraiva Gadelha, quarto período de Medicina, ora cursando o Módulo de Semiologia Médica.
Anamnese
Identificação: V. A. S., 68 anos, sexo masculino, casado, branco, cabeleireiro aposentado, natural de Recife (PE) e procedente de João Pessoa (PB). Queixa Principal: Barriga crescendo há 1 ano e 5 meses. História da Doença Atual: Há 1 ano e 5 meses o paciente começou a apresentar o abdome distendido, de evolução gradual, quando procurou atendimento médico na policlínica São Luiz, onde foi feita uma ultrassonografia sob suspeita de problemas hepáticos por esquistossomose (sic), sendo, na ocasião, prescrito espironolactona e hidroclorotiazida. Vinte dias depois o paciente fez uma consulta no ambulatório do HULW, pois seu quadro continuava piorando apesar da medicação, e a prescrição foi mantida. No retorno, 60 dias depois, o abdome continuava aumentando e foi feita a mensuração da circunferência abdominal para posterior comparação. No novo retorno, 60 dias depois, o paciente soube que a consulta havia sido desmarcada, mas já apresentava dispnéia e procurou o Hospital Santa Isabel, onde foi realizado uma paracentese, sendo retirados 4L de líquido ascítico. Permaneceu internado por 13 dias e relata ter feito uma hemotransfusão nesse período. Quarenta e cinco dias após a alta, o paciente, novamente com o abdome distendido, foi ao hospital São Vicente de Paula onde fez outra paracentese, sendo retirados mais 4L de líquido ascítico, e foi internado por 15 dias desta vez. Vinte dias após este última alta, apresentou dispnéia e procurou novamente o hospital Santa Isabel onde foi feita nova paracentese, sendo retirados 7L desta vez e recebeu alta imediata. O paciente relata que sempre após as paracenteses melhorava da dispnéia. Trinta dias depois fez uma consulta ambulatorial no PAM de Jaguaribe, quando foi orientado a procurar novamente o HULW. Há aproximadamente 6 meses foram diagnosticadas varizes de esôfago, tendo feito o tratamento com escleroterapia. No dia 25/09/2008 o paciente deu entrada no HULW para investigar o problema. Neste hospital, o paciente fez vários exames bioquímicos, detectando-se sorologia para hepatite C positiva. A doença fez o paciente abandonar o trabalho e se aposentar, parar de praticar exercícios físicos e participar de atividades sociais. Interrogatório Sistemático:
Sintomas gerais: Relata perda de panículo adiposo e astenia. Nega anorexia, sudorese noturna, febre, calafrios e alopecia. Pele e Fâneros: relata alterações de pigmentação em MMII decorrente da erisipela que teve na infância. Nega prurido, lesões, alopecia e anormalidades de pêlos e unhas. Cabeça e pescoço: nega cefaléia, cervicalgia, limitações de movimentos do pescoço e tumorações cervicais. Olhos: Nega dor ocular, fotofobia, lacrimejamento, secreção conjutival e qualquer alteração na visão. Ouvido, nariz e seios da face: Nega otalgia, algias faciais, congestão periorbitária, epistaxe, otorréia, rinorréia, obstrução nasal. Espirros freqüentes, gota pós-nasal e zumbidos. Cavidade oral: Nega odontalgia, gengivorragia, úlceras de mucosa, queimação ou ardência na língua e odinofagia. Aparelho respiratório e cardiovascular: Refere dispnéia que melhora com a paracentese, edema de MMII e claudicação intermitente. Nega dor torácica, palpitação, tosse, expectoração, hemoptise, desmaio, cianose, vômica, chiado, veias varicosas ou úlceras nas pernas. Aparelho gastrointestinal: Aumento de volume abdominal, empachamento e leve constipação. Nega dor abdominal, intolerância alimentar, icterícia, pirose, cólica, soluço, regurgitação, hematêmese, náuseas, vômitos, dispepsia, diarréia, melena, enterorragia, hematoquezia, halitose, disfagia, odinofagia e diarréia. Possui hábito intestinal de três evacuações semanais ultimamente, sendo as fezes amarelas e semi-sólidas. Aparelho geniturinário: Refere edema nos órgãos genitais que regrediu há alguns meses. Nega disúria, incontinência, retenção, poliúria, oligúria, noctúria, hematúria, corrimento uretral, urina com mal cheiro ou alterações da cor. Sistema hematopoiético: nega palidez, tendência hemorrágica ou linfadenomegalia. Endócrino: Nega intolerância a frio ou calor, polifagia e polidipsia. Aparelho osteoarticular: Relata fraqueza, cãimbra e leve atrofia muscular, atribuídas ao longo período em decúbito. Nega dor muscular, rigidez pós-repouso, deformidades, artralgia e outros sinais inflamatórios. Sistema Nervoso e psíquico: Relata queda da libido desde que se tornou diabético, há 6 anos (vide antecedentes patológicos). Nega insônia, sonolência, convulsões, distúrbios da motricidade e sensibilidade, amnésia, alteração de humor, tontura ou vertigem. Antecedentes pessoais fisiológicos: O paciente desconhece condições de seu nascimento ou desenvolvimento neuropsicomotor. Relata ter tomado algumas vacinas na infância, mas não sabe quais. Ignora ter tomado imunizações da vida adulta (anti-tétano, vacina para hepatite viral ou gripe). Relata o aparecimento de caracteres secundários masculinos e mudança de voz por volta dos 13 anos, assim como seu primeiro contato sexual. Relata ter tido várias parceiras sexuais e nunca ter usado preservativo. Há muitos anos, e até antes da doença atual, só tinha relações sexuais com a esposa. Antecedentes pessoais patológicos: O paciente relata ter tido na infância erisipela, bexiga (sic) e parotidite infecciosa. Relata ter contraído na juventude gonorréia que foi tratada. É portador de diabetes mellitus há 6 anos e faz uso de insulina (28 UI pela manhã e 14 UI à noite). Refere ter feito um teste alérgico no hospital Santa Izabel que acusou alergia a Benzetacil, embora o paciente refira já ter usado esta droga outras vezes no passado, sem reação alguma. Relata também alergia a fibra de vidro – o contato provoca urticária e vermelhidão. Quando o abdome do paciente começou a aumentar, antes da 1ª paracentese (vide HDA), surgiu uma hérnia estrangulada na região imbilical e foi submetido a cirurgia no Hospital Edson Ramalho. Relata também ter feito cirurgia de amputação do dedo médio do membro inferior esquerdo há 2 anos no mesmo hospital, em conseqüência da diabetes. Refere uma úlcera de difícil tratamento na época em que fumava, e regressão da mesma com o abandono do tabagismo. Envolveu-se em um acidente de carro há mais de 20 anos, quando bateu a cabeça e desmaiou, mas sem fratura óssea. Já fez uma hemotransfusão (vide HDA). Nunca usou drogas ilícitas. Antecedentes familiares: Pais falecidos de "morte natural". Irmãos e filhos saudáveis. Paciente nega HAS, diabetes, cardiopatias, câncer e alcoolismo em seus parentes próximos. Antecedentes sociais: O paciente relata que sempre morou em área urbana, casa de alvenaria e em área saneada. Casado há 40 anos. Segue dieta para diabetes e desde o quadro de ascite, dieta sem sal. O paciente nunca estudou, mas lê e escreve. Trabalhou desde os 18 anos como cabeleireiro, atualmente aposentou-se com renda de um salário mínimo. É católico, diz se relacionar bem com todos e tem uma vida muito alegre e tranqüila, com exceção do atual problema de saúde. Foi tabagista durante 30 anos, fumava 2-2,5 maços/ dia e parou há 13 anos. Nega consumo de bebidas alcoólicas. Antes da doença caminhava diariamente. Dorme em média 9 horas/dia. Nega contato com triatomíneos ou animais domésticos. Fez viagem para zona endêmica (Manaus) na década de 80 e tinha como atividade de lazer a caça, que praticava quase semanalmente em matas da Paraíba. Durante essas caçadas bebia água parada de lagos e barreiros, além de eventuais banhos nessas águas.