18 de março de 2009

"Sintomas somatoformes": o medo e sua projeção

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Graduando do 6o. Período de Medicina / CCM / UFPB
Extensionista do Projeto Continuum - PROBEX / UFPB
A hipocondria é um dos distúrbios psiquiátricos mais conhecidos. Mas será que o conhecimento do senso comum sobre este problema corresponde realmente às suas características semiológicas?
E quando o “vício de doença” e o “medo de ficar doente” se apresentam como um sintoma “real”?
Este texto tem o objetivo de revisar as características semiológicas de alguns transtornos somatoformes.
Na 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10, 1993) e no texto revisado da quarta revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico Transtornos Mentais (DSM-IV-T-R) (American Psychiatric Association, 2002) são descritos sete diferentes tipos de transtorno somatoforme: transtorno de somatização; transtorno somatoforme indiferenciado; transtorno hipocondríaco; disfunção autonômica somatoforme; transtorno doloroso somatoforme persistente; e transtorno conversivo; e transtorno dismórfico corporal.

Serão revisados aqui três desses transtornos: o transtorno somatoforme indiferenciado, a hipocondria e a somatização.
(1) Transtorno somatoforme indiferenciado A essência desse transtorno é a presença de sintomas físicos não explicáveis por uma condição médica geral, com a persistência de queixas, apesar de repetidos achados negativos e de reasseguramentos pelos médicos de que elas não têm fundamento clínico. Pode acontecer também de o paciente ter uma doença física, mas com queixas exageradas que não justificam o problema que têm, sendo esses casos mais complicados e de alto grau de dificuldade diagnóstica.
Observa-se também uma forte recusa por parte do paciente de admitir que seu problema seja psicológico, mesmo quando há um evento estressante na sua vida, sendo este o principal fator “etiológico” dos transtornos somatoformes juntamente com a depressão e a ansiedade. Estes pacientes tendem a trocar de médico constantemente, possuem intermináveis listas de exames e medicações; suas histórias são tão longas quanto complicadas.
Os distúrbios somatoformes estão presentes em 10 a 15% dos pacientes que procuram atendimento clínico geral. Tais desordens se caracterizam por marcantes queixas físicas com significativo comprometimento da atividade normal sem uma explicação física satisfatória.
O comprometimento causado por esse distúrbio é semelhante ao dos distúrbios de ansiedade e depressão, prejudicando muito a qualidade de vida dos pacientes. Além disso, os distúrbios somatoformes acrescentam um enorme custo de atendimento médico e exames laboratoriais, devido a falta de um diagnóstico correto. Esses pacientes costumam ser mais difíceis e resistentes aos tratamentos recomendados, diminuindo assim a eficiência do atendimento primário. Grande parte desses problemas persiste devido ao fraco sistema de diagnóstico dos distúrbios somatoforme em uso. O limite entre a patologia e a "normalidade" talvez esteja supervalorizado, deixando escapar casos verdadeiros de distúrbio somatoforme quando esses são leves.
Dentre as diversas apresentações dos transtornos somatoformes, destacam-se a hipocondria e o transtorno de somatização. (2) Hipocondria Hipocondria é a crença persistente na presença de pelo menos uma doença física grave, progressiva, com sintomas determinados, ainda que os exames laboratoriais e consultas com vários médicos assegurem que nada exista. Muitas pessoas quando passam por uma doença grave e se restabelecem ficam sensibilizadas com o que aconteceu, preocupando-se demais. Os hipocondríacos normalmente sentem-se injustiçados e incompreendidos pelos médicos e parentes que não acreditam em suas queixas: eles levam seus argumentos a sério e irritam-se com o descaso. Por outro lado, eles resistem em ir ao psiquiatra sentindo-se até ofendidos com tal sugestão, quando não há suficiente diálogo com o clínico.
Os hipocondríacos podem ser enfadonhos por repetirem constantemente suas queixas, além de serem prolixos nas suas explicações. São pessoas profundamente pessimistas, lotados de sentimentos de culpa que podem ser conscientes ou inconscientes e, que por isso, acha que merecem um “castigo”. Eles veem tudo sob uma perspectiva sombria e acabam se viciando na egoísta e permanente atitude de serem “doentes”.
Não se conhece medicação específica para hipocondria, mas acredita-se que psicoterapia pode ajudar quando iniciada com até três anos da sintomatologia instalada. Há muito poucas pesquisas na literatura psiquiátrica porque estes pacientes se recusam a participar dos trabalhos científicos, visto que não se consideram psiquiatricamente doentes.
Pela mesma razão não se sabe ao certo que percentagem da população é atingida por esse problema. É necessário que um psiquiatra converse com o paciente hipocondríaco para investigar a possível concomitância com outros transtornos de ansiedade como o pânico ou a depressão que podem levar a hipocondria. Podem ocorrer também casos de psicoses com alucinações ou delírios corporais.
O transtorno hipocondríaco também é conhecido como a neurose de doenças. Com isto vai cada vez mais centrando a sua atenção e percepção no próprio funcionamento corporal. Assim qualquer alteração fisiológica é rapidamente notada e por ele ser controlador e pessimista, interpreta como risco eminente de algo fora de controle e que pode levá-lo a morte ou conseqüências muito graves e irreversíveis. Coexiste então o fato dele estar tomando medicações o tempo todo, ou pelo menos o desejo de tal ação.
(3) Transtorno de somatização Esse transtorno caracteriza-se por múltiplas queixas de sintomas físicos, recorrentes, frequentes, mutáveis e prolongadas e sem uma base médica constatável. A principal diferença entre esse transtorno e a hipocondria é a atitude do paciente. Na hipocondria o paciente revela uma intensa preocupação e sofrimento com algum problema sério; na somatização o paciente queixa-se de seus sintomas, mas não possui a mesma crença e temor do hipocondríaco, ele “acredita” no sintoma sem dar muita importância a este. Antes dos pacientes com somatizações procurarem um psiquiatra eles passam anos mudando de clínicos, procurando diversos médicos e fazendo vários exames. Qualquer área do corpo pode estar afetada, mas as queixas mais comuns estão centralizadas no tubo digestivo (com dores, eructações, regurgitações, vômitos e náuseas), queixas dermatológicas e sexuais. Como o paciente recusa-se a aceitar que nenhuma disfunção foi descoberta pelos exames e consultas, acaba tendo atritos com pessoas próximas e desacreditando nos médicos. Esse distúrbio começa geralmente antes dos 30 anos de idade e é muito mais comum em mulheres. Freqüentemente outros distúrbios psiquiátricos estão associados como depressão e ansiedade. Uma das consequências são a indisposição de ânimo gerada em quem está próximo, pois com o tempo se cansam de tanto ouvirem as mesmas queixas. O começo de qualquer queixa não pode ser ignorado porque essas pessoas, como quaisquer outras, podem vir a ter problemas físicos potencialmente graves. Pode acontecer, por exemplo, um caso de paciente que apresenta quadro de somatização, mas que posteriormente relata outra queixa, a qual não foi dada devida importância e este se mostra como um sintoma de doença de alto risco para o paciente. Apresenta os seguintes critérios diagnósticos: Critérios Diagnósticos para Transtorno de Somatização A. Uma história de muitas queixas físicas com início antes dos 30 anos, que ocorrem por um período de vários anos e resultam em busca de tratamento ou prejuízo significativo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes de funcionamento do indivíduo. B. Cada um dos seguintes critérios deve ter sido satisfeito, com os sintomas individuais ocorrendo em qualquer momento durante o curso do distúrbio: (1) quatro sintomas dolorosos: uma história de dor relacionada a pelo menos quatro locais ou funções diferentes (por ex., cabeça, abdome, costas, articulações, extremidades, tórax, reto, menstruação, intercurso sexual ou micção); (2) dois sintomas gastrintestinais: uma história de pelo menos dois sintomas gastrintestinais outros que não dor (por ex., náusea, inchação, vômito outro que não durante a gravidez, diarréia ou intolerância a diversos alimentos); (3) um sintoma sexual: uma história de pelo menos um sintoma sexual ou reprodutivo outro que não dor (por ex., indiferença sexual, disfunção erétil ou ejaculatória, irregularidades menstruais, sangramento menstrual excessivo, vômitos durante toda a gravidez); (4) um sintoma pseudoneurológico: uma história de pelo menos um sintoma ou déficit sugerindo uma condição neurológica não limitada a dor (sintomas conversivos tais como prejuízo de coordenação ou equilíbrio, paralisia ou fraqueza localizada, dificuldade para engolir ou nó na garganta, afonia, retenção urinária, alucinações, perda da sensação de tato ou dor, diplopia, cegueira, surdez, convulsões; sintomas dissociativos tais como amnésia ou perda da consciência outra que não por desmaio); C. (1) ou (2): (1) após investigação apropriada, nenhum dos sintomas no Critério B pode ser completamente explicado por uma condição médica geral conhecida ou pelos efeitos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento); (2) quando existe uma condição médica geral relacionada, as queixas físicas ou o prejuízo social ou ocupacional resultante excedem o que seria esperado a partir da história, exame físico ou achados laboratoriais D. Os sintomas não são intencionalmente produzidos ou simulados (como no transtorno factício ou na simulação).
Referências American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4 ed. Texto revisado DSM-IV-TR. Porto Alegre: Artmed, 2002
BALLONE, G.J. Sintomas do Estresse - in. PSIQWEB. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=27&art=308. Acesso em: 17 mar 2009. ASSOCIAÇÃO NORTE-AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders IV (DSM IV) - Transtornos Somatoformes. In PSIQUIATRIA GERAL. Disponível em: http://www.psiquiatriageral.com.br/dsm4/somat.htm . Acesso em: 17 mar 2009. EFRAIM,S. Transtorno hipocondríaco. In. ANSIEDADE. Disponível em: http://www.ansiedade.com.br/. Acesso em> 17 mar 2009. MAROT,R. Transtornos Somatoforme. In PSICOSITE. Disponível em : http://www.psicosite.com.br/tra/sod/somatoforme.htm. Acesso em: 17 mar 2009. World Health Organization. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. Crédito da imagem: a foto desta postagem foi extraída de: http://www.rncasemanager.com/newsletters/email_09-2004.html