20 de junho de 2009

A Síndrome de Munchausen

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Medicina da UFPB (sétimo período), Monitor de Semiologia Médica (ano II)
É inegável a ampla evolução do caráter científico da Medicina no último século. Com o desenvolvimento de diversas tecnologias e com o empenho e curiosidade de muitos pesquisadores, tornou-se possível desvendar mistérios seculares da prática médica e entender melhor como funcionam o organismo humano e os mecanismos fisiopatológicos das doenças. No entanto, a medicina contemporânea não enfoca apenas a parte orgânica do ser humano; ela é marcada pela divisão do olhar médico entre o corpo físico, afetado pela doença, e a mente do paciente.
Nesse sentido, o estudo do psiquismo foi definitivamente implantado no exame clínico, evidenciando o papel da mente do desenvolvimento de doenças e nos seus diferentes modos de evolução. Foi com esse estudo do psiquismo, que se percebeu que uma grande variedade de patologias, mesmo algumas de comportamento orgânico e sistêmico, tinha sua origem na mente do paciente. Entre elas, destaca-se a Síndrome de Munchausen. A Síndrome de Munchausen é uma doença psiquiátrica em que o paciente, de forma compulsiva, deliberada e contínua, causa, provoca ou simula sintomas de doenças, sem que haja uma vantagem óbvia para tal atitude que não seja a de obter cuidados médicos e de enfermagem. Esse quadro também pode ocorrer de maneira by proxi, isto é, algum parente, em geral a mãe, de forma persistente ou intermitente, produz intencionalmente sintomas em seu filho, fazendo que este seja considerado doente. O parente também pode provocar ativamente a doença, colocando-a em risco e numa situação que requeira investigação e tratamento. Mas, por que o paciente, ou seu parente, faz isso? Nas formas mais clássicas da síndrome, a atitude de simular ou "fabricar" a doença não tem nenhum objetivo aparentemente lógico, parecendo ser uma necessidade intrínseca ou compulsiva de assumir o papel de doente ou da pessoa que cuida de um doente, no caso da Síndrome de Munchausen by proxi. Frequentemente, quando o caso é diagnosticado ou suspeitado, descobre-se que havia uma história com anos de evolução e os eventos, apesar de grosseiros, não foram considerados patológicos. No caso da Síndrome de Munchausen by proxi a doença pode ser considerada como uma forma de abuso infantil, podendo haver inclusive superposição com outras formas de abuso da criança (BODEGARD, 2009). Nesse caso, além da atenção médica, o paciente deve receber uma atenção legal, para ser protegido da patologia de seu familiar. A Síndrome de Munchausen, também considerada uma desordem factícia (FELDMAN; MINER, 2008), é uma doença compulsiva, já que a pessoa é incapaz de se abster dessas ações, mesmo quando é conhecedora de seus riscos. Porém, não se pode entender o caráter compulsivo da síndrome como um conjunto de atos involuntários. Apesar da compulsão, os atos são voluntários, conscientes, intencionais e premeditados. Neste caso, o comportamento que é voluntário seria utilizado para se conseguir um objetivo que é involuntário e compulsivo. A Síndrome de Munchausen é uma doença de grave perturbação da personalidade, de difícil tratamento e de prognóstico reservado. O grande problema em seu manejo, atualmente, é o pouco conhecimento dos médicos acerca da doença. A Síndrome de Munchausen acaba não sendo diagnosticada, muitas vezes, por pura falta de conhecimento ou de atenção do médico, que não atenta para as nuances do quadro, mesmo quanto ele é muito característico da doença. É imperativo, assim, que o médico contemporâneo perceba o lado psíquico do processo de formação das doenças, sabendo quando suspeitar de um quadro de distúrbio da mente. O paciente portador de Síndrome de Munchausen precisa ser alvo de uma abordagem multiprofissional, que inclua psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e advogados.
Referências
BODEGARD, G. Medical child abuse: beyond Munchausen syndrome by proxy. Acta Paediatr. 2009 May 26. [Epub ahead of print]
FELDMAN, M. D.; MINER, I. D. Factitious usher syndrome: a new type of factitious disorder. Medscape J Med. 10 (6): 153, 2008.
MENEZES, A. P. T. Síndrome de Munchausen: relato de caso e revisão da literatura. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 24, n. 2, p. 63-85, 2002.
Crédito da imagem: a ilustração desta postagem foi retirada de http://www.solarnavigator.net/animal_kingdom/humans/munchausens_syndrome.htm