14 de dezembro de 2009

SEMIOLOGIA À BEIRA DO LEITO

Ha 15 anos lecionando na disciplina de Semiologia Médica do curso de Medicina da UFPB, temos cumprido a prática de ensino do exame clínico à beira do leito do doente, com pequenos grupos de alunos a cada aula.
É muito instrutiva a observação cuidadosa do doente orientada por um clínico. Em nossa experiência com visitas à enfermaria, observamos que os alunos gostam de vivenciar junto ao professor a realização e discussão da anamnese e do exame clínico do doente.
Porém, recentemente tem sido enfatizado que, para o ensino-aprendizagem da Semiologia, a prática pedagógica deve incluir não só o ambulatório e não só a enfermaria. Este é um aspecto de interesse e que tem sido tema de discussão na literatura pertinente (SILVA; REZENDE, 2008; AHMED; EL-BAGIR, 2002). Ao ter sua iniciação clínica desenvolvida no ambiente hospitalar, o aluno de Semiologia entra em contato com a atividade médica no nível de atendimento terciário, que se caracteriza historicamente por uma valorização relativamente maior da anatomo-fisio-patologia. Contudo, a importância e as vantagens do ensino médico à beira do leito são incontestáveis nesta fase da formação médica. Embora a atenção básica também seja um cenário de práticas para o aluno iniciante de clínica em muitas escolas, o treinamento inicial de anamneses e exames físicos com pacientes ambulatoriais, por sua inerente transitoriedade, não se adéqua de maneira ideal a essa fase inicial do treinamento (GROSSEMAN; STOLL, 2008). Ao lado da atual diversificação de cenários de aprendizagem, que sem dúvida, é importante na prática pedagógoca em Medicina, observa-se um declínio do ensino à beira do leito, apesar de sua importância no treinamento discente. Afinal, a maior parte da prática clínica do futuro médico será feita em ambulatório. Contudo, esse declínio pode representar um problema tão importante quanto a questão da diversificação dos cenários de aprendizagem. Sabemos que há vantagens e desvantagens do ensino-aprendizagem em cada um desses cenários. A abordagem de condições agudas, com sintomas e sinais distintos, ensino sobre especialidades e maior treinamento em propedêutica e procedimentos são vantagens do ensino hospitalar. Por outro lado, habilidades de comunicação e aprendizagem sobre os aspectos psicossociais são competências que se adquirem principalmente no ambiente ambulatorial. É fundamental atender às necessidades do ensino centrado no aluno e voltado para o paciente, alguns autores propõem adoção de um modelo de aprendizado baseado em casos reais em que a discussão das sessões clínicas ocorra de fato com o paciente à beira do leito, incentivando o contato precoce com o hospital de ensino a partir do primeiro ano da graduação (LUCENA et al., 2009) É preciso salientar que para o ensino de Semiologia, o hospital universitário (HU) é insubstituível. Ali todas as nuances de todas as doenças são encontradas, bem como quase todos os matizes de caracteres que simbolizam o ser humano (com exceção das classes sociais mais altas, cujos membros não procuram os HUs). Como afirmam Santos et a. (2003),
"O ensino da Semiologia é comumente realizado na (s) enfermaria(s) de Clínica Médica dos Hospitais Universitários. O número de leitos disponíveis deverá atender às variadas dimensões de turmas de alunos, de modo a oferecer um leito para cada aluno ou, pelo menos, um leito para cada dois alunos praticarem o treinamento. A eventual falta de leitos disponíveis nas enfermarias poderá ser suprida ou complementada pela utilização dos leitos chamados de “repouso” ou de “observação” dos serviços de Pronto Socorro, desde que isso não resulte em atropelos ao atendimento dos pacientes. As enfermarias de Clínica Pediátrica poderão também ser utilizadas, mas, em geral, o ensino é conduzido nas enfermarias de Clínica Médica, pela possibilidade de propiciar o treinamento na obtenção dos dados de anamnese por intermédio do próprio paciente, a fonte principal e mais fidedigna da história clínica. Por outro lado, os doentes cirúrgicos, em geral, não servem ao exercício da semiotécnica, pelas limitações que oferecem à plena realização de todos os passos do exame físico. Os pacientes de Ambulatório, por sua inerente transitoriedade, não se prestam ao treinamento continuado do aluno, embora possam servir ao professor para eventuais demonstrações em aulas práticas" (SANTOS et al., 2003).
O exame físico é um componente importantíssimo da prática médica. Esta chega a ser uma afirmação desnecessária, de tão redundante. No entanto, estudos mostram que médicos residentes apresentam consideráveis deficiências nas habilidades consideradas importantes para o exame clínico (SCHWIND et al., 2001; MANGIONE et al., 1993). Apesar da identificação dessas deficiências, o ensino de Semiologia Médica junto ao paciente é cada vez menos frequente. Enquanto no início dos anos 1960, 75% do ensino clínico era feito à beira do leito, em 1978, esse número havia caído para 16% (LaCOMBE, 1997). Como resultado, as habilidades de realização do exame físico têm diminuído, e o exame clínico tem sido desvalorizado, no sentido de se diminuir o emprego do exame na prática médica, havendo uma dependência crescente de laboratório e de exames de imagem para a elaboração do diagnóstico. No ensino de Semiologia à beira-do-leito, a interação com o pacientes também permite que o professor sirva de modelo para os aspectos humanísticos da assistência ao paciente e habilidades de relacionamento interpessoal médico-paciente. Muitos professores estão preocupados que os pacientes não aceitam o ensino à beira do leito. No entanto, nós observamos recentemente que não só os pacientes aceitam tais interações com alunos de Medicina, mas também desejam ser participantes em sessões de ensino SOUSA-MUÑOZ et al. 2008).
Por fim, cabe destacar que, seja na enfermaria ou no ambulatório, o essencial é a participação do paciente na pedagogia médica. Como afirma William Osler (apud Santos et al., 2003): “não seria ensino médico sem o paciente, e o melhor ensino é aquele ensinado pelo próprio paciente”.
Referências
AHMED, E; EL-BAGIR, K. What is happening to bedside clinical teaching? Med Educ, 36 (12):1185-8, 2002. GROSSEMAN, S.; STOLL, C. O ensino-aprendizagem da relação médico-paciente: estudo de caso com esudantes do último semestre do curso de medicina. Rev. bras. educ. med., vol. 32, n. 3, p. 301-308, 2008. LUCENA, A. F.; TIBÚRCIO, R. V. ; CAVALCANTE, J. A . Ensino à beira do leito: Relembrar para renovar. Revista Brasileira de Médica, 2009. MANGIONE, S. et al. The teaching and practice of cardiac auscultation during internal medicine and cardiology training. A nationwide survey. Ann Intern Med. 119:47–54, 1993 SANTOS, J. B. et al. Reflexões sobre o ensino da semiologia médica. Rev bras educ med, v. 27, n. 2, p. 147-151, 2003. SCHWIND, C. J. et al. Development of physical examination skills in a third-year surgical clerkship. Am J Surg. 181:338–40, 2001. SILVA, R.; F. L.; REZENDE, N. A. O ensino de semiologia médica sob a visão dos alunos: implicações para a reforma curricular. Rev. bras. educ. med. 32 (1): p. 32-39, 2008. SOUSA-MUÑOZ, R. L. et al. Percepções do paciente internado em um hospital de ensino sobre sua participação no treinamento clínico de estudantes de medicina. In: XI Encontro de Iniciação à Docência. Universidade Federal da Paraíba, 2008, João Pessoa. http://www.prg.ufpb.br/encontroenic/, 2008. Fonte da imagem: wichita.kumc.edu/.../bedside/literature.html