10 de maio de 2010

Aspectos éticos do uso de placebo em pesquisa científica

Por Gilson Mauro Fernandes Filho
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (V Período)
Resumo A utilização de um grupo-controle com placebo em pesquisas é considerada como a metodologia padrão-ouro para determinação da eficácia de novos tratamentos clínicos, mas tem havido muitas discussões e normatização acerca dos aspectos éticos relacionados a esta prática considerada científica.
Palavras-chave: Placebo, ética em pesquisa, pesquisa terapêutica. O uso de placebo em pesquisas foi considerado eticamente aceitável até 1945. Ao final da II Guerra Mundial, contudo, estava claro que deveria ser feita uma avaliação crítica rigorosa desse emprego. Com o crescente reconhecimento da noção de respeito à pessoa do paciente e participante de pesquisas, o uso de placebo passou a ser progressivamente questionado do ponto de vista ético. O uso dos placebos em pesquisas científicas é um assunto que ultrapassa a questão metodológica e assume também importante dimensão ética. O placebo tem sido usado historicamente em pesquisas clínicas. Sua função básica é a comparação científica entre resultados de um tratamento novo com nenhum tratamento ativo, para se determinar sua eficácia com adequada validade interna para o estudo experimental. Após a 2ª Guerra Mundial, em 1947, uma corte formada por juízes dos Estados Unidos reuniu-se para julgar os crimes cometidos pelos médicos nazistas em campos de concentração. Surgia assim o Código de Nuremberg, um conjunto de dez preceitos éticos para a pesquisa clínica (MOREIRA DE SÁ, 2008). Mesmo após a instituição do Código, pesquisadores banalizaram tais preceitos e continuaram a realizar pesquisas com placebo sem uma avaliação ética adequada. Utilizavam-se minorias étnicas, setores marginalizados da sociedade, comunidades de países subdesenvolvidos, presos, dentre outros grupos vulneráveis, para a realização de experimentos sem fins terapêuticos, colocando muitas vezes em iminente risco os participantes das pesquisas (MOREIRA DE SÁ, 2008). Nesse contexto, a Associação Médica Mundial instituiu, em 1964, a Declaração de Helsinki, que é ainda hoje a referência ética mais importante para a regulamentação de pesquisas médicas envolvendo seres humanos (MOREIRA DE SÁ, 2008).

Em 1964, quando foi elaborada a Declaração de Helsinque, o Art. 29 mencionava que “Em todo ensaio clínico, cada paciente, mesmo aquele que pertence ao grupo controle, se houver, deve receber tratamento de eficácia comprovada”. Na revisão de 1996, consta que [...] “Isto não exclui o uso de placebo inerte, quando não existir tratamento eficaz”. Em 2000, em nova revisão, manteve-se que o uso de placebo deve ser considerado eticamente inaceitável havendo terapêutica disponível. Mais recentemente, na revisão de 2008, a Declaração de Helsinqui afirma que o sujeito da pesquisa em que for demonstrado eficácia e segurança de uma nova droga, deverá ter acesso ao medicamento após pesquisa clínica.

No Brasil, a regulamentação dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos é feita pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos: Resolução 196/96 – Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde). Esta Resolução normatiza que o uso de placebo em pesquisas clínicas deve ser justificado em termos de não maleficência e necessidade metodológica perante um Comitê de Ética e Pesquisa da instituição e analisada pela Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado para a pesquisa com placebo deve ser aprovado pelo CONEP, e os participantes do experimento devem ser informados da possibilidade de receber uma substância inerte em lugar do medicamento ativo durante a pesquisa.
Na Resolução 404/2008 (01/08/2008), o Conselho Nacional de Saúde (Brasil, Ministério da Saúde) manteve os seguintes textos da versão 2000 da Declaração de Helsinque: a) Sobre o acesso aos cuidados de saúde: No final do estudo, todos os pacientes participantes devem ter assegurados o acesso aos melhores métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados pelo estudo; b) Utilização de placebo: Os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade de um novo método devem ser testados comparando-os com os melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos atuais. Isto não exclui o uso de placebo ou nenhum tratamento em estudos onde não existam métodos provados de profilaxia, diagnóstico ou tratamento. Assim, em 2000, a 5ª revisão da Declaração de Helsinki trouxe à tona novamente a discussão acerca dos preceitos éticos da utilização dos placebos em pesquisas clínicas. Segundo este, “os benefícios, os riscos, e a eficácia de um método novo devem ser comparados aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos ou terapêuticos atuais” (GARRAFA; PRADO, 2001). Desta forma, o placebo passou a ser aceito apenas quando nenhuma outra modalidade terapêutica existir para determinada condição clínica. Em consonância, o US National Bioethics Advisory Committee (NBAC) considerou que deveriam ser impedidos os estudos placebo-controlados em pacientes com doenças em que já exista uma terapia efetiva (MOREIRA DE SÁ, 2008). A recente discussão sobre a eticidade do placebo nos foros internacionais foi motivada, em última instância, pelos experimentos sobre AIDS na África e tratamento da tuberculose em Uganda. Esses experimentos envolveram dois aspectos considerados antiéticos pela comunidade científica internacional: dano permanente para os participantes e emprego de modalidades de tratamento com qualidade inferior, planejadas para o Terceiro Mundo em função do menor custo (VERSIANI, 2000). Apesar desse cenário, a US Food and Drug Admnistration (FDA), instituição que regula a aprovação ao uso de medicamentos em todo o mundo, continua a exigir a testagem com o placebo para a aprovação de uma nova droga por razões metodológicas. Também a União Européia se mostrou contrária às imposições éticas reguladoras, tendo o Comitê Científico da European Agency for the Evaluation of Medical Products (EMEA) se posicionado contrária aos interesses da saúde pública a proibição dos estudos placebo-controlados (MOREIRA DE SÁ, 2008). A FDA classifica os grupos-controle de experimentos clínicos em cinco tipos: placebo concorrente, tratamento ativo concorrente, nenhum tratamento concorrente (estudo aberto), comparação de dose concorrente e externo (MARQUES, 2000). Assim, grupo-controle placebo concorrente é considerado o padrão-ouro, mas para o Código de Helsinki, o tratamento ativo concorrente é a alternativa mais ética ao placebo. De acordo com Rothman (1994), a comparação com um grupo-controle de tratamento ativo poderia se tornar até inviável em certas situações. A partir da comparação com um tratamento comprovadamente eficaz, a significância estatística só seria atingida utilizando-se grandes amostras, o que tornaria o estudo demasiadamente caro e poderia expor mais pacientes a efeitos ainda não totalmente esclarecidos das novas drogas. As pesquisas com placebo são realizadas de forma rápida, com amostras pequenas, possibilitando suficiente significância estatística. O novo Código de Ética Médica vigente no Brasil desde 13/04/2010 reforça a questão ética negativa em relação ao uso de placebo em pesquisas. Passa a ser proibido também conforme o novo código usar placebo em pesquisa quando há tratamento eficaz. É o que diz o artigo 106 do capítulo XII, sobre Ensino e Pesquisa Médica, que veda ao médico “manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas, envolvendo seres humanos, que usem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença pesquisada.” Em meio aos conflitos gerados com o novo Código, permanece a questão se de possíveis prejuízos aos avanços na pesquisa clínica, ou se foi uma atitude desmedida e deva ser reconsiderada mais adiante, avaliando-se sempre a integridade e o bem-estar dos participantes das pesquisas científicas. Para Jordão et al. (2008), ainda há a necessidade de maior rigor no cumprimento dos preceitos éticos quanto ao uso de grupo controle-placebo que promoverão a proteção devida aos sujeitos da pesquisa. Além disso, cuidados por parte dos pesquisadores e do Comitê de Ética devem ser intensificados, pois, existem estudos que não justificam o uso do placebo.
A conduta ética em todas as pesquisas realizadas deve estar presente não somente entre os responsáveis pelo estudo, mas também entre as agências reguladoras, patrocinadores de pesquisa, instituições de revisão e editores de revistas, que devem sempre contestar o uso do placebo e exigir explicação para seu uso em cada protocolo e edição da pesquisa, evitando que estudos não-éticos sejam divulgados. Referências
(Não estão em ordem alfabética) JORDÃO, C. E. et al. Uso de placebo em experimentos clínicos envolvendo seres humanos no Brasil. Rev. Direito Sanit. 9 (2): 31-46, 2008
MOREIRA DE SÁ, R. A. Uso do placebo na pesquisa clínica! Aquinate 6: 426-428, 2008. VERSIANI, M. A necessidade do grupo-controle com placebo em pesquisas sobre a eficácia de tratamentos psiquiátricos. Bioética 8 (1): 29-42, 2000. MARQUES, R. Grupo placebo: psiquiatria não é exceção. Bioética 8 (1): 43-50, 2000. GARRAFA, V.; PRADO, M. M. Mudanças na Declaração de Helsinki: fundamentalismo econômico, imperialismo ético e controle social. Cad. Saúde Pública, 17 (6), 2001. ROTHMAN, K. J.; MICHELS, K. B. The continuing unethical use of placebo controls. N Engl J Med. 331 (6): 394-8, 1994.