16 de junho de 2010

Relatório do III Seminário de MCO2 em 2010.1

O seminário desta semana no MCO2 teve como objeto um artigo sobre estudo de coorte retrospectivo a respeito de fatores prognósticos relacionados ao câncer de próstata, que é a neoplasia maligna visceral mais comum no homem, excetuando-se os tumores cutâneos. A incidência desta neoplasia tende a crescer nas próximas décadas com o aumento da expectativa de vida.

Denominam-se “fatores prognósticos”, os fatores de risco de progressão, ou seja, certas características das enfermidades que se relacionam com uma maior probabilidade de que, ao longo do tempo, se produza um avanço em sua evolução (SEGARRA-TOMAS et al., 2006).

O estadiamento da doença foi um aspecto muito enfocado no trabalho por ser geralmente um dos principais fatores determinantes da sobrevida dos pacientes com câncer, mas outros fatores também foram destacados, como classificação patológica do câncer, idade e níveis de antígeno prostático específico.

O artigo foi considerado bastante denso, apresentando uma análise estatística bem mais complexa do que os artigos estudados nos seminários anteriores. A interpretação dos dados de sobrevida e de sua tendência não é uma tarefa fácil.

A seguir são apresentados os pontos discutidos durante o seminário sobre a leitura crítica do artigo. A monitora do MCO2 Lorena Luryann Cartaxo da Silva registrou os vários aspectos discutidos presencialmente durante o seminário para elaboração do presente relatório. Outros pontos levantados pelos alunos por e-mail foram acrescentados. Não será seguida, neste relatório, uma ordenação progressiva das diversas seções do artigo analisado, como ocorreu em relatórios anteriores.

- O artigo apresentou um título adequado, informativo e conciso.

- Um dos alunos questionou o motivo para se usar a análise multivariada no trabalho analisado, o que ensejou a discussão de que o objetivo de sua utilização é poder avaliar simultaneamente várias variáveis independentes em estudo sobre uma variável dependente, que neste estudo é representada pelo tempo de sobrevida.

- Perguntou-se se esse estudo poderia ser replicado em outros locais caso se dispuserem de todos os dados necessários no prontuário dos pacientes. O artigo apresentou detalhamento suficiente para possibilitar a replicação do estudo.

- Uma importante omissão do artigo analisado foi o fato de não ter citado um estudo prospectivo realizado e publicado no Brasil em 2009, avaliando a evolução e os fatores prognósticos da prostatectomia radical (NASSIF et al., 2006). Neste estudo, 500 pacientes foram submetidos à prostatectomia radical, entre 2000 e 2006. Dos 500 pacientes com doença clinicamente localizada tiveram seguimento médio de 36,7 ± 18,8 meses. Os referidos autores concluíram que a chance de recorrência esteve diretamente associada com antígeno prostático específico (PSA) =10 ng/mL, escores de Gleason maiores e inversamente proporcionais à idade dos pacientes.

- Foram encontrados também outros estudos observacionais que evidenciam que a prostatectomia oferece a melhor chance de sobrevida em longo prazo específico em homens com câncer de próstata localizado, em particular, em pacientes mais jovens e aqueles com tumores pouco diferenciados. Um estudo escandinavo relataram maior mortalidade do câncer de próstata-específico, após 10 anos de follow-up em pacientes tratados com a espera vigilante em comparação com pacientes que se submeteram surgery. [Bill-Axelson A. et al. Radical prostatectomy versus watchful waiting in early prostate cancer. N Engl J Med. 352(19):1977-1984, 2005].

- Dois ensaios clínicos foram realizados para comparar a prostatectomia com a radioterapia. Estes ensaios não foram citados no artigo. Paulson (1988) relatou um risco significativamente menor de progressão da doença em pacientes submetidos à cirurgia. Akakura et al (1999) mostraram menor mortalidade do câncer de próstata em pacientes submetidos à cirurgia, mas uma melhor qualidade de vida em pacientes que receberam radioterapia. Estes trabalhos são citados abaixo.

Paulson, D. F. Randomized series of treatment with surgery versus radiation for prostate adenocarcinoma. NCI Monogr. (7):127-131, 1988.Akakura K. et al. Long-term results of a randomized trial for the treatment of stages B2 and C prostate cancer: radical prostatectomy versus external beam radiation therapy with a common endocrine therapy in both modalities. Urology. 54 (2):313-318, 1999.
- Questionou-se durante o seminário se havia comparabilidade entre os grupos de tratamento, pois há um questionamento sobre a concordância entre o escore de Gleason da biópsia e espécimes de prostatectomia radical. Os pacientes submetidos a radioterapia não foram submetidos à exérese da neoplasia, portanto não foi analisada a peça cirúrgica (BOORJIAN et al., 2010).

- Foram questionados os fundamentos dos modelos estatísticos empregados no trabalho. Análise de sobrevida foi discutida em seminários de semestres anteriores, nos seguintes links:
http://semiologiamedica.blogspot.com/2010/04/seminarios-de-mco2-em-20101-artigos.html).

- Na análise de sobrevida, os parâmetros mais importantes são a probabilidade de sobrevivência no curso de cada um dos intervalos considerados e a probabilidade de sobrevida acumulada (tratada correntemente como taxa de sobrevida), isto é, a probabilidade de sobreviver do tempo zero até o tempo final considerado. Esta última equivale à probabilidade de sobreviver em todos os intervalos anteriores ao momento considerado.

- A escolha do modelo estatístico mais apropriado dependerá do tipo do delineamento do estudo, de seus objetivos, das variáveis estudadas e da maneira pela qual foram coletados e categorizados os dados. A estimativa da probabilidade de sobrevida é, com certeza, mais válida e mais precisa para o período inicial do seguimento, no qual estão disponíveis informações sobre a maioria dos pacientes. Nos períodos posteriores, as informações podem ficar limitadas devido às perdas de seguimento e ao pequeno número de eventos.

- Questionou-se também sobre o método de riscos proporcionais de Cox. A análise de regressão múltipla também pode ser feita na análise de sobrevida, quando se deseja avaliar o efeito conjunto de algumas variáveis independentes, sejam as observações incompletas ou não. Este modelo é um tipo de regressão múltipla e não-paramétrico, sendo empregado para análise de dados nominais.

- Os gráficos mostraram-se ser auto-explicativos e sem redundância de informações, já que as informações presentes nas tabelas e no texto acrescentam informações sem repetição dos dados. As informações são bem citadas, bem referenciadas e não explicam exaustivamente informações presentes na tabela e no texto simultaneamente.

- No esquema gráfico apresentado na figura 1, mostra-se o fluxo de pacientes, considerando a entrada na coorte e as censuras. Mas há erros no uso dos termos, porque as censuras não são óbitos. Estes são as falhas, na terminologia deste modelo estatístico. As perdas de seguimento é que são as censuras.

- Quanto à comparação de resultados entre prostatectomia e radioterapia na literatura, verificaram-se várias lacunas. Nas referências do trabalho não há estudos abordando especificamente sobre este aspecto. Mas a resposta a esta pergunta é sim, pois em uma busca na Medline, encontrei um estudo publicado em 2007 (MERGLEN et al., 2007), em que avaliaram o efeito do tratamento sobre a mortalidade específica por câncer de próstata, considerando os determinantes do tratamento e prognóstico em uma coorte de base populacional incluindo todos os 844 pacientes com diagnóstico de câncer de próstata localizado [
Ref: MERGLEN, A. et al. Short- and long-term mortality with localized prostate cancer. Arch Intern Med, 167(18):1944-50, 2007]. Este estudo não poderia ter sido excluído da discussão do artigo em questão.

- Em outro estudo encontrado (ZELEFSKY et al, 2010), este, contudo, publicado em fevereiro de 2010, portanto, contemporâneo ao do estudo analisado, foram avaliados os efeitos da prostatectomia radical e radioterapia externa sobre o surgimento de metástases à distância em pacientes com câncer de próstata localizado , controlando-se os resultados em função da a idade dos pacientes, estadiamento clínico, nível sérico de antígeno específico da próstata, escore de Gleason da biópsia e, no ano de tratamento. Os autores concluíram que a progressão metastática é rara em homens com câncer de próstata de baixo risco tratados com radioterapia ou cirurgia, sendo menor nesta última modalidade de tratamento. [ZELEFSKY, M. J. et al. Metastasis after radical prostatectomy or external beam radiotherapy for patients with clinically localized prostate cancer: a comparison of clinical cohorts adjusted for case mix. J Clin Oncol. 28(9):1508-13, 2010. Publicado em fevereiro de 2010].

- Nenhum dos trabalhos publicados por Boorjian sobre o mesmo problema de pesquisa entre 2004 e 2010 (cinco trabalhos), foi mencionado no artigo.
Em busca na MEDLINE com os unitermos Boorjian [au] AND ("prostatic neoplasms"[MeSH Terms], foram encontrados cinco trabalhos entre 2004 e 2010. Ao todo, o referido autor publicou 21 estudos sobre o tema.

- Este estudo tem outras limitações. Tal como acontece com os estudos observacionais, em geral, os tratamentos não foram alocados aleatoriamente na nossa população. Este estudo também é limitado pela falta de informações sobre as comorbidades. Não houve distinção entre a mortalidade específica por câncer de próstata e por outras comorbidades. Para controlar este viés, os autores usaram um método considerado adequado para reduzir o efeito de confundimento por indicação: análise de regressão de riscos proporcionais de Cox ajustado para os principais determinantes do prognóstico. Contudo, deveriam ter usado também o método que ajusta ajuste a propensão para alocação do tratamento. O viés não pôde ser completamente capturado.

- Um aluno questionou como os pesquisadores conseguiram eliminar os vieses representados por outras causas de morte que não o câncer de próstata. O autor justifica no decorrer do artigo que para evitar vieses de informação, todos os dados não retirados de registros médicos foram desprezados e, portanto só foram considerados dados provenientes de diagnósticos considerados confiáveis, como os dados do Sistema de Informação de Mortalidade ou dos atestados de óbitos de pacientes internados. No entanto, sabe-se que os atestados de óbito são preenchidos muitas vezes de forma incorreta, já que não ocorre distinção se a causa da morte do paciente derivou-se de causa direta, do tumor, do tratamento ou de uma comorbidade. Desta forma, até mesmo documentos médicos como o atestado de óbito podem levar à ocorrência de viés de informação.

- O problema de pesquisa não ficou explícito. Mas isso foi compensado, de certa forma, pela clareza e adequação dos objetivos. O problema de pesquisa não precisa estar, necessariamente, explícito na Introdução, mas a compreensão do trabalho torna-se facilitada para o leitor quando isso ocorre.

- Diferenças na avaliação de diagnóstico também existem entre os grupos terapêuticos, pois o estágio do tumor e grau são baseados apenas em estado clínico e amostras de biópsia em pacientes que não se submetem à cirurgia. Além disso, na medida em que a prevalência de triagem, avaliação diagnóstica, tratamento, vigilância e provavelmente alterado durante o período do estudo, estes resultados não podem ser generalizados para a situação atual. Reconhecemos que estes resultados devem ser discutidos no contexto da qualidade de vida, não um problema considerado neste estudo.

- Houve 82 perdas de seguimento (o que representa 31,8% da amostra que entrou na coorte). As exclusões, ou seja, os que nem entraram na coorte foram 1.074 (4 vezes mais que os 238 pacientes incluídos!...). A despeito do grande número de exclusões e de perdas, não foi demonstrado se as características dos pacientes perdidos e excluídos foram semelhantes às dos que não o foram. Os autores deveriam, ao menos, ter discutido este relevante aspecto metodológico na seção de Discussão do artigo.

- Um dos pontos obscuros encontrados no artigo foi a ausência de justificativa e comentários sobre a razão para se excluírem os pacientes que foram tratados com braquiterapia (radioterapia interna). Uma das hipóteses sugeridas na discussão durante o seminário foi o pequeno número de pacientes submetidos a esta forma de tratamento. Os autores deveriam ter comentado este aspecto na discussão, que é uma seção do trabalho científico que deve conter também aspectos da metodologia do estudo.

- As referências do artigo apresentavam um grande número de trabalhos com mais de cinco anos de publicação (70%). Os vários artigos referidos acima poderiam ter sido incluídos nas
referências. Deduz-se que a revisão da literatura para a redação deste artigo foi deficiente.

Referências usadas para a análise crítica
BOORJIAN, S. A. et al. The impact of discordance between biopsy and pathological Gleason scores on survival after radical prostatectomy. J Urol, 181 (1): 95-104, 2009.
NASSIF, A. E. et al. Perfil epidemiológico e fatores prognósticos no tratamento cirúrgico do adenocarcinoma de próstata clinicamente localizado. Rev. Col. Bras. Cir. 36 (4): 327-331, 2009.
SEGARRA-TOMAS, J. et al. Factores pronósticos y tablas predictivas del cáncer de próstata clínicamente localizado. Actas Urol Esp 30 (6): 567-573, 2006.