4 de junho de 2010

Transtorno de Personalidade Narcisista

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (Período 10)
Resumo
O Transtorno de Personalidade Narcisista caracteriza-se por um elevado sentimento de importância e de "ser único" e "especial". As pessoas com este transtorno lidam mal com críticas e têm auto-estima frágil. Dificuldades interpessoais, ocupacionais, rejeição e perdas estão entre os estressores produzidos por seu comportamento. O diagnóstico diferencial é feito com outros transtornos de personalidade. O curso é crônico e o tratamento, difícil. A distinção entre graus de narcisismo saudável e patológico pode ser difícil em alguns casos. Há critérios diagnósticos propostos pela Associação Americana de Psiquiatria para a determinação de casos de Transtorno de Personalidade Narcisista.
Palavras-chave: Psiquiatria. Transtorno da Personalidade Narcisista. Diagnóstico Uma ninfa bela e graciosa, chamada Eco, amava Narciso em vão. A beleza de Narciso era tão incomparável que ele pensava que era semelhante a um deus. Narciso rejeitou a afeição de Eco até que esta, desesperada, definhou. Para dar uma lição ao rapaz, a deusa Nêmesis puniu Narciso fazendo-o apaixonar-se pelo seu próprio reflexo (GRAVES, 2008). Auto-admirando-se, Narciso caiu dentro do lago onde sua imagem estava refletida. As ninfas construíram-lhe uma pira funerária, mas quando foram buscar o corpo, apenas encontraram uma flor no seu lugar: o narciso (LEFEVRE, 1973).
A lenda grega citada acima indica que esta forma exacerbada de "auto-amor" pode terminar em auto-destruição. Por analogia com o mito greco-romano de Narciso, "o auto-admirador", os indivíduos com Transtorno de Personalidade Narcisista caracterizam-se por um elevado sentimento de sua própria importância e por sentimentos grandiosos de serem únicos (KAPLAN; SADOCK, 2008). De acordo com o DSM-IV (abreviatura de Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quarta edição, Associação Americana de Psiquiatria), as estimativas de prevalência do transtorno variam de 2 a 16% nas populações clínicas a menos de 1% na população em geral. Os indivíduos afetados podem transferir aos filhos um sentimento não-realista de onipotência, grandiosidade, beleza e talento; dessa forma, a descendência desses pais pode ter um risco acima do habitual de desenvolver o transtorno.
Os traços narcisistas podem ser particularmente comuns em adolescentes, não indicando, necessariamente, que o indivíduo terá um Transtorno da Personalidade Narcisista. Esses indivíduos podem ter dificuldades especiais no ajustamento ao início das limitações físicas e ocupacionais inerentes ao processo de envelhecimento. Os homens perfazem 50 a 75% dos indivíduos que recebem o diagnóstico. Os indivíduos com transtorno de personalidade narcisista têm um senso grandioso de auto-importância, consideram-se especiais e esperam tratamento diferenciado. A sensação de terem direitos ou privilégios é impressionante. Os portadores deste transtorno lidam mal com críticas; podem ficar até enraivecidos quando alguém "se atreve" a criticá-los. Pode haver uma aparência de humildade mascara e protege a grandiosidade. Geralmente querem as coisas à sua própria maneira e, com frequência, são ambiciosos. Seus relacionamentos são frágeis e deixam os outros furiosos por desobedecer regras de comportamento. A exploração interpessoal pelo narcisista é comum, e ele costuma fingir simpatia para conseguir seus objetivos.
Os portadores desse transtorno tem auto-estima frágil, sendo predispostos à depressão. Embora ambiciosos e aparentemente confiantes, seu desempenho pode ser perturbado pela intolerância a críticas ou derrotas. Dificuldades interpessoais, problemas ocupacionais, rejeição e perdas estão entre os estressores que os narcisistas produzem por seu comportamento – com os quais são pouco hábeis em lidar. Vergonha ou humilhação e a autocrítica podem estar associados com retraimento social, humor deprimido e Transtorno Depressivo Maior ou Distímico. Por outro lado, períodos persistentes de grandiosidade podem estar associados com um humor hipermaníaco.
O Transtorno da Personalidade Narcisista também está associado com Anorexia Nervosa e Transtornos Relacionados a Substâncias (especialmente relacionados à cocaína). Os Transtornos da Personalidade Histriônica, Borderline, Anti-Social e Paranóide podem estar associados com o Transtorno da Personalidade Narcisista, sendo também considerados diagnósticos diferenciais. Logo, se um indivíduo tem características de personalidade que satisfazem os critérios para um ou mais Transtornos da Personalidade além do Transtorno da Personalidade Narcisista, todos podem ser diagnosticados, considerando diagnóstico diferencial quando não preenchidos os critérios, sendo este difícil.
O aspecto mais útil para a discriminação entre o Transtorno da Personalidade Narcisista e os Transtornos da Personalidade Histriônica, Anti-Social e Borderline, cujos estilos de interação são, respectivamente, sedutor, indiferente e carente, é a grandiosidade característica do Transtorno da Personalidade Narcisista. Também deve ser diferenciado de uma Alteração da Personalidade Devido a uma Condição Médica Geral. O curso do transtorno é crônico e de difícil tratamento, advinda a dificuldade da necessidade de renunciar a seu narcisismo para fazer progresso. Os pacientes precisam lidar constantemente com ataques a seu narcisismo, resultantes de seu próprio comportamento ou de experiências de vida. O envelhecimento não é bem vivenciado por esses indivíduos, que valorizam excessivamente a beleza, a força e atributos da juventude, aos quais se apegam de forma inapropriada. Podem ser, por isso, mais vulneráveis a crises de meia-idade do que outros indivíduos.
O tratamento é feito por Psicoterapia e Farmacoterapia. Alguns defendem o uso de abordagem psicanalítica, enquanto outros grupos acreditam que a terapia de grupo seria a melhor opção (KAPLAN; SADOCK, 2008). Lítio tem sido utilizado em casos cujo quadro clínico inclui oscilação importante do humor. Devido ao fato de que estes não toleram bem a rejeição e são predispostos à depressão, os antidepressivos, em especial os medicamentos serotoninérgicos, também podem ser úteis. O Transtorno da Personalidade Narcisista deve ser diferenciado de uma Alteração da Personalidade Devido a uma Condição Médica Geral, na qual os traços emergem devido aos efeitos diretos de uma condição médica geral sobre o sistema nervoso central. Ele também deve ser diferenciado de sintomas que podem desenvolver-se em associação com o uso crônico de substâncias (por ex., Transtorno Relacionado à Cocaína Sem Outra Especificação).
Os critérios diagnósticos para F60.8-301.81 no DSM-IV (equivalente ao F60-8 na Classificação Internacional de Doenças, décima edição CID-10), que é o Transtorno da Personalidade Narcisista incluem um padrão invasivo de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração e falta de empatia, que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por pelo menos cinco dos seguintes aspectos:
(1) sentimento grandioso da própria importância (por exemplo, exagera realizações e talentos, espera ser reconhecido como superior sem realizações comensuráveis);
(2) preocupação com fantasias de ilimitado sucesso, poder, inteligência, beleza ou amor ideal;
(3) crença de ser "especial" e único e de que somente pode ser compreendido ou deve associar-se a outras pessoas (ou instituições) especiais ou de condição elevada;
(4) exigência de admiração excessiva;
(5) sentimento de intitulação, ou seja, possui expectativas irracionais de receber um tratamento especialmente favorável ou obediência automática às suas expectativas;
(6) é explorador em relacionamentos interpessoais, isto é, tira vantagem de outros para atingir seus próprios objetivos;
(7) ausência de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e necessidades alheias;
(8) frequentemente sente inveja de outras pessoas ou acredita ser alvo da inveja alheia; e
(9) comportamentos e atitudes arrogantes e insolentes.
A distinção entre graus de narcisismo saudável e patológico pode ser difícil em alguns casos. Uma certa medida de amor próprio não apenas é normal com também desejável. Segundo GABBARD (1998), outro fator de confusão é o fato de que certos comportamentos podem ser patologicamente narcisistas em um indivíduo, enquanto representam simplesmente uma manifestação de auto-estima saudável em outro. Este autor ressalta que um menino de 15 anos que fica em frente ao espelho por um tempo prolongado pode ser perfeitamente normal; trata-se de um comportamento esperado para um jovem pubescente. Contudo, um homem de 30 ou 45 anos com o mesmo comportamento parece definitivamente patológico. Por outro lado, lembra o referido autor, “nós vivemos em uma cultura narcisista”. Por isso, às vezes torna-se difícil determinar que traços indicam um Transtorno de Personalidade Narcisista e quais seriam simplesmente traços culturais adaptativos.
Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Versão Eletrônica In PsiqWeb. Disponível em < ltr="P">. Acesso em: 18 maio 2010.
GABBARD, G. O. Psiquiatria Psicodinâmica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. GRAVES, R. Narciso. O Grande Livro dos Mitos Gregos. São Paulo: Ed. Ediouro, 2008. KAPLAN, H. I.; SADOCK. B. J. Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. 2a ed. São Paulo: Ed. Artmed, 2008. LEFEVRE, S. Narciso, Eco e Pã, símbolos diferentes da natureza humana e física. In: CIVITA, V. Mitologia Volume II. São Paulo: Ed. Abril Cultural, 1973.
Imagem que ilustra esta postagem: "Narciso", Obra de Caravaggio (1597).