25 de outubro de 2010

Autonomia do Paciente: Consentimento Informado

O Consentimento Informado tem sido um dos temas amplamente discutidos em Bioética na atualidade. Uma das mudanças de maior importância nos paradigmas do cuidado e atenção à saúde no final do século XX e início deste século foi aquele que reconheceu o direito dos doentes à informação sobre seu problema de saúde e, por conseguinte, seu direito de serem levados em consideração na análise e na condução de sua enfermidade. Este tema desdobra-se em tópicos de grande relevância atual, como a humanização do atendimento e a necessidade de sua participação na terapêutica. O direito a este conhecimento envolve importantes aspectos éticos e legais. Na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, afirma-se que o paciente e o seu médico deverão estabelecer conjuntamente o tipo de tratamento, e o paciente deverá manifestar o seu consentimento livre depois de ter sido informado adequadamente (SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOÉTICA, 2005). Neste documento, no Art. 6, menciona-se que "qualquer intervenção preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido, do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada".

Contudo, o respeito ao princípio de respeito à autonomia do paciente e do consentimento livre e esclarecido só passou a ser parte integrante da história da medicina, da experiência clínica e da educação médica recentemente. Segundo Almeida (1999), na ética médica hipocrática, o Princípio de Beneficência justificou a intervenção no corpo do paciente sem seu consentimento. Baseados na ética hipocrática e em uma autoridade crescente junto à sociedade, os médicos sempre tiveram como base para interpretação e decisão clínica seus próprios critérios. Na metade do século XIX, meio século depois da Revolução Francesa, começou a configurar-se uma nova geração de direitos humanos, centrada na idéia de igualdade e de justiça. A autodeterminação do indivíduo foi o primeiro critério enunciado no Código de Nuremberg (Ibid). A abordagem bioética dos quatro princípios, ou simplesmente Principialismo, teve por referência o Princípio de Beneficência, associado ao de não-maleficência, guiando a prática médica durante 2.500 anos, tendo por referência os preceitos éticos hipocráticos, mas é o princípio que, nos últimos anos, mais vem sendo questionado. Por outro lado, o Princípio da Autonomia do paciente tem assumido grande importância na constituição e desenvolvimento do debate bioético contemporâneo. Esse princípio está associado à formulação dos direitos dos pacientes, direitos que vieram no bojo do processo do desenvolvimento da teoria e da prática dos Direitos do Homem, a partir do final da II Guerra Mundial. Sua formulação teórica no campo da filosofia moral, porém, remonta ao filósofo Immanuel Kant (ALMEIDA, 1999). O princípio de respeito da autonomia tornou-se, nestas últimas décadas, uma das principais ferramentas conceituais da ética aplicada, sendo utilizado em contraposição ao assim chamado paternalismo médico. No conjunto dos princípios bioéticos prima facie, (isto é, que admitem exceções de acordo com as circunstâncias específicas), o de respeito da autonomia tem relevância no campo biomédico.

Em sociedades democráticas e pluralistas ninguém teria o direito de impor aos outros seus estilos de vida e suas concepções sobre bem e mal. Aplicado à prática médica, o princípio de respeito da autonomia vem trazendo dilemas éticos à prática médica paternalista. Neste sentido, os princípios de respeito da autonomia e do consentimento livre e esclarecido são os princípios centrais em nossa análise das mudanças da prática médica contemporânea (ALMEIDA, 1999). Em 1974, formou-se nos Estados Unidos a Comissão Nacional para a "Proteção de Sujeitos Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental". Após quatro anos, o resultado do trabalho da comissão ficou conhecido como Relatório Belmont, um documento que ainda hoje é um marco histórico e normativo para a Bioética (NEVES, 2006).
O Relatório Belmont apresenta, entre os princípios éticos considerados básicos, a autonomia. Três princípios deveriam nortear a pesquisa biomédica com seres humanos: a) o princípio do respeito à autonomia das pessoas; b) o princípio da beneficência; c) o princípio da justiça. O Relatório propôs que a autonomia incorporava, pelo menos, duas convicções éticas: a primeira, de que os indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos, e a segunda, de que as pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas. O Relatório Belmont, publicado em 1978, baseou-se na Declaração de Helsinque sobre ética médica, foi apresentado "com o objetivo de levar a cabo uma pesquisa e um estudo completo que identificassem os princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação em seres humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina" (BEAUCHAMPS; CHILDRESS, 1978, p. 10). As relações de saúde, construídas sob o modelo paternalista, foram diretamente afetadas pelo princípio da autonomia. No Brasil, a mudança ainda não está consolidada, mas há sinais indicativos da substituição do paternalismo pelo consentimento livre e esclarecido. Fala-se, hoje, em empowerment health, "apoderamento sobre a saúde", ou seja, o paciente conquistou o poder de tomar decisões sobre sua saúde e sua vida: de sujeito passivo passou a titular do direito. Antes soberano para tomar decisões clínicas, o médico passa a conselheiro, num diálogo franco com o paciente, titular do direito de tomá-las mediante esclarecimento que lhe é devido pelo profissional (RIBEIRO, 2006). O princípio de respeito da autonomia e seu correlato, o princípio do consentimento livre e esclarecido, têm levado a mudanças substanciais da ética médica tradicional. O termo de consentimento informado é uma obrigação para o exercício profissional e para a pesquisa envolvendo seres humanos. Representa o respeito à autonomia. A prática ou a obtenção do consentimento informado no exercício da medicina ea pesquisa em seres humanos são próprias das últimas décadas e caracterizam o aperfeiçoamento da ética biomédica (BIONDO-SIMÕES et al., 2007).
O consentimento informado é um elemento característico do atual exercício da medicina, não é apenas uma doutrina legal, mas um direito moral dos pacientes que gera obrigações morais para os médicos (CLOTET, 2005). A informação deve ser prestada de acordo com a personalidade, o grau de conhecimento e as condições clínicas e psíquicas do paciente, abordando dados do diagnóstico ao prognóstico, dos tratamentos a efetuar, dos riscos conexos, dos benefícios e alternativas, se existentes.
Quanto à forma de fornecimento das informações, pode ser oral ou por escrito, desde que haja certeza da compreensão dos dados, por ser elementar para a validade do consentimento. Entretanto, considerando a diversidade dos indivíduos quanto ao grau de entendimento e ainda quanto à situação, muitas vezes constrangedora, do paciente em dizer que não entendeu, fica-se sempre com a incerteza do quanto o documento atingiu o objetivo de permitir ao paciente saber o tipo de tratamento ou mesmo de pesquisa a que está se submetendo. O Termo Consentimento Informado, portanto, é uma decisão voluntária, realizada por pessoa autônoma e capaz, tomada após processo informativo e deliberativo visando a aceitação de tratamento específico ou experimentação, sabendo a natureza do mesmo, das suas consequências e dos seus riscos. Trata-se de um documento recomendado por declarações internacionais, códigos de ética e resoluções e leis específicas, para ser utilizado na prática cotidiana em saúde e na realização de pesquisas envolvendo seres humanos. Na literatura, principalmente a internacional, a expressão mais familiar para referir, de maneira genérica, a essa prática é Consentimento Informado, em sua versão na língua inglesa Informed Consent. Na legislação brasileira, desde 1996, adota-se a terminologia Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n. 196/96, que dispõe sobre ética em pesquisa com seres humanos. A comunicação de riscos e benefícios, além de subsidiar a tomada de decisão apresenta uma outra função: a distribuição de responsabilidades. Na lógica do consentimento informado, o profissional tem o dever de comunicar possíveis riscos, benefícios e tratamentos alternativos. Ao cumprir esse dever as responsabilidades são redistribuídas e diluídas pela rede social de relações, em diferentes níveis (MENEGON, 2004). Autonomia é um termo derivado do grego "auto" (próprio) e "nomos" (lei, regra, norma). Significa autogoverno, autodeterminação da pessoa de tomar decisões que afetem sua vida, sua saúde, sua integridade físico-psíquica, suas relações sociais. Refere-se à capacidade de o ser humano decidir o que é "bom", ou o que é seu "bem-estar" (HARDY et al, 2002).
A conquista do respeito à autonomia é um fenômeno histórico bastante recente, que vem deslocando pouco a pouco os princípios da beneficência e da não-maleficência como prevalentes nas ações de assistência à saúde. A partir dos anos 1960, movimentos de defesa dos direitos fundamentais da cidadania e, especificamente, dos reivindicativos do direito à saúde e humanização dos serviços de saúde vêm ampliando a consciência dos indivíduos acerca de sua condição de agentes autônomos No Brasil, desde a década de 1980, códigos de ética profissional vêm tentando estabelecer uma relação dos profissionais com seus pacientes, na qual o princípio da autonomia tenda a ser ampliado. No Brasil, aumenta a discussão e a elaboração de normas deontológicas sobre as questões que envolvem as relações da assistência à saúde, com o entendimento de que a pessoa autônoma tem o direito de consentir ou recusar propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico que afetem ou venham a afetar sua integridade físico-psíquica ou social (FORTES, 1999). No Brasil, o não recolhimento do consentimento da pessoa é considerado como ilícito penal apenas quando for ocasionado por uma conduta dolosa, de acordo com o art.146, § 3º, I, do Código Penal. A norma penal requer somente um consentimento simples, significando o direito à recusa. O atendimento do princípio ético do respeito à autonomia da pessoa requer mais, não se limita ao simples direito à recusa ou ao consentimento simples, requer um consentimento livre, esclarecido, renovável e revogável (MUÑOZ;FORTES, 1998). O primeiro princípio constitutivo de uma concepção complexa da autonomia passa a ser sua característica relativa e relacional, inseparável da dependência. Seria preciso, portanto, superar uma idéia ou um objetivo de se chegar a uma autonomia absoluta. Pensando isto no processo saúde/doença, significa defender não a autodeterminação do paciente pura e simples, mas, ao contrário, o fortalecimento das relações entre pacientes e profissionais da saúde, entre pacientes e seus familiares, porque essas redes de autonomia/dependência passam a ser vistas como fundamentais para o cuidado e para a saúde (SOARES; CARVALHO, 2007).
Atualmente, a teoria principialista está sendo criticada pelo fato de ter sido importada de países desenvolvidos sem se considerar o contexto sócio-cultural e econômico do Brasil.

Referências
ALMEIDA, J. L. T. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente. [Doutorado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 129 p. BEAUCHAMP, T.; CHILDRESS, J. The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-82, 1978. BIONDO-SIMOES, M. L. P. et al. Compreensão do termo de consentimento informado. Rev. Col. Bras. Cir. 34 (3): 183-188, 2007. CLOTET, J. O consentimento informado nos Comitês de Ética em Pesquisa e na prática médica: conceituação, origens e atualidade. Bioética 1: 51-59, 2005. DOLCI, M. I. R. L. Informação consistente. Medicina: Conselho Federal de Medicina, maio, 1999, p. 6. FORTES, P. A. C. O consentimento informado na atividade médica e a resposta dos tribunais. Rev Justiça Democracia 1 (2): 185-97, 1996. MENEGON, V. M. Consentindo ambigüidades: uma análise documental dos termos de consentimento informado, utilizados em clínicas de reprodução humana assistida. Cad. Saúde Pública 20 (3): 845-854, 2004. MERCADO-MARTINÉZ, F. J. et al. La perspectiva de los sujetos enfermos: reflexiones sobre pasado, presente y futuro de la experiencia del padecimiento crónico. Cad. Saúde Pública, 15 (1): 179-186, 1999. MUÑOZ, D. R.; FORTES, P. A.C. O Princípio da Autonomia e o Consentimento Livre. e Esclarecido. In: FERREIRA, COSTA, G. O; GARRAFA, V. (Org). Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho. Federal de Medicina, 1998
NEVES, N. C. Ética para os Futuros Médicos: É Possível Ensinar? Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2006. RIBEIRO, D. C. Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte. Cad. Saúde Pública. 22 (8): 1749-1754, 2006.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOÉTICA. Declaração Universal sobre Direitos Humanos e Bioética. Brasília: Universidade de Brasília, 2005. SOARES, J. C. R. S.; CAMARGO JR, K. R. A autonomia do paciente no processo terapêutico como valor para a saúde. Interface (Botucatu) 11 (21): 65-78, 2007. Fonte da imagem: http://www.mountnittany.org