24 de janeiro de 2011

Ensino de Semiologia Médica em Enfermarias

ENFERMARIAS DE HOSPITAL UNIVERSITÁRIO COMO CENÁRIO DE ENSINO DE SEMIOLOGIA MÉDICA
UNIVERSITY HOSPITAL WARDS AS TEACHING SCENARIO OF CLINICAL EXAMINATIONRilva Lopes de Sousa-Muñoz(1), Gabriel Clemente de Brito Pereira (2), Bruno Melo Fernandes (2), Guilherme Augusto Teodoro de Athayde (2), João Guilherme Pinto Vinagre (2), Mara Rufino de Andrade (2), Ana Paula Freitas Silva (2), Daniel Espíndola Ronconi (2), Camila de Oliveira Ramalho (2).

(1) Professora do Departamento de Medicina Interna / Centro de Ciências Médicas / Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
(2) Estudantes do Grupo de Estudos em Semiologia Médica (GESME) / UFPB

Resumo
Os objetivos deste estudo foram avaliar o perfil clínico da clientela adulta hospitalizada nas enfermarias de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e o potencial do serviço como cenário prático de aprendizagem para Semiologia Médica. O modelo foi descritivo e transversal. Realizaram-se entrevistas, exame clínico e revisão dos prontuários. As variáveis avaliadas foram sintomas, achados de exame físico, sistema acometido, diagnóstico principal, permanência hospitalar e participação dos pacientes nas aulas práticas. Avaliaram-se 54 pacientes de 18 a 78 anos (43,8±16,6). Idade, doenças prevalentes, achados do exame físico, média de permanência hospitalar e diagnóstico foram compatíveis com um perfil de doenças crônicas e de alta complexidade. Os sítios onde o encontro de achados semiológicos foram mais frequentes são necessários ao aprendizado da semiologia geral. Os achados semiológicos mais encontrados também corresponderam aos indispensáveis ao aprendizado do exame clínico fundamental. A maioria dos pacientes foi receptiva e tinha condições clínicas de participar de aulas práticas. Conclui-se que existe um cenário favorável ao aprendizado de estudantes de Semiologia nas enfermarias do HULW para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras.
Palavras-chave: Educação de Graduação em Medicina. Serviço hospitalar de educação. Sinais e sintomas. Exame físico. Clínica médica.
HOSPITAL WARDS AS TEACHING SCENARIO OF CLINICAL EXAMINATION
Abstract

The objectives of this study was to evaluate the clinical profile of adult customers hospitalized in the wards of internal medicine at the Lauro Wanderley University Hospital (HULW) and the potential of serving as practical learning scenario for clinical examination . The model was descriptive and transversal. There were interviews, clinical examination and review of medical records. The variables evaluated were symptoms, physical examination findings, systems affected, primary diagnosis, hospital stay and patients' participation in practical classes of clinical examination. We evaluated 54 patients aged from 18 to 78 years (43.8 ± 16.6). Age, Illness, physical examination findings, the mean hospital stay and diagnosis were consistent with a profile of chronic diseases and high complexity. The sites where the meeting of clinical findings were more common are necessary for learning general clinical examination. Clinical symptoms also found it necessary to correspond to the learning of basic medical examination. Most patients were conducive and had medical conditions to participate in practical classes. Conclude that there is a setting favorable to learning for students in the clinical wards of HULW for the development of psychomotor skills.
Key-Words: Undergraduate Education in Medicine. Education department, hospital. Signs and symptoms. Clinical examination. Internal medicine.

INTRODUÇÃO

Recentemente tem sido enfatizado que, para o processo de ensino-aprendizagem prático de Semiologia Médica, os procedimentos pedagógicos devem incluir o treinamento não só em ambulatórios e não só em enfermarias. Este constitui um tema atual de discussão na literatura sobre ensino médico.1-5

Sabe-se que há vantagens e desvantagens do ensino-aprendizagem em cada um desses cenários. A abordagem de condições agudas, com sintomas e sinais distintos, maior treinamento em propedêutica e procedimentos são vantagens do ensino hospitalar. Por outro lado, habilidades de comunicação e aprendizagem sobre os aspectos psicossociais são competências que se adquirem principalmente no ambiente ambulatorial, onde ocorrerá a maior parte da prática clínica do futuro médico.

Contudo, mesmo considerando a necessidade de diversificação de cenários de aprendizagem que, sem dúvida, é um aspecto importante na prática pedagógica em Medicina, há que se ponderar também o declínio do ensino à beira do leito, apesar de sua importância no treinamento discente. Esse declínio pode representar um problema tão importante quanto a questão da tradicional falta de diversificação dos cenários de aprendizagem.6

Considerando que a formação médica deve ter no ensino hospitalar parte da integralidade da sua ação pedagógica, os objetivos deste trabalho foram avaliar o perfil clínico da clientela adulta hospitalizada nas enfermarias de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e o potencial do serviço como cenário prático de aprendizagem para estudantes de Semiologia Médica.

METODOLOGIA

O modelo deste estudo foi descritivo e transversal. O local da pesquisa foram as enfermarias de Clínica Médica do HULW. A amostra foi constituída por pacientes adultos (maiores de 18 anos), internados nas referidas enfermarias e que consentiram em participar do estudo. Foram excluídos da amostra os pacientes em isolamento e os que se recusaram a participar da pesquisa.

A coleta de dados foi feita através de entrevistas, exame clínico dos pacientes e revisão dos prontuários pelos monitores de Semiologia Médica do curso de graduação em Medicina da Universidade Federal da Paraíba. O instrumento de coleta de dados foi um formulário elaborado para verificação das variáveis demográficas, clínicas e ligadas à participação dos pacientes nas aulas práticas.

Os monitores de Semiologia avaliaram todos os pacientes hospitalizados nos 70 leitos da enfermaria de clínica médica do HULW no período de julho de 2008 a janeiro de 2009.

As variáveis avaliadas foram sócio-demográficas (idade, sexo), clínicas (sintomas, sinais, achados de exame físico, sistema acometido, diagnóstico principal [provisório e definitivo), permanência hospitalar e participação dos pacientes nas aulas práticas (consentimento do paciente e sua condição clínica de participar).

O diagnóstico principal correspondeu ao problema central de saúde que motivou a admissão do paciente no hospital, sendo categorizado por grupo de doenças, com base na 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10. (7).

O sintoma ou sinal que motivou a hospitalização foi aquele que figurou como queixa principal da anamnese à admissão do paciente. Foi realizada classificação da gravidade do estado clínico dos pacientes nas categorias grave, regular e bom.

O projeto do presente estudo foi submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HULW. Todos os pacientes internados nas enfermarias de clínica médica do HULW que preencheram os critérios de inclusão foram recrutados após assinatura do Termo de Consentimento.

RESULTADOS

Avaliaram-se 54 pacientes, 28 (51,8%) do gênero masculino. A idade variou entre 18 e 78 anos (43,8 ± 16,6). Foram excluídos da amostra cinco pacientes, que se encontravam em isolamento reverso durante o período de internamento.

Analisando-se o diagnóstico principal de hospitalização dos pacientes, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, observou-se que as enfermidades do aparelho cardiovascular foram as mais frequentes, representando 28,5% dos diagnósticos da amostra. A segunda categoria de diagnóstico mais frequente foram as doenças reumatológicas (12,9%), seguida pela de doenças do aparelho digestório (11,1%).

Os diagnósticos admissionais prevalentes foram insuficiência cardíaca congestiva (12/22,2%) e lupus eritematoso sistêmico (8/14,8%). Os diagnósticos foram considerados como definitivos em 35 (35/64,8%) e provisórios em 19 (35,2%), conforme verificado nos resumos de alta dos pacientes. As queixas principais prevalentes à admissão foram dispnéia (17/31,5%), dor torácica (10/18,5%) e dor abdominal (6/11,1%). O número médio de sinais e sintomas registrados no interrogatório dirigido foi 9,0 ± 4,1. Os achados do exame físico segmentar encontrados com maior frequência relacionavam-se ao exame do abdome (n=22/40,7%), respiratório (n=16/29,6%) e cardiovascular (14/25,9%).

Os sinais clínicos do exame físico mais frequentemente encontrados foram ascite, edema subcutâneo, lesões elementares de pele, icterícia, palidez cutâneo-mucosa, alterações de ausculta cardiopulmonar, visceromegalias abdominais e emagrecimento.

Os monitores classificaram o estado geral dos pacientes avaliados como grave em 5 (9,2%) casos, grave apenas à admissão (3/5,5%) e não-grave em 46 (85%). O tempo médio de internação foi de 27,3 dias (± 21,8).

Quanto ao consentimento na participação dos pacientes no ensino, 83,3% foram concordantes em participar (tabela 2). A avaliação do estado clínico geral indicava que este aparentemente permitia a participação do paciente nas aulas práticas de Semiologia em 88,8%, havendo outros impedimentos à sua participação em dois casos (repouso absoluto para realização de exames hormonais e não participação por solicitação do médico assistente).

DISCUSSÃO

Embora o ensino da Semiologia não se restrinja apenas à semiotécnica, esta contribui decisivamente para a formação médica e, portanto, nesse sentido, verificou-se no presente estudo que existe um cenário favorável ao aprendizado prático de estudantes de Semiologia nas enfermarias do HULW. Não considerando aqui outros fatores igualmente importantes, como a coexistência de uma orientação docente adequada e a integração do aprendizado com o de outros cenários de prática, os alunos de Semiologia têm, nas enfermarias de clínica médica do HULW, possibilidade de desenvolver habilidades psicomotoras durante seu treinamento propedêutico.

Para se valorizar de forma apropriada estes resultados, algumas características do presente trabalho devem ser destacadas. Em primeiro lugar, é importante considerar que este estudo foi realizado com pacientes internados na área de Medicina interna, onde são realizadas as aulas práticas de semiologia geral. Como consequência, os resultados não podem ser estendidos para as internações da Cirurgia, Gineco-Obstetrícia, Pediatria, Psiquiatria ou, especialidades clínicas do HULW.

Idade, doenças prevalentes, média de permanência hospitalar e diagnóstico dos pacientes estudados nesta amostra foram compatíveis com um perfil de doenças crônicas e de alta complexidade, corroborando dados verificados em estudos anteriores no mesmo serviço.8-10
Para fins de comparação com estudos locais de outros serviços, verifica-se que informações sobre a morbimortalidade hospitalar em clínica geral no Estado da Paraíba limitam-se às informações do Sistema Único de Saúde - DATASUS.11

A comparação do perfil desta amostra com estudos de base hospitalar de outras regiões também é difícil. Além das diferenças metodológicas existentes, o perfil da população atendida, assim como o perfil das instituições, produz contextos bastante particulares na atenção hospitalar. Esse é um aspecto que indica um viés de seleção nesse tipo de estudo, já que nas enfermarias de um hospital universitário são atendidos pacientes com doenças de maior complexidade que em outros hospitais da cidade/estado/região.

Os diagnósticos admissionais foram definitivos na maioria dos casos, sendo a insuficiência cardíaca prevalente, corroborando pesquisas anteriores no mesmo serviço.9 Houve prevalência de queixas respiratórias à admissão hospitalar, provavelmente em virtude do perfil diagnóstico da amostra. No exame físico, os sítios onde o encontro de achados semiológicos foram mais frequentes representam locais de exames necessários ao aprendizado da semiologia médica geral. Os achados semiológicos mais frequentes também corresponderam aos imprescindíveis ao aprendizado do exame básico da semiologia geral, conforme indicam os principais livros-texto da área.12,13

O tempo médio de permanência hospitalar da amostra estudada foi alto, mas se verificou grande variabilidade nessa estimativa. Este achado de alta permanência possivelmente está relacionado ao perfil epidemiológico da demanda hospitalar terciária, tanto relacionada ao paciente, à doença, ao processo da atenção, como aos interesses acadêmicos e da docência em Medicina.14 A estimativa de permanência encontrada foi semelhante à observada em estudos anteriores nas mesmas enfermarias.8-10,15

A maioria dos pacientes foi receptiva e aparentemente tinha condições clínicas de participar de aulas práticas. Em outra pesquisa realizada na mesma instituição, a maioria dos pacientes declarou não se sentir incomodada pela abordagem de estudantes de Medicina para que participassem das aulas práticas.16

Considera-se que se cria uma confiança do paciente para com o aluno, que ainda está construindo os seus conhecimentos, favorecendo o relacionamento.17

Estudantes de medicina não apenas são bem aceitos, como também esperados por muitos pacientes e acompanhantes durante os atendimentos médicos em clínica médica.4,18 Esses achados têm grande valor para o plano de execução de um programa de ensino médico em um hospital.19

Fora do Brasil, a percepção do paciente sobre sua participação em aulas à beira do leito também foi estudada por Lehmann et al. (1997), que verificaram uma resposta favorável.4

Várias atitudes podem minimizar o problema de incomodar o paciente hospitalizado durante as aulas práticas com estudantes. Durante a abordagem do paciente à beira do leito, o professor deve se apresentar e também aos estudantes, lembrando-se de chamar seu cliente pelo nome.

Além disso, o paciente tem o direito de ser informado sobre o contexto da discussão clínica, sendo tarefa do docente esclarecer-lhe seu estado de modo a mantê-lo mais tranquilo e criar um elo de entendimento com o paciente e entre este e o aluno.20,21

O estudo junto ao paciente é uma atividade com grande potencial educativo, que merece incentivo das escolas médicas.20 É preciso levar em consideração que o que muitos chamam de ensino à beira do leito não passa de ensino no corredor ou em porta de enfermaria. Poucos se lembram de apresentar-se ao doente e explicar-lhe o que será feito ao lado dos alunos.21

Portanto, é necessária a adoção de estratégias que busquem otimizá-la, como, por exemplo, seleção criteriosa de casos a serem discutidos; realização da visita em horários e dias predeterminados no cronograma curricular; formação de grupos com pequeno número de estudantes; estabelecimento da rotina de discussão ao lado do paciente e, a posteriori, numa sala estruturada que fomente a discussão em grupo; escolha de um profissional competente capaz de incentivar o raciocínio clínico acadêmico e de solucionar dúvidas prementes, além de incluir temas de cunho social e cultural no debate.

A importância e as vantagens do ensino médico à beira do leito são indiscutíveis nesta fase da formação médica22. Nuances de todas as doenças são encontradas, assim como quase todos os matizes de caracteres que simbolizam o ser humano, com exceção das classes sociais mais altas, cujos membros usualmente não procuram estes serviços.23

Como afirmam Santos et al. (2003), como o ensino da Semiologia é tradicionalmente realizado nas enfermarias de clínica médica dos hospitais universitários, o número de leitos disponíveis deverá atender às variadas dimensões de turmas de alunos, de modo a oferecer um leito para cada aluno ou, pelo menos, um leito para cada dois alunos praticarem o treinamento.24 Os referidos autores salientam ainda que os pacientes de ambulatório, por sua inerente transitoriedade, não se prestam ao treinamento continuado do aluno na fase de Semiologia, embora possam participar de eventuais demonstrações em aulas práticas. Embora a atenção básica seja um cenário de práticas particularmente importante para o aluno iniciante de clínica, o treinamento inicial de anamneses e exames físicos com pacientes ambulatoriais, por sua inerente transitoriedade, não se adéqua de maneira ideal a essa fase inicial do treinamento.25

No entanto, observa-se um declínio do ensino à beira do leito, apesar de sua importância no treinamento discente.2 Enquanto no início dos anos 1960, 75% do ensino clínico era feito à beira do leito, em 1978, esse número caiu para 16%.27 Na atividade docente-assistencial realizada no cotidiano de enfermarias clínicas, observa-se também uma diminuição dos encontros com estudantes e médicos na cena clínica, os quais atualmente sabem menos sobre seus pacientes e estão menos implicados na relação com eles.28

Estudos mostram que médicos recém-graduados apresentam consideráveis deficiências nas habilidades consideradas importantes para o exame clínico.2,29,30 A habilidade para identificar sinais ao exame físico é pequena, inclusive quando se avaliam os egressos do curso de graduação de Medicina durante seu treinamento na residência médica.1

Como resultado, as habilidades de realização do exame físico têm diminuído, e o exame clínico tem sido desvalorizado, no sentido de se diminuir o seu emprego na prática médica, havendo uma dependência crescente do laboratório e de exames de imagem para a elaboração do diagnóstico.26,31

No ensino de Semiologia à beira do leito, a interação com o pacientes também permite de forma invariável que o professor sirva de modelo para os aspectos humanísticos da assistência ao paciente e as habilidades de relacionamento interpessoal médico-paciente. As características dos pacientes internados em enfermarias de hospitais universitários, tendo em vista o perfil da demanda e a prevalência de doenças crônicas, também está de acordo com o perfil epidemiológico decorrente da transição demográfica.32

A realidade das enfermarias de clínica médica do HULW indica que a frequência de pacientes com doenças crônicas e que são sujeitos a várias complicações gera um postulado de que todos são graves ou serão graves. Durante a graduação, idealiza-se a imagem dos livros-texto clássicos de medicina para o doente mais grave, o chamado “paciente de livro”. Mas na prática, quando os alunos passam a ter contato com o paciente hígido do exercício clínico ambulatorial, percebe que o perfil deste é muito diferente daquele que examinou nas enfermarias.

Contudo, o aprendizado clínico não tem como escapar desta realidade. Como atividade curricular da disciplina de Semiologia, os alunos geralmente observam pacientes com doenças de maior complexidade. Esse aspecto torna mais fácil a demonstração de alterações no exame clínico. Tais pacientes são doentes e sintomáticos a ponto de apresentar indicação de internamento hospitalar. Por outro lado, o aluno terá dificuldade de reconhecer o diagnóstico clínico nas formas iniciais das doenças.

Questiona-se, então, qual o cenário mais apropriado para o ensino do método clínico? Para alguns autores, a resposta ainda é o aprendizado à beira do leito do doente e com um bom professor.33-36 Na experiência de alguns, em visitas à enfermaria, verifica-se que os alunos se motivam por vivenciar junto ao professor a realização da anamnese e do exame clínico do doente.33,36

Por outro lado, esta também é uma experiência coletiva. Em se tratando de um hospital universitário, podem-se ter, simultaneamente, na assistência ao paciente hospitalizado, vários sujeitos: o médico responsável ou preceptor, eventualmente um professor de determinada disciplina com outros alunos de graduação, médicos residentes, internos, além de diversos outros estudantes da área de saúde envolvidos nos cuidados, assim como alunos e professores destas áreas (Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia, Serviço Social).

No ensino de Semiologia de uma universidade pública, Silva e Rezende verificaram que o cenário de prática considerado mais adequado pelos estudantes para a aprendizagem de Semiologia não foi apenas ambulatório ou apenas enfermaria, ambos os cenários (ambulatório e enfermaria) foram assinalados pela grande maioria (144 alunos, 91,7%). A justificativa foi a riqueza de sintomas e sinais dos pacientes da enfermaria, por um lado, e o contato com pacientes com quadros clínicos menos complexos e mais próximos da realidade cotidiana no ambulatório, por outro. Apenas 5,7% assinalaram como cenário mais adequado somente o ambulatório e 2,5% assinalaram somente a enfermaria.1

Neste mesmo estudo, o cenário de prática referente aos módulos do sistema digestivo e do sistema cardiovascular foi a enfermaria para 75,2% e 84,7% dos alunos, respectivamente. Já o ensino do sistema respiratório foi ministrado para 36,9% dos alunos no ambulatório, para 47,8% nas enfermarias e para 12,7% dos alunos em ambos os ambientes.1

Portanto, há vantagens e desvantagens do ensino-aprendizagem em cada um desses cenários. É necessária a integração curricular desses cenários de prática para que se proporcione ao corpo discente um método de ensino-aprendizagem mais efetivo para a aquisição de competências e habilidades gerais e específicas.

Como métodos secundários de ensino, o uso de um laboratório de simulação com manequins e multimídia pode facilitar a aprendizagem e ser um estímulo para o desenvolvimento da autonomia do aluno, mas estes artifícios não podem substituir o contato com o paciente real.

Mesmo sistemas de simulação recentemente oferecidos por modernas tecnologias não substituem o homem doente. Podem-se simular fenômenos físicos, mas não a alma humana, os sentimentos, os dramas pessoais.

Ao contrário de países europeus e da América do Norte, onde a aprendizagem destas competências geralmente é feita usando-se um simulador ou atores, o contato direto do estudante com o paciente é possível nos hospitais universitários brasileiros, devendo ser um recurso aproveitado para o aprendizado clínico.37

Desta maneira, o paciente à beira do leito torna-se uma fonte inesgotável de ensinamento e aprendizado, exercitando habilidades fundamentais da Medicina, como o desenvolvimento do raciocínio clínico, a perspicácia na diferenciação de situações que simulam determinada disfunção, a prática da abordagem ao paciente no leito, bem como a destreza de ver, ouvir e sentir um paciente.20

Além disso, é necessário tentar atender às necessidades do ensino centrado no aluno e voltado para o paciente, em uma Semiologia com enfoque no paciente e não na doença. É importante a adoção de um modelo de aprendizado baseado em casos reais, em que a discussão das sessões clínicas ocorra de fato com o paciente à beira do leito, incentivando o contato precoce com o hospital de ensino a partir do primeiro ano da graduação, ou seja, mesmo antes da disciplina de Semiologia.20

Por outro lado, Kira e Martins (1996) defendem o ensino da anamnese principalmente no ambulatório, e não na enfermaria, como tradicionalmente tem sido feito em grande número de escolas médicas.37 Segundo essas autoras, a enfermaria é um local privilegiado para o ensino de técnicas de exame físico, reconhecimento de padrões, demonstração de situações em que o exame físico é alterado.

Mas a história clínica exercitada a partir de pacientes de ambulatório, que apresentam problemas menos complexos, permite que o raciocínio hipotético-dedutivo sem que os pacientes já possuam um diagnóstico definido. No ambiente hospitalar, onde o aluno de Semiologia entra em contato com a atividade médica no nível de atendimento terciário, há uma valorização relativamente maior da anatomo-fisio-patologia, em detrimento de aspectos psicossociais.

Stella et al. (2009) advertem que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) assinalam a necessidade de o processo ensino-aprendizagem se desenvolver nos locais de assistência básica à saúde.38 Os referidos autores lembram que a tendência atual é proporcionar aos estudantes maior experiência nos diferentes níveis de atenção à saúde. Contudo, essa tendência não deixa de lado o ensino em hospitais, pois, como afirmam os referidos autores posteriormente, os estudantes devem ser inseridos em práticas nos três níveis de atenção – primária, secundária e terciária – nos serviços existentes, para vivenciar ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação de saúde.

A transformação faz-se no sentido da saída de um currículo tradicional, de modelo apenas hospitalocêntrico, para uma maior interação com os serviços da rede básica de atenção à saúde. A meta é oferecer uma formação que atenda às recomendações em educação médica contempladas nas DCN para o curso de graduação em Medicina, para que o futuro profissional possa atender as reais necessidades da população brasileira.39

Goulart et al. (2009) lembram, porém, que a presença do estudante nos cenários físicos dos serviços por si só não garante a mudança na formação profissional. Seja na enfermaria ou no ambulatório, o essencial é a participação do paciente na pedagogia médica. Como afirma William Osler (apud Santos et al., 2003): “não seria ensino médico sem o paciente, e o melhor ensino é aquele ensinado pelo próprio paciente”.24

Conclui-se, portanto, que a despeito das mudanças necessárias no sentido da diversificação de cenários de aprendizagem para o ensino de Semiologia Médica, existe um cenário favorável ao aprendizado de estudantes de Semiologia nas enfermarias do HULW para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras.

A educação médica baseada na aquisição de habilidades específicas, incluindo as competências e habilidades em procedimentos diagnósticos e terapêuticos, não pode se desenvolver somente fora do ambiente hospitalar. Por isso, todos os recursos da saúde devem ser postos ao serviço do ensino médico: internações hospitalares, consultas ambulatoriais, blocos cirúrgicos, áreas de urgências e emergências, áreas de atenção primária, e assim por diante.

Não há conflitos de interesse.

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