22 de janeiro de 2011

SEMIO-QUIZ: Paciente ictérica, letárgica e com vesículas nas extremidades

Figura: Vesículas em uma distribuição predominantemente acral. A: dorso da mão; B: tornozelo
A paciente acima, de 44 anos, foi admitida em um hospital universitário após dois dias de febre, calafrios, fotofobia, dor no quadrante superior direito e nas costas e disúria, que evoluíram posteriormente para quadro de alteração do estado de consciência, quando foi hospitalizada. Como antecedentes pessoais patológicos, apresentava apenas história de displasia de colo uterino, que tinha sido tratada por histerectomia.
Ao exame, a paciente apresentava-se letárgica e ictérica, mas com sinais vitais estáveis. Fígado palpável a 4 cm da reborda costal direita. No terceiro dia de internação, passou a apresentar cerca de 10 vesículas discretas, de 3-5 mm de tamanho sobre uma base eritematosa, espalhadas de forma esparsa sobre as superfícies dorsal e palmar de ambas as mãos e nos membros inferiores (Figura). Não havia lesões na mucosa oral ou genital.
Aguarda-se postagem de duas hipóteses diagnósticas para posterior publicação do diagnóstico, exames complementares, evolução e referência.
25/01/2011 - Diagnóstico, Exames Complementares, Evolução e Referência
Diagnóstico
Hepatite aguda viral por pelo vírus Herpes Simples (HVS) tipo 2 + insuficiência hepática fulminante + encefalopatia hepática.
O HSV é uma causa rara de insuficiência hepática fulminante, o que representa apenas 1% de todos os casos, ou 25-50 casos por ano, no Estados Unidos. É ainda mais raro ver esta condição em um paciente imunocompetente. Fatores de risco clássicos para insuficiência hepática fulminante pelo HSV são gravidez e immunosuppressão, condições ausentes no presente caso.
Exames complementares
Os resultados laboratoriais revelaram acentuada elevação das enzimas hepáticas, com aspartato aminotransferase atingindo um máximo de 9.020 U/L e alanina aminotransferase atingindo 4.820 U/L. A paciente apresentava INR (relação internacional normalizada) de 2,4, uma contagem de plaquetas de 68.000/mm3, e creatinina levemente elevada (1,3 mg/dL). Culturas de sangue e urina foram negativas. Paracetamol, uma droga que causa hepatite aguda fulminante, não foi detectado no soro. Os testes para hepatite A, B e C, vírus da imunodeficiência humana, anticorpos antinucleares, anticorpos anti-músculo liso, o anticorpo anti-fígado e teste para gravidez foram negativos. Estudos de ferro e um nível de ceruloplasmina foram normais. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética mostraram ascite e derrame pleural bilateral. A biópsia hepática transjugular foi executada, e biópsia de uma vesícula de pele foram feitas. A biópsia hepática mostrou necrose coagulativa confluente sem inflamação significativa, e numerosos hepatócitos com cromatina borrada e núcleos marginalizados, com inclusões virais. A imunohistoquímica da amostra de fígado foi positiva para o vírus herpes simplex (HSV) tipo 2. A biópsia da pele revelou uma vesícula intra-epidérmica com necrose de queratinócitos, células gigantes multinucleadas, e alterações globais sugestivas de infecção por herpes. Um espécime da biópsia da pele enviados para um teste de anticorpos fluorescentes viral foi positivo para o HSV-2, e uma cultura de tecidos da pele mostrou crescimento de HSV-2. Evolução
Esta paciente, apesar da ausência de fatores de risco identificáveis, apresentou uma manifestação rara e mortal de uma infecção viral comum. Ela foi tratada com aciclovir por via intravenosa, 600 mg 3 vezes ao dia, no início do processo da doença. Seus sintomas e a função hepática melhoraram gradualmente. Após oito dias, a paciente recebeu alta com valaciclovir oral, 1 g, duas vezes ao dia, por 15 dias. Em uma visita de acompanhamento duas semanas depois, a paciente encontrava-se assintomática e os testes de função hepática tinham normalizado.
Os autores do relato do caso clínico sugerem que se deve suspeitar de infecção por HSV disseminada em todo o paciente com insuficiência hepática fulminante de etiologia desconhecida. Um exame cuidadoso da pele deve ser realizado em busca de vesículas e deve ser fortemente considerada a terapêutica empírica com aciclovir até que esta entidade tenha sido excluída.
Referência
KELLER, J.J.; TAVAKKOL, Z.; KALUS, A. Rare and Deadly. The American Journal of Medicine, 124 (1): 32-34, 2011. Disponível em: http://www.amjmed.com/article/S0002-9343(10)00835-1/fulltext . Acesso em: 25 jan 2011.