12 de dezembro de 2011

Metatarsalgias


Por Charles Saraiva Gadelha e Arthur de Sousa Trindade
Estudantes de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Metatarsalgia é a dor mais frequente do pé e refere-se a um quadro álgico na região anterior do pé (antepé), que contém os cinco metatarsos, relacionada a lesões de partes moles, ósseas, articulares e periarticulares. Apresenta-se como dor e calosidade no antepé, podendo ocorrer também tanto deformidade plantar quanto alteração da marcha. A dor caracteristicamente piora durante a deambulação. Seu aparecimento pode estar relacionado com o uso constante e prolongado de sapatos inadequados, portanto é mais comum em mulheres que em homens. Parestesia pode estar presente, sendo indicativo de envolvimento nervoso.

Palavras-chave: Metatarsalgia. Neuralgia. Podiatria.

Metatarsalgia é a dor mais frequente do pé. É definida como dor no antepé ou região metatársica, muitas vezes associada ao aumento do estresse sobre as cabeças dos metatarsos. Diversas afecções de ordem local e sistêmica podem resultar em distúrbios dolorosos do segmento anterior do pé (DURHAN, 2010).

Em 1987, Dr. Ramón Viladot publicou trabalho evidenciando que as metatarsalgias são a causa mais frequente de dor nos pés e que 80% da população normal apresenta, durante a vida, alguma forma de dor ou calosidade no antepé.

Esse é um problema mais prevalente em adultos, sendo rara em crianças, e com predomínio no sexo feminino (8:1), o que pode refletir a utilização de certos tipos de calçados, de salto alto e ponteiras triangulares e estreitas, na origem de um grande número de casos (SILVA, 2009; QUIRK, 1996). Quanto à etiologia, 92% das metatarsalgias são de origem mecânica e 8% são atribuídos às demais afecções. Assim, as metatarsalgias associam-se a deformidades osteoarticulares locais, mas também a doenças metabólicas, neuropatias e algumas doenças auto-imunes (PARDAL-FERNANDEZ; RODRÍGUEZ-VASQUES, 2011).

A classificação das metatarsalgias se baseia na etiologia do problema, contudo não determina conduta ou prognóstico, e pode ser dividida em: mecânicas, responsáveis por 92% das metatarsoalgias (GOULD, 1990), e não-mecânicas. Ainda se pode dividir essas classes em difusas (atinge todo o ante-pé ou uma parte dele, geralmente associada a uma deformidade do pé) ou localizadas, quando a sintomatologia atinge tão especificamente um ponto que pode ser detectada a estrutura anatômica envolvida.

As metatarsalgias podem ser difusas, quando acometem todo o antepé ou uma parte dele, não podendo ser atribuídas a uma determinada estrutura isoladamente; ou localizadas, quando a sintomatologia atinge uma área tão específica que pode ser detectada a estrutura anatômica envolvida.

Dentre os cinco metatarsos, o segundo é o mais suceptível à lesão de origem mecânica, por ser o responsável pela sustentação da maior carga de peso direcionada ao antepé (TACHDJLAN; CHIMELLO, 2001).

A principal queixa clínica do quadro de metattarsoalgias é a dor. Suas características (tipo, intensidade, periodicidade, localização e irradiação) dependem do agente etiológico, mas de forma geral, relacionam-se diretamente com a marcha ou ortostase prolongada. Nos quadros iniciais, a dor costuma ser leve, pouco incapacitante e melhora com o repouso. Com a progressão e a estruturação das deformidades, a dor torna-se intensa, constante e altamente incapacitante.

O segundo achado de exame mais constante é a hiperceratose nas regiões onde se observa a descarga anômala das pressões, em geral indicando as estruturas anatômicas relacionadas(DOCKERY, 2000).

O exame clínico deve objetivar encontrar todas as deformidades, além de mensurar o grau de redutibilidade das mesmas, pois isso influencia a escolha do tratamento mais adequado. Assim, o examinador deve seguir uma sistemática rigorosa, fazendo avaliação estática e dinâmica dos pés. A marcha deve ser avaliada com e sem os calçados mais utilizados. A própria avaliação dos calçados também fornece informações acerca do desenvolvimento do passo e de desvios do retropé, do antepé e dos dedos (HEBERT, 2009).

Além disso, a observação cuidadosa do tegumento, dos fâneros e do estado circulatório e neurológico dos membros inferiores é fundamental, especialmente em grupos de risco, como neuropatas e vasculopatas. A anotação criteriosa desses achados pode estabelecer um padrão para a evolução do quadro e auxilia no estabelecimento do grau de risco de ulcerações e artropatias (CHAMLIAN, 2001).

O diagnóstico dessa entidade é clínico, mas dois exames podem auxiliar na sua confirmação: a podoscopia, que visualiza a pegada plantar refletida num espelho e identifica áreas de maior pressão e consegue identificar as áreas de maior pressão mesmo antes do aparecimento das hiperceratose, e a baropodometria, que permite o registro gráfico da morfologia e da pressão suportada pela planta do pé, em ortostatismo e durante a marcha. Esses são associados à radiografia ou à ressonância magnética para obter um diagnóstico relativamente preciso.

As metatarsalgias mecânicas podem ser decorrentes de patologias que envolvam o pé como um todo (pé equino, antepé triangular, convexo ou cavo) ou de outras que envolvam apenas o antepé (deformidades congênitas do antepé, trauma, artrose, neuropatias periféricas ou uso abusivo). Quanto às causas não mecânicas, tanto enfermidades locais como infecções e tumores como o neuroma interdigital ou neuroma de Morton; quanto enfermidades sistêmicas como vasculopatias, artrites, doenças metabólicas e doenças neuromusculares podem ser responsáveis pela metatarsalgia (NERY, 2008).

Em condições estáticas o peso do corpo se distribui predominantemente para o calcanhar (60%). O antepé recebe 32% da carga, dos quais 28% situam-se sob as cabeças dos metatársicos e 4% nos dedos. Já a carga distribuída no antepé durante a marcha, concentra-se nos três metatarsos centrais, predominando no II. A participação do I e do III são semelhantes e bastante superiores às do IV e V metatarsos (DURHAN, 2010).

A principal queixa clínica do quadro de metatarsalgias é a dor, sendo suas características dependentes do agente etiológico, mas de forma geral, piora com a marcha, principalmente nas fases de apoio médio e de propulsão, ou com a ortostase prolongada (DURHAN, 2010). Nos quadros iniciais, a dor é geralmente leve, pouco incapacitante e melhora com o repouso. Com a progressão das deformidades, torna-se intensa, constante e altamente incapacitante (NERY, 2008).

Um neuroma interdigital (neuroma de Morton) produz sintomas de metatarsalgia devido à irritação e inflamação do nervo digital entre as cabeças metatarsais. Pacientes com neuroma de Morton pode reclamar de dormência dos pés além de dor no antepé (BARBOSA, 2005).

O achado de exame físico mais frequente é a presença de hiperceratose nas regiões onde se observa a distribuição anômala das pressões, geralmente indicando as estruturas anatômicas relacionadas. Mesmo antes da hiperceratose, muitas vezes é possível visualizar áreas de palidez por isquemia secundária à carga (NERY, 2008).

Em pacientes com neuromas interdigital, a dor geralmente é agravada pela compressão lateral do metatarso ou do espaço entre as cabeças metatarsais, produzindo um “clique” doloroso, conhecido como sinal de Mulder (BARBOSA, 2005).

O exame clínico, além de objetivar a detecção de todas as deformidades associadas ao quadro, deve tentar estabelecer seu grau de redutibilidade, fator determinante da escolha do tratamento adequado.

Segundo Durham (2010), uma importante complicação das metatarsalgias é a osteonecrose avascular de Freiberg, que pode ocorrer a partir de uma etiologia congênita, traumática ou vascular. Uma lesão atlética é improvável que seja a única causa de necrose avascular, no entanto, o estresse mecânico em esportes de alto impacto pode precipitar uma predisposição anterior a essa condição. A progressão da lesão ligamentar por atrito pode resultar em instabilidade articular e luxação do dedo do pé. A perda de flexibilidade pode levar a rigidez crônica e perda de amplitude de movimento.

Referências
BARBOSA, G. G. et al. Estudo retrospectivo do tratamento cirúrgico do neuroma de Morton por via plantar. Acta Ortop Bras 13(5): 258-260, 2005.
CHAMLIAN, T.R. et al. Avaliação podobarométrica nas amputações do médio e antepé. Acta Fisiátrica. 8(3): 120-129, 2001.
DOCKERY, G.L. Evaluation and treatment of metatarsalgia and keratotic disorders. In: MYERSON, M. S. Foot and ankle disorders. Philadelphia: W.B. Saunders, 2000.
DURHAM, B. A. et al. Metatarsalgia. Medscape. 2010. Disponível em: http://emedicine.medscape.com/article/85864-overview. Acesso em: 18 jun 2011.
GOULD, J.S. Metatarsalgia. Clin Ortop Am. 20: 555-564, 1990.
NERY, C. Metatarsalgias. Portal Unifesp. 2008. Disponível em: www.unifesp.br/dortoped/pe/ Acesso em: 18 jun 2011.
HEIBERT, S. Ortopedia e Traumatologia: Princípios e Prática. São Paulo: Artmed, 2009.
PARDAL-FERNÁNDEZ, J. G.; RODRÍGUEZ-VASQUEZ, M. Metatarsalgias y neuropatías del pie: Diagnóstico diferencial. Rev Neurología, 52 (1): 37-44, 2011
QUIRK, R. Metatarsalgia. Aust Fam Physician. 25 (6): 867-9, 1996.
SILVA, C.; OLIVEIRA, J. P.; LUIS, F. Metatarsoalgias: Revisão Bibliográfica. HDSInForum. 26: 1-4, 2009.
TACHDJLAN, M.O. E CHIMELLO, E. Ortopedia Pediátrica: Diagnóstico e Tratamento.  Rio de Janeiro: REVINTER, 2001.

Imagem ilustrativa: Figura adaptada de pelight.com.br