14 de janeiro de 2012

Morte Súbita

Por Charles Saraiva Gadelha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Morte súbita é o óbito que ocorre até uma hora após o início de sintomas iniciais de colapso cardiocirculatório. A maioria dos casos ocorre segundos após os pródromos, mas pode acontecer sem nenhum sintoma inicial. O principal mecanismo de produção do quadro fatal é o arritmogênico, principalmente a fibrilação ventricular. Na maioria dos casos, há uma cardiopatia estrutural de base, e representa o mais importante fator de risco a presença de uma baixa fração de ejeção sistólica. A principal condição associada à morte súbita no adulto jovem é cardiomiopatia hipertrófica, já no paciente idoso, a principal causa é a doença arterial coronariana. Episódios de síncope, palpitações e história familiar de síncope e morte súbita são os principais preditores de risco de morte súbito identificados na anamnese do paciente.

Palavras-Chave: Morte Súbita. Parada Cardíaca. Arritmias Cardíacas.

A definição clínico-epidemiológica de morte súbita é o óbito que acontece dentro de, no máximo, uma hora após o início de sintomas pré-terminais. Na prática, a maioria dos casos de morte súbita ocorre segundos após os sintomas iniciais, mas pode também acontecer sem que tenha havido nenhum sintoma prodrômico relatado. Outro importante conceito nesse contexto é o de "morte súbita abortada", que corresponde à parada cardíaca súbita (até uma hora a partir do início dos sintomas) que foi revertida com sucesso (MYEBERG, 2010).

O mecanismo eletrofisiológico mais comum da morte súbita é a taquiarritmia, como fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) (WINSLOW et al., 2005). Contudo, existem múltiplos mecanismos envolvendo o coração como um todo (por exemplo, o desequilíbrio de tônus autonômico), o tecido (por exemplo, a reentrada, bloqueios e alternância de duração de potenciais de ação), a celular (automaticidade) e o nível subcelular (ativação ou desativação anormal dos canais iônicos) envolvidos na geração de TV ou FV em diferentes condições (WINSLOW et al., 2005). Outros mecanismos, tais como anormalidades de condução e colisões físicas no miocárdio durante sua repolarização (comotio cordis) estão envolvidos na geração de FV e de TV (MARON et al., 2002).

Aproximadamente 20-30% dos pacientes com eventos de morte súbita documentadas apresentam bradiarritmia ou assistolia no momento do contato clínico inicial. Muitas vezes, é difícil determinar com certeza o evento inicial em um paciente que apresenta uma bradiarritmia, porque a assistolia e a atividade elétrica sem pulso (AESP) pode resultar de uma TV sustentada. Menos comumente, uma bradiarritmia inicial pode produzir isquemia miocárdica e, então, gerar TV ou FV, com subsequente morte súbita (MEHRA, 2007).

A maioria dos casos de morte súbita cardíaca ocorre em pacientes com anormalidades estruturais do coração. A remodelação miocárdica após um infarto do miocárdio é a anormalidade estrutural mais comum em pacientes vítimas de morte súbita cardíaca (EZEKOWITZ, 2007).

Cardiomiopatia hipertrófica e cardiomiopatia dilatada são cardiopatias associadas a um risco aumentado de morte súbita, sendo a primeira a principal causa de morte súbita em adultos jovens, com menos de 30 anos. Várias doenças valvares, como estenose aórtica, também estão associadas com risco aumentado de morte súbita. Doenças agudas, como a miocardite, podem apresentar tanto risco inicial como sustentado de morte súbita devido à inflamação e à fibrose miocárdica (PIMENTA, 2004).

Contudo, embora menos comumente, a morte súbita pode acontecer também em pacientes que não apresentam doença cardíaca estrutural aparente. Estes casos geralmente estão relacionados com síndromes arritmogênicas, como a síndrome de Bragada, uma canalopatia miocárdica de natureza genética (MYERBERG, 2010).

A morte súbita é responsável por aproximadamente 325.000 mortes por ano nos Estados Unidos; mais mortes são atribuíveis à morte súbita do que ao câncer de pulmão, ao câncer de mama ou à Aids. Isso representa uma incidência de 0,1-0,2% por ano na população adulta. É mais comum nos homens que nas mulheres, numa proporção de 3:1. A incidência é paralela à de doença arterial coronariana. Este quadro fatal  pode ser, muitas vezes, a primeira expressão de doença arterial coronariana (MEHRA, 2007).

A obtenção de uma história completa do paciente, de familiares ou de outras testemunhas é necessário para entender os acontecimentos que envolveram a morte súbita. Pacientes com risco de morte súbita podem ter pródromos de dor no peito, fadiga, palpitações, e outras queixas inespecíficas. História e sintomas associados, até certo ponto, dependem da etiologia subjacente da morte súbita. Por exemplo, a morte súbita em um paciente idoso com doença arterial coronariana significativa, pode estar associada com dor torácica devido a um infarto do miocárdio, enquanto em um paciente jovem pode estar associado com história de episódios de síncope antes e/ou história familiar de síncope e morte súbita devido a síndromes arritmogênicas hereditárias.

Podem evoluir para morte súbita os pacientes com síndrome de Stokes-Adams, um quadro que consiste em síncope, ocasionalmente cursando também com convulsões, e decorrente de uma arritmia cardíaca grave,  com bloqueio atrio-ventricular (BAV) completo, ou de terceiro grau. Antes de ocorrer o episódio de síncope, o paciente pode se tornar pálido e bradicárdico. O período de inconsciência dura geralmente 30 segundos. Imediatamente após o bloqueio da condução AV, os ventrículos páram de se contrair por cinco a dez segundos. Subsequentemente, uma parte do sistema de Purkinje dispara ritmicamente em uma frequência de 15 a 40 vezes por minuto, atuando como um marcapasso ventricular (escape ventricular). Como o cérebro não pode permanecer ativo por mais de quatro segundos sem  suprimento sanguíneo, os pacientes apresentam o episódio de desmaio entre o bloqueio da condução e o “escape” dos ventrículos. Pode ocorrer morte súbita.

No Brasil, a síndrome de Stokes-Adams ocorre frequentemente em pacientes com miocardiopatia de Chagas, na sua forma clínica mais frequente, que é a de arritmia. Assim, merece referência especial nesta forma clínica a alta prevalência de morte súbita, sendo a taquiarritmia ventricular o mecanismo fisiopatológico mais importante.

Estima-se que 45% das pessoas que foram vítimas de morte súbita foram vistos por um médico dentro de quatro semanas antes da morte, embora 75% das queixas que as levaram ao médico não tenham sido relacionadas ao sistema cardiovascular (EZEKOWITZ, 2007).

Em relação aos fatores de risco, os mais importantes a doença arterial coronariana, infarto do miocárdio e miocardiopatia isquêmica subsequentes, história familiar de doença arterial coronariana prematura, tabagismo, dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes mellitus,  obesidade e sedentarismo (MEHRA, 2007). A história prévia de disfunção ventricular esquerdae VE (fração de ejeção menor que 30-35%) é o fator de risco mais importante relacionado à morte súbita (EZEKOWITZ, 2007).

Condições associadas mais específicas incluem cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia hipertrófica, valvopatias, síndrome do QT longo, síndrome de Wolff-Parkinson-White, síndrome de Brugada e displasia arritmogênica de ventrículo direito. O exame físico pode revelar sinais de doença miocárdica subjacente ou pode ser inteiramente normal, dependendo da causa subjacente (MYERBURG, 2010). Também a distrofia muscular miotônica (doença de Steinert) é uma doença neuromuscular em que o acometimento cardíaco caracteriza-se por alterações a nível do sistema excito-condutor, em que o comprometimento do sistema excito-condutor pode acarretar episódios de bloqueios de Stokes-Adams e morte súbita por dissociação AV (MORAES, 1995).

A morte encefálica começa a ocorrer em apenas seis minutos depois do início de uma parada cardíaca. A parada cardíaca em FV ou TV é reversível na maior parte das vítimas se for tratada dentro de alguns minutos com um choque elétrico (cardioversão ou desfibrilação) ao coração para restaurar um ritmo normal. Sobreviventes de parada cardíaca deve ter todas as causas corrigidas para evitar futuros episódios (PRIORI et al., 2001).

Referências
EZEKOVITZ, J. A. et al. Systematic review: implantable cardioverter defibrillators for adults with left ventricular systolic dysfunction. Ann Intern Med. 147(4): 251-62, 2007.
MARON, B. J. et al. Clinical profile and spectrum of commotio cordis. JAMA 287(9):1142-6, 2002.
MEHRA, R. Global public health problem of sudden cardiac death. Journal of Electrocardiology. 40(6 Suppl):S118-22, 2007. 
MORAES, C. R. Anormalidades eletrocardiográfica na doença de Steinert. An Fac Med Univ Fed Pernamb, 40(1): 23-7, 1995
MYERBURG, R. J.; CASTELHANOS, A. Parada Cardíaca e Morte Súbita Cardíaca. In: Braunwald: Tratado de doenças cardiovasculares. 8ª ed. Philadelphia: WB Saunders Co., p. 933-974, 2010.
PIMENTA, J. V. N. Identificação dos Pacientes sob Risco de Morte Súbita - Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo; 14(2):239-249, 2004.
PRIORI, S. G. et al. Task Force on Sudden Cardiac Death of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 22c(16): 1374-450, 2001.
WINSLOW, R. D.; MEHTA, D.; FUSTER, V. Sudden cardiac death: mechanisms, therapies and challenges. Nat Clin Pract Cardiovasc Med. 2 (7): 352-60, 2005.

Fonte: hospitalnazareth.com/Sudden-Cardiac-Death.htm