23 de abril de 2012

A Clínica é Soberana para o Médico Moderno?

A Clínica é Soberana para o Médico Moderno?
A clínica é soberana sobretudo no ato do médico de prestar real atenção ao que o doente narra.
Texto do GESME publicado na Revista "Cooperando", da Unimed/Natal, RN. Ano X, n. 117, Jan/Fev/Mar 2012, seção Artigo Médico.

 “A clínica é soberana” é uma antiga máxima repetida em todas as escolas médicas. Para começar este texto, esta expressão um pouco desgastada será substituida por um questionamento mais concreto: a arte do ouvir o paciente ainda é valorizada pelo médico moderno?
O adoecimento é um fenômeno integral que reflete a biografia do indivíduo. Um conjunto de reações do doente faz com que a mesma úlcera gástrica seja uma afecção distinta entre dois pacientes diferentes. Esta singularidade surge e se concretiza no próprio ato de narrar.
Para perceber isso, é necessário seguir o fio da narrativa de cada pessoa, buscar sentido em sua linguagem, compreender o significado dos seus relatos e considerar a doença pela perspectiva do doente. Ele pode se sentir doente, mas sua enfermidade não ser evidenciada de forma objetiva. Assim, os métodos de exame complementar, reputados como objetivos, esgotam-se rapidamente, caso não sejam fundamentados e interpretados mediane um conhecimento subjetivo do estado do paciente.
O que seria exatamente a tão propalada “arte de ouvir o paciente”? Ouvir faz parte do ato de comunicação entre médico e paciente. Isso significa prestar atenção de forma plena, sem preconceitos, à narrativa deste. A maioria de nós, médicos, não está mais muito preocupada em ouvir o paciente, e sim em falar. Esse aspecto é fundamental porque “será o paciente quem dirá o seu diagnóstico”, ou seja, é atitude de escuta e atenção do médico que determinará as possibilidades de expressão do seu paciente.
É justamente nesta tarefa de se constituir um ouvinte interessado que reside o maior obstáculo para se obter uma história clínica significativa. Contudo, atualmente diminuiu o número de horas dedicado ao paciente. Defrontado com a falta de tempo para o atendimento de filas, cada vez maiores nos ambulatórios, o médico, especialmente aquele assalariado em serviços públicos, não tem mais tempo para ouvir, ou simplesmente não querem mais ouvir o seu paciente. Essa redução do tempo dedicado à clínica tem sido considerada uma das principais causas da perda de qualidade do trabalho médico e de insucesso na interação médico-paciente.
A anamnese inexpressiva, cada vez mais restrita e superficial, resulta na incapacidade de se alcançar o diagnóstico clínico do paciente. Restará, então, ao médico, aturdido, mas encantado pelos avanços da tecnologia, recorrer excessivamente aos exames laboratoriais e de imagem como melhor recurso para descobrir o problema do seu paciente.
Mas, não é a técnica, e sim a arte médica que permanecerá perene, como se afirma no aforisma latino “a arte é eterna, a vida é breve”. O método clínico caracteriza-se pela sua incomparável possibilidade em proporcionar ao médico a habilidade de ver o paciente como um todo, e por isso possui uma grande sensibilidade. Embora os exames complementares adquiram especificidade cada vez maior, a técnica jamais predominará sobre a arte: exames complementares de nada adiantarão se não houver a apropriada correlação com a clínica do paciente.
Portanto, aqueles que ainda consideram que a máxima “a clínica é soberana” é apenas um chavão podem se enquadrar no grupo cada vez maior de “médicos modernos”, que contribuem para a desvalorização da profissão médica e do próprio paciente.