30 de maio de 2012

Síndrome Isquêmica Crônica dos Membros Inferiores

Por Artur Bastos Rocha
Estudante da Graduação em Medicina da UFPB


Resumo
A síndrome isquêmica crônica de membros inferiores é um reflexo da doença oclusiva arteriosclerótica periférica, que dentre vários sítios de acometimento, afeta sobretudo a irrigação dos membros inferiores. Caracteriza-se por evolução insidiosa e sua manifestação clínica mais comum é a claudicação intermitente, traduzida clinicamente por dor ou sensação de aperto nos músculos da panturrilha durante a realização de exercícios físicos, cessando ou melhorando com o repouso. Úlceras de membros inferiores também podem ser observadas na doença arterial periférica crônica em percentual que varia de 5 a 10% dos casos das úlceras de perna. Podem ainda ser observadas palidez, hipotermia, cianose e áreas necróticas no membro comprometido nos casos mais graves. O diagnóstico é essencialmente clínico. A parte mais importante do exame físico para confirmação da doença arterial periférica é a palpação de pulsos periféricos. 

Palavras-Chave: Aterosclerose. Claudicação Intermitente. Isquemia.

A síndrome isquêmica crônica dos membros inferiores é a tradução clínica das doenças arteriais oclusivas periféricas, as quais apresentam como principal etiologia a aterosclerose. Sua prevalência na população geral é subestimada, pois uma elevada parcela significativa dos pacientes permanece assintomática nos estágios iniciais da doença. 
A isquemia de membro é qualquer decréscimo agudo ou piora da sua perfusão sanguínea,  que se apresenta como um conjunto de sinais e sintomas decorrentes da insuficiência arterial aos tecidos do segmento comprometido com risco de perda de partes ou de todo membro, se o tratamento não for eficiente (PITTA et al., 2003; BAPTISTA-SILVA; BURIHAN 1999). Mais de 90% dessas condições isquêmicas podem ser diagnosticadas clinicamente. Ao final do exame clínico, pode-se chegar a um diagnóstico anatômico e funcional e ao grau de acometimento. Segundo Baptista-Silva e Moraes-Souza (2010), "existem poucas áreas da Medicina nas quais as condições encontradas levam sozinhas tão rapidamente ao diagnóstico somente com base na história e no cuidadoso exame clínico, como acontece na doença vascular".
A síndrome isquêmica crônica de membros inferiores é definida, conforme o Segundo Consenso Europeu de Isquemia Crítica Crônica de Membros Inferiores (SECOND EUROPEAN CONSENSUS..., 1991) como o quadro de dor em repouso, persistente, requerendo analgésicos regulares por mais de duas semanas, ou ulceração ou gangrena no pé, e a pressão arterial sistólica máxima em nível do tornozelo e dos pododáctilos menor que 50 e 30 mmHg, respectivamente. Esta definição não tem ganho aceitação universal. A dor em repouso indica isquemia crítica.
Assim, a manifestação clínica mais comum e indicativa de síndrome isquêmica crônica de membros inferiores não é a dor persistente e em repouso, mas a claudicação intermitente, traduzida clinicamente por dor em forma de câimbras ou aperto dos músculos da panturrilha, durante a realização de exercícios físicos, cessando ou melhorando a sintomatologia dolorosa com o repouso. Com a evolução do quadro obstrutivo, as manifestações dolorosas se tornam mais frequentes e o tempo de recuperação gradativamente maior. Finalmente, a dor pode se manifestar no repouso, ser muito intensa e afetar os pododáctilos e o pé, principalmente à noite, quando o membro comprometido repousa em posição horizontal e há queda da temperatura ambiente, por mudanças climáticas. Podem ainda ser observados palidez, hipotermia, cianose e áreas necróticas no membro comprometido, nos casos mais graves (ALVES et al., 2003). Estas últimas alterações constituem o quadro sindrômico na isquemia crônica dos membros inferiores, pela insuficiência arterial no leito arteríolo-capilar, distorcendo a hemodinâmica e o metabolismo tecidual muscular.
A aterosclerose, de modo geral, acomete principalmente artérias de grande e médio calibres e, em se tratando de membros inferiores, o sítio mais comum de acometimento oclusivo são as artérias em porção infra-inguinal, com prevalência de 75% nessa topografia, podendo ocasionar variados graus de insuficiência arterial, desde isquemia muscular ao esforço (claudicação intermitente) até dor em repouso (isquemia crítica), com ou sem aparecimento de lesões tróficas (úlceras ou gangrenas). A dor tipo claudicação intermitente, em aperto ou em forma de câimbra, ocorre, com maior frequência, na musculatura posterior da perna, tanto nas obstruções do segmento arterial fêmoro-poplíteo como do eixo aorto‑ilíaco, e, nessa última eventualidade, a manifestação dolorosa pode acometer, também, a musculatura glútea e/ou a musculatura da coxa, adquirindo, então, um caráter de "cansaço" muscular (NEVES, 2010).
Úlceras de membros inferiores ocorrem em um percentual que varia de 5 a 10% dos casos das úlceras de perna (FRADE et al., 2005). Pacientes diabéticos ou com insuficiência renal são mais suscetíveis ao aparecimento de úlceras isquêmicas nos pés. Pequenos traumas no antepé levam à formação de úlcera e ruptura cutânea que, com a diminuição da perfusão tecidual, é incapaz de cicatrizar. O simples atrito entre os dedos isquêmicos adjacentes pode resultar em lesões chamadas de "úlceras se beijando" (HINCHLIFFE et al., 2012). 
Esta claudicação intermitente entra no diagnóstico diferencial da pseudo-claudicação, que ocorre em estenoses de canal lombar e compressões radiculo-medulares, onde não há associação específica com o esforço físico e o quadro álgico, diferente da claudicação vascular típica, onde a dor surge em associação ao esforço físico, sendo de conhecimento do paciente que após determinado movimento de uso exaustivo da musculatura ocorrerá o surgimento daquele quadro álgico, que tende a melhorar após o repouso (BARBOSA; DALE, 2008). 
Contudo, é importante compreender que ocorre frequentemente subdiagnóstico desta síndrome, em virtude da demora do surgimento de sinais e sintomas clínicos que evidenciam sofrimento vascular, devido ao fato da musculatura esquelética possuir uma tolerância relativamente elevada a eventos isquêmicos, devidos a sua baixa taxa metabólica em repouso, seu grande armazenamento de glicogênio e creatina e sua habilidade em manter as funções celulares básicas, na vigência da isquemia, através da glicólise anaeróbica (ALVES et al., 2003). O quadro clínico está intimamente associado à magnitude das alterações metabólicas no tecido muscular, a qual dependerá da evolução temporal do aparecimento da oclusão e da presença de circulação colateral, desenvolvida pelo organismo na tentativa de assegurar o aporte sanguíneo adequado ao membro afetado. 
Como mencionado inicialmente, a principal patogenia da isquemia crônica dos membros inferiores é a doença aterosclerótica, motivo pelo qual esta síndrome possui elevada morbi-mortalidade por ser um reflexo da doença aterosclerótica generalizada, em que a obstrução arterial promove outros quadros patológicos de pior prognóstico concomitantemente, com episódios de infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico isquêmico. 
A prevalência de isquemia dos membros inferiores é estimada em 2.000 casos por 100 mil habitantes, e aproximadamente 5% irão necessitar de intervenção vascular, dependendo da raça e das variações regionais (BAPTISTA-SILVA; BURIHAN, 1999). Estima‑se que a prevalência da arteriopatia obstrutiva crônica periférica seja inferior a 2% para homens com menos de 50 anos, aumentando para mais de 5% naqueles com mais de 70 anos. Esta condição apresenta um impacto social importante devido aos custos elevados relacionados à internação, perda da capacidade de trabalho e consequente piora da qualidade de vida dos pacientes acometidos. 
Os clássicos fatores de risco para aterosclerose também estão implicados nas arteriopatias obstrutivas crônicas dos membros inferiores, porém sua ordem de importância é diferente da doença coronariana ou carotídea. O tabagismo constitui o principal fator predisponente na doença arterial periférica além da hipertensão arterial e o diabetes melitus, sendo este último foi de maior risco em mulheres do que em homens (NEVES, 2010). 
O diagnóstico é essencialmente clínico, e a claudicação intermitente é patognomônica dessa condição (BARBOSA; DALE, 2008). A parte mais importante do exame físico para confirmação da doença arterial periférica é a palpação de pulsos periféricos. Devem ser palpados os pulsos das artérias femorais, poplíteos, tibial posterior e pediosa. É importante ressaltar que em até 12% das vezes o pulso pedioso não é palpável (KRZESINSKI, 2005). 
Na prática clínica diária, a palpação de pulsos periféricos é a chave para o diagnóstico, pois exclui a doença arterial com alto grau de certeza e identifica o grupo que necessitará da avaliação não-invasiva. O próximo importante passo do exame físico é a medição das pressões de tornozelo, com cálculo do Índice Tornozelo-Braquial (ITB). Este é a relação entre a pressão arterial sistólica dos tornozelos e a pressão arterial sistólica dos braços, medidas com o auxílio do esfigmomanômetro e do doppler vascular (MAKDISSE et al., 2007). Trata-se de um exame simples, útil e custo-efetivo. Em condições normais, a pressão sistólica dos membros inferiores é igual ou ligeiramente superior à dos membros superiores. Na presença de obstruções arteriais em membros inferiores capazes de provocar redução na pressão nos leitos distais à lesão, há queda na pressão sistólica dos tornozelos e, consequentemente, redução dos valores do ITB (DIETER et al., 2003). 
Outros métodos complementares que podem ser utilizados são a ultra‑sonografia duplex (mapeamento duplex ou duplex‑scanning) e a arteriografia, um exame invasivo para nos fornecer dados anatômicos e fisiológicos da árvore arterial. 
Portanto, que a síndrome isquêmica crônica é um importante capítulo nas doenças oclusivas artérias periféricas, cuja principal causa é aterosclerose que surge por mecanismos multifatoriais, e que deve ser sempre o alvo da correção, pois consiste na doença de base para gênese da oclusão arterial periférica, e especificamente nesse caso das artérias abaixo do ligamento inguinal responsáveis pela irrigação dos membros inferiores. O exame clínico tem um papel fundamental no diagnóstico dessa condição.

Referências
ALVES, W. .; GUIMARAES, S. B.; VASCONCELOS, P. R.  et al.  Repercussões da L-alanil-glutamina sobre as concentrações de lactato e lactato desidrogenase (LDH) em pacientes com isquemia crítica dos membros inferiores submetidos a revascularização distal. Acta Cir. Bras. 8 (3): 0-0, 2003.
BAPTISTA-SILVA, J. C.; MORAES-SOUZA, M. R. Propedêutica Vascular. 2010.  Disponível em: http://endovasc.med.br/wp/wp-content/uploads/2012/03/propedeutica-vascular.pdf. Acesso em: 30 mai. 2012.
BAPTISTA-SILVA, J. C. C.; BURIHAN, E. Diagnóstico clínico da isquemia crítica dos membros. Rev. bras. clín. ter, 25(2): 71-9, 1999.
BARBOSA, E.C.; DALLE, R. D. M. Benefícios do condicionamento físico como tratamento da claudicação intermitente. Acta Fisiatr, 15 (3): 192 – 194, 2008.
DIETER, R. S. et al. Lower extremity peripheral arterial disease in hospitalized patients with coronary artery disease. Vasc Med, 8(4): 233-6, 2003.
FRADE, M. A.; CURSI, I. B.; ANDRADE, F. F. et al. Úlcera de perna: um estudo de casos em Juiz de Fora-MG (Brasil) e região. An. Bras. Dermatol., 80 (1): 41-46, 2005. 
HINCHLIFFE, R. J.; ANDROS, G.; APELQVIST, J. A systematic review of the effectiveness of revascularization of the ulcerated foot in patients with diabetes and peripheral arterial disease. Diabetes Metab Res Rev, 28 Suppl 1:179-217, 2012.
MAKDISSE, M. et al. Escore para rastrear idosos (75 anos) de alto risco para doença arterial periférica. Arq. Bras. Cardiol. 88 (6): 630-636, 2007.
KRZESINSKI, J.M. Management of high blood pressure in peripheral arterial disease. Acta Chir Belg, 105(6):560-6, 2005.
NEVES, C. R. B. Obstrução Arterial Crônica de Membros Inferiores. 2010. Disponível em: http://celsoneves.sites.uol.com.br/obstrucaoarterialmembros.html. Acesso em: 30 mai. 2012.
PITTA, G. B. B.; CASTRO, A. A.; BURIHAN, E. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado. Maceió: UNCISAL/ECMAL & LAVA; 2003. Disponível em: http://www.lava.med.br/livro. Acesso em: 30 mai. 2012.
SECOND EUROPEAN CONSENSUS DOCUMENT ON CHRONIC CRITICAL LEG ISCHEMIA. Circulation, 84 (4 Suppl): IV1-26, 1991.