2 de julho de 2012

Semiologia da Insônia


Por Joyce Freire Gonçalves de Melo
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A insônia é um sintoma muito prevalente na população. Pode ocorrer isoladamente ou acompanhar uma doença. Tanto pode ser um sintoma quanto transtorno do sono (doença); neste último caso, a insônia é o transtorno do sono mais frequente na população geral. O diagnóstico do transtorno (insônia primária e crônica) baseia-se na presença de quatro diferentes sintomas: dificuldade para iniciar o sono (insônia inicial), dificuldade em manter o sono (insônia intermediária), despertar muito cedo (insônia terminal), e do sono não reparador. A insônia pode ser secundária a vários transtornos psiquiátricos, principalmente ao transtorno depressivo. Apesar da alta prevalência e de seu impacto social e pessoal negativo, a insônia continua sem o devido reconhecimento tanto pela população em geral como pelos profissionais de saúde, ficando, desta forma, privada de um manejo adequado. 

Palavras-chave: Distúrbios do Início e da Manutenção do Sono. Sono. Anamnese.

A insônia é um sintoma que pode ocorrer isoladamente ou acompanhar uma doença. A insônia é um sintoma e também pode ser um dos tipos dos transtornos do sono; neste caso, é transtorno do sono mais frequente na população em geral. A última revisão da Classificação Internacional dos transtornos do sono realizada em 2005, passou a não mais utilizar o termo dissonia, no qual a insônia estava classificada e esta, passou a ser uma das oito categorias diagnósticas (MINHOTO, 2010).
A insônia é uma condição muito prevalente. A prevalência da insônia nos estudos epidemiológicos com questionário de autopreenchimento varia de 10% a 40% (SOCIEDADE BRASILEIRA DO SONO, 2003). Poucas pessoas procuram aconselhamento profissional para essa condição, quando não é um problema crônico. Enquanto que sofrem de insônia poucos procuram consultas profissionais, muitas pessoas iniciam tratamentos de auto-ajuda, particularmente quando deficiências, como a fadiga durante o dia se tornam mais visíveis (MORIN et al., 2006).
O diagnóstico de insônia baseia-se na presença de quatro diferentes sintomas: dificuldade para iniciar o sono (insônia inicial), dificuldade em manter o sono (insônia intermediária), despertar muito cedo (insônia terminal), e do sono não reparador. O “sono não reparador” refere-se à experiência subjetiva do sono como insuficientemente repousante, muitas vezes apesar da aparência de sono normal, conforme tradicionalmente avaliados parâmetros objetivos. Isso levou os pesquisadores a buscar alternativas de marcadores fisiológicos do sono não reparador, embora grande parte desta pesquisa permanece controversa e inconclusiva (WILKINSON; SHAPIRO, 2012). O sono não reparador é aquele insuficiente para manter uma boa qualidade de alerta e bem-estar físico e mental durante o dia, com o consequente comprometimento do desempenho nas atividades diurnas (POYARES et al., 2003).
Quando um transtorno crônico, a insônia representa um problema de saúde pública devido ao impacto negativo à saúde física e mental, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (ROBAINA et al., 2009). Estima-se que menos de 15% dos pacientes com insônia grave passam pelos cuidados de um profissional da saúde (EDINGER; MEANS, 2005).
A insônia deve ser clinicamente diagnosticada através de uma anamnese detalhada, englobando a história do sono e a história médica, psiquiátrica e de uso de substâncias psicoativas. A finalidade é de estabelecer o tipo e a evolução da insônia, identificar fatores predisponentes, comorbidades e a correlação da insônia com o uso de substâncias e condições psiquiátricas (SCHUTTE-RODIN et al., 2008). A insônia pode ser secundária a vários transtornos psiquiátricos, principalmente ao transtorno depressivo.
 Considerar também a história e a queixa do paciente, além de características pré-mórbidas, cronologia do problema, fatores que aliviam ou que pioram e a resposta a tratamentos prévios. O paciente deve ser avaliado em uma perspectiva de 24 horas, incluindo comportamentos, condições e fatores ambientais, como também a regularidade de horas de sono ao longo de vários dias. É importante também avaliar as atividades diurnas, incluindo a atividade física, o horário de trabalho e a presença de sonolência diurna (MINHOTO, 2010).  A história do sono deve enfocar as queixas específicas da insônia, condição pré-sono (ambiente de dormir, temperatura, uso de cigarro, atividade física), padrões do ciclo sono-vigília, outros sintomas relacionados ao sono (cefaléia, refluxo gastroesofágico, tosse, ronco) e as consequências diurnas dessa enfermidade (alteração do humor, sonolência diurna, dificuldade de concentração). 
Pacientes com insônia podem queixar-se de dificuldade para adormecer, despertares frequentes, dificuldade em voltar a dormir, acordar muito cedo pela manhã, sono conturbado e não reparador. É preciso caracterizar a duração da queixa, a frequência, a gravidade da angústia noturna e da sintomatologia diurna associada, o curso (progressiva, intermitente), os fatores que exacerbam ou diminuem os sintomas. Além disso, é importante identificar os fatores precipitantes passados e atuais, assim como os tratamentos que já foram instituídos e seus resultados (SCHUTE-RODIN et al., 2008).
      Recomenda-se que se avalie o paciente com um questionário médico/psiquiátrico com intuito de identificar comorbidades, como a Escala de Sonolência de Epworth (ESE) ou outro método de diagnóstico que identifique os pacientes sonolentos e, por último, um diário de sono de duas semanas, identificando os padrões de sono-vigília e sua variabilidade diária. A ESE serve para avaliação subjetiva da sonolência diurna. É uma escala de oito itens, com graduação de 0 a 3 pontos, a somatória define a graduação da sonolência em leve, moderada e acentuada (CARDOSO et al., 2009)
O diário do sono é útil tanto para o diagnóstico e para o acompanhamento do tratamento.  O preenchimento de um diário de sono por duas a três semanas avalia o padrão usual de sono. O paciente deve anotar os horários de dormir, o tempo que demora para adormecer, o número de despertares durante a noite, o horário de acordar e os cochilos diurnos (ALOÉ; TAVARES; HASAN, 2009). Outros instrumentos adicionais podem auxiliar na avaliação e seguimento dos pacientes, como questionários de qualidade de vida (SCHUTTE-RODIN et al., 2008). A polissonografia é considerada o padrão-ouro na avaliação diagnóstica da insônia e deve ser feita sempre que houver suspeita da presença de outros transtornos do sono ou quando o tratamento adequado falhar (MINHOTO, 2010).      
Transtornos do sono podem manifestar de forma diferente em homens e mulheres, e essas diferenças são particularmente notáveis ​​durante a gravidez, lactação e menopausa. A insônia pode ocorrer relativamente comum durante a gravidez e no pós-parto, e pode ser o resultado de um distúrbio do sono, uma primária, tais como apneia obstrutiva do sono (SAOS), distúrbios do movimento, como a síndrome das pernas inquietas, ou às vezes a depressão, especialmente em o período pós-parto. Apnéia obstrutiva do sono pode contribuir para um maior risco de hipertensão durante a gestação e duplica o risco de pré-eclâmpsia e parto prematuro. Ronco, um sintoma frequente da SAOS, é comum durante a gravidez. Síndrome das pernas inquietas é mais comum em mulheres grávidas, é mais frequente no terceiro trimestre da gravidez, e tende a melhorar drasticamente após o parto (PAVLOVA; SHEIKH, 2011). 
Por outro lado, é importante salientar que a diminuição, com o aumento da idade, do tempo de sono noturno e da habilidade para adormecer, antes de se diagnosticar a insônia, a sonolência excessiva diurna ou qualquer outro distúrbio do sono (SOUZA; REIMÃO, 2004). 
       A chamada "insônia primária" é um transtorno caracterizado pela dificuldade em iniciar e/ou manter o sono e pela sensação de não ter um sono reparador durante um período não inferior a um mês. Do ponto de vista polissonográfico, éacompanhada de alterações na indução, na continuidade e na estrutura do sono. Geralmente aparece no adulto jovem, é mais frequente na mulher e tem um desenvolvimento crônico. A insônia primária é observada de 12,5%a 22,2% dos pacientes portadores de insônia crônica, sendo precedida em frequência somente na insônia de depressão maior (MONTI, 2000).
Apesar da alta prevalência e de seu impacto social e pessoal negativo, a insônia continua sem o devido reconhecimento tanto pela população em geral como pelos profissionais de saúde, ficando, desta forma, privada de um manejo adequado. 
Os transtornos do sono estão entre os distúrbios clínicos com maior impacto de saúde e socioeconômico. Melhor conhecimento dos determinantes da ajudar os comportamentos de busca pode guiar o desenvolvimento da prevenção eficaz de saúde pública e programas de intervenção para promover sono saudável.

Referências
ALOÉ, F.; TAVARES, S. M. A; HASAN, R. Transtornos do Sono In: Antonio Carlos Lopes. Tratado de Clínica Médica. São Paulo: Roca, 2009, v. 2, p. 2543-2570.
CARDOSO, H. C. et al. Avaliação da qualidade do sono em estudantes de Medicina. Rev. bras. educ. med. 33 (3): 349-355, 2009.
EDINGER, J. D.; MEANS, M. K. Overview of Insomnia: Definitions, Epidemiology, Differential Diagnosis, and Assessment. In: Kryger MH, Roth T, Dement WC (eds). Principles and Practice of Sleep Medicine. Elsevier Saunders, 4 ed., 2005, p. 702-710.
MINHOTO,  G. Distúrbios do Sono I: Insônia. 2010. Disponível em: http://www.sonolifesaude.com.br/manager/kcfinder-2.1/upload/files/Lamina_Sono02.pdf. Acesso em: 02 jun. 2012.
MONTI, J. M. Insônia primária: diagnóstico diferencial e tratamento. Rev Bras Psiquiatr 22(1):31-4, 2000.
MORIN, C. M.; LeBLANC, M.; DALEY, M. Epidemiology of insomnia: prevalence, self-help treatments, consultations, and determinants of help-seeking behaviors. Sleep Med, 7(2):123-30, 2006.
PAVLOVA, M.; SHEIKH, L. S. Sleep in women. Sleep Med. 31(4): 397-403, 2011.
POYARES, D. et al. I Consenso Brasileiro de Insônia, Sociedade Brasileira do Sono e Federação Latino Americana das Sociedades de Sono. Hypnos. 4(Supl 2), 2003.  
ROBAINA, J. R. et al. Eventos de vida produtores de estresse e queixas de insônia entre auxiliares de enfermagem de um hospital universitário no Rio de Janeiro: estudo Pró-Saúde. Rev. bras. epidemiol. 12 (3): 501-509, 2009.
SCHUTTE-RODIN, S., et al. Clinical guideline for the evaluation and management of chronic insomnia in adults. J Clin Sleep Med. 4(5): 487-504, 2008.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE SONO. I Consenso Brasileiro de Insônia. Hypnos: Journal of Clinical and Experimental Sleep Research 4 (Supl 2), 9/18, 2003.     
SOUZA, J. C.; REIMAO, R.. Epidemiologia da insônia. Psicol. Estud .9 (1):  3-7, 2004. 
WILKINSON, K.; SHAPIRO, C. Nonrestorative sleep: Symptom or unique diagnostic entity? Sleep Med. 13(6):561-9, 2012. 

Fonte da Imagem: shinitama.tumblr.com