8 de janeiro de 2013

Envelhecer é Moderno

“A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”, diz Arnaldo Antunes.  Uma escritora brasileira que trata de forma recorrente do tema do envelhecer e da atitude das pessoas, sobretudo das mulheres, em relação a esse fenômeno vital, é Lya Luft. Ela afirma que "talvez seja utopia, mas se eu não deixar que se embote a minha sensibilidade, quando envelhecer, em vez de estar ressequida, eu terei chegado ao máximo exercício de meus afetos" (2004: 27). A autora retrata a escolha e a postura do ser humano em relação ao processo de envelhecimento, e como é visto de uma forma negativa pela maioria das pessoas, embora pudesse ser feliz e sem desesperos.  “Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho” (LUFT, 2010).

"Envelhecer é apenas mais uma fase de viver, mais uma etapa da transformação que inicia no nascimento e termina no último suspiro. Nunca tive a visão da velhice, na qual estou quase no umbral (pra mim começa hoje aos 80), como decadência. Não precisa ser solidão e isolamento, amargura e inércia. Havendo suficiente saúde, sobretudo mental, pode-se sempre reatar ou criar laços, interesses, coisas. Contemplar a natureza, o ser humano, sei lá. Para mim, mais uma vez, é tudo natural. Para que querer ter sempre 20 anos? Para que se desejar espírito jovem, se o espírito dos 70 ou 80 pode ser até melhor, mais rico, mais experiente, mais elegante e mais sereno, mas nunca desinteressado?" (LUFT, 2010)

E sobre como uma mulher envelhece?... Nadilza Moreira, docente da Universidade Federal da Paraíba, afirma que o medo de envelhecer impõe-se às mulheres há séculos, evidenciando-se de várias formas, nas quais se busca um disfarce para os sinais do tempo, particularmente após os 30 anos (MOREIRA, 2012). 

O envelhecimento da mulher é descrito por Beauvoir (1990: 595) como "a intenção de lutar contra uma desgraça que foi misteriosamente desfigurando e deformando-a". Essa é uma descrição muito negativa do processo de envelhecimento. Vê-se que as mulheres respondem de forma quase compulsiva aos anúncios que são, na verdade, pressões, por parte da indústria do envelhecimento para que compram seus produtos para lutar contra o tempo. Simone de Beauvoir indicou, através de seus escritos autobiográficos, que ela realmente se esforçou para chegar a um acordo com seu corpo no processo de envelhecimento: ela gostava de roupas, de ser considerada  atraente. No entanto, como filósofa existencialista, ela foi capaz de voltar atrás e ver que essa atitude foi devida a uma enorme pressão colocada pela sociedade sobre recursos cosméticos efêmeros. Ela passou, então, a aceitar "a definição de seu valor como sua própria definição, e não a da sociedade".

Quase meio século atrás, esta eminente filósofa francesa observou que o intervalo entre a "maturidade" e a "velhice" é um momento especialmente problemático para as mulheres, apesar da profunda transformação social gerada pelo ativismo feminista da segunda metade do século passado. 

A crônica “A Mulher Madura” (1986), do poeta Affonso Romano de Sant’anna, evidenciam-se considerações de cunho teórico e crítico acerca dos significados do envelhecimento feminino à luz de pressupostos históricos e feministas. O autor afirma em outro texto (SANT’ANNA, 1987) 

conheço muitas pessoas que estão envelhecendo mal. Desconfortavelmente. Com uma infelicidade crua na alma. Estão ficando velhas, mas não estão ficando sábias. Um rancor cobre-lhes a pele, a escrita e o gesto. São críticos azedos, aliás estão ficando cítricos sem nenhuma doçura nas palavras. Estão amargos. Com fel nos olhos.

Dessa forma amarga e ultrapassada, não conseguiremos envelhecer maciamente, e sim aos solavancos, parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade. Envelhecer é moderno.

Referências
BEAUVOIR, S. A Velhice. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1990.
LUFT, L. Perdas e Ganhos. São Paulo: Record, 2004.
LUFT, L. Entrevista: Lya Luft fala sobre sua busca pela simplicidade. 2010. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/donna/noticia/2010/07/entrevista-lya-luft-fala-sobre-sua-busca-pela-simplicidade-2967453.html. Acesso em: 08 jan. 2013.
MOREIRA, N. M. B. A poética do envelhecimento: Júlia Lopes de Almeida e Affonso Romano de Santana. 17º Encontro Nacional da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero. Disponível em: http://www.ufpb.br/evento/lti/ocs/index.php/17redor/17redor/paper/view/409. Acesso em: 08 jan. 2013.
SANT'ANNA, A. R. Envelhecer: com mel ou fel? 1987. http://www.perspectivas.com.br/refle32.htm. Acesso em: 08 jan. 2013.

Imagem: Atômica Studio.