23 de fevereiro de 2014

Enterorragia e Hematoquezia

Por Larissa Lima do Vale
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A hemorragia digestiva baixa é definida como qualquer sangramento com origem abaixo do ligamento de Treitz. Pode manifestar-se principalmente como enterorragia ou hematoquezia. Considera-se hematoquezia o sangramento proveniente de reto e ânus, em que o sangue fica em torno das fezes mas não se mistura com elas, ou goteja após a evacuação em pequena quantidade, enquanto que enterorragia é a eliminação de sangue vivo, em maior volume, e que muitas vezes é a própria evacuação, indicando sangramento intestinal.

Palavras-chave: Trato digestivo. Hemorragia gastrointestinal. Hematoquezia.

A hemorragia digestiva é definida como a perda de sangue proveniente do trato gastrointestinal (TGI) e seus anexos (DE CARVALHO et al., 2000), sendo classificada de acordo com o sítio de origem em hemorragia digestiva alta ou hemorragia digestiva baixa (HDB). Segundo Volpe (1994), HDB é definida como qualquer sangramento com origem abaixo do ligamento de Treitz e cuja fonte pode estar no intestino delgado, no cólon ou reto. Entre as causas de hemorragia digestiva, a HDB é responsável por 15% dos casos, sendo o intestino grosso a sede de origem em 95 a 97% (BARRETO et al., 2007).
A exteriorização clínica do sangramento digestivo baixo pode ocorrer de diversas formas: como sangue oculto, melena, enterorragia ou hematoquezia (LERIAS e SOFIA, 2004). A enterorragia consiste em um sangramento digestivo volumoso, não digerido, líquido, misturado ou não com coágulos (RODRIGUES, 2008). Esta manifestação pode ou não estar associada à HDB, uma vez que hemorragias digestivas altas volumosas ou associadas à rapidez no trânsito intestinal também podem se apresentar desta forma (DE CARVALHO et al., 2000).  Já a hematoquezia é um termo que define a passagem de sangue vivo pelo ânus, em pequena quantidade, associado ou não a coágulos e geralmente junto a material fecal (GALINDO, 2009; RODRIGUES, 2008).
        Há autores que consideram os termos enterorragia e hematoquezia como sinônimos. Os autores de língua espanhola consideram que são o mesmo sinal clínico, ou seja, sangramento digestivo intestinal de origem baixa (abaixo do ângulo de Treitz). Mas há uma diferença. Enterorragia é a evacuação de sangue vivo, enquanto hematoquezia é a eliminação de sangue vivo em menor quantidade, e geralmente apenas durante a evacuação. Segundo López e Laurentis (2004), hematoquezia é caracterizada como a eliminação de grande volume de sangue vivo nas fezes (normalmente superior a 1000 mL), com duração de quatro horas ou menos. Para Porto e Porto (2009), hematoquezia é quando se trata de sangue vermelho vivo em pequena quantidade, de origem proctológica. Na conceituação de Souto (1998), no livro "Temas de Semiologia e Clínica Gastroenterológica, "hematoquezia é a eliminação de sangue vermelho vivo via anal, e enterorragia é a perda de sangue também via anal, mas sem diferençar se é vermelho vivo ou preto". 
      Portanto, parece não haver consenso quanto a esta conceituação e à distinção semiológica entre enterorragia e hematoquezia. Na presente revisão, considera-se hematoquezia o sangramento baixo, geralmente proveniente de reto e ânus (o sangue fica em torno das fezes mas não se mistura com elas, ou goteja após a evacuação), enquanto enterorragia é a evacuação de sangue vivo (o sangue é a própria evacuação), geralmente mais volumoso e indica sangramento intestinal.
     Fezes com sangue são frequentemente sinais de qualquer lesão ou doença presentes no trato digestivo. Cerca de 50 a 75% do sangramento digestivo baixo têm origem colorretal, 10 a 25% tem origem no intestino delgado e, em 10 a 25% dos casos, não se consegue identificar o local exato de sangramento (MOREIRA; MOREIRA, 2009). As causas variam de acordo com a faixa-etária. Na criança, o divertículo de Meckel é o motivo mais comum de sangramento, enquanto que, no adulto, a doença diverticular do cólon, as angiodisplasias e as doenças proctológicas, sobretudo hemorroidárias, são as mais relevantes. Outras causas de HDB são as colites isquêmicas e infecciosas, neoplasias e doenças inflamatórias intestinais (ORNELLAS et al., 2001).
       As formas de manifestação da hemorragia digestiva baixa são diversificadas, variando desde episódios recorrentes e pouco expressivos de hematoquezia até hemorragia maciça, com choque hemodinâmico. Porém, na maior parte das vezes, o sangramento é autolimitado (SANTIAGO e DANI, 2002). Passagem retal de sangue vermelho vivo mínimo, incluído no conceito de hematoquezia, geralmente ocorre em um padrão crônico intermitente (DAVILA et al., 2007). Por auto-relato, hematoquezia ocorre em aproximadamente 15% das pessoas (ESLICK et al., 2009). 
A abordagem propedêutica para sangramento digestivo baixo visa responder três importantes questões: volume de sangue perdido, local do sangramento e a etiopatogenia (QUILICI et al., 2006). O diagnóstico diferencial é extenso, porém, através da anamnese, colhendo-se a história completa do paciente, assim como relacionando-se os sintomas com a idade do mesmo, pode-se ajudar na definição diagnóstica. O exame físico, por sua vez, permite avaliar a gravidade do sangramento através da avaliação cardiovascular do paciente, incluindo frequência cardíaca e pressão arterial (RODRIGUES, 2008).
A confirmação diagnóstica é realizada, principalmente, através dos exames proctológico, hematológico e endoscópico. O exame proctológico compreende a inspeção e a palpação do canal anal, bem como a realização do toque retal, da anuscopia e retossigmoidoscopia. O toque retal pode identificar pontos dolorosos, endurecimentos ou irregularidades que poderão ser a sede do sangramento. O exame hematológico, por sua vez, visa quantificar o sangue perdido pelo paciente através do coagulograma. Por fim, a colonoscopia é o principal exame no diagnóstico de sangramento digestivo baixo, podendo, na sua maioria, identificar o local e a causa da enterorragia.

Referências
BARRETO, J. B. P. et al. Hemangioma Colorretal. Ver. Bras. Coloproct.; 27 (2): 210-213, 2007.
DAVILA, R. E.; RAJAN, E.; ADLER, D. G. et al. ASGE Guideline: the role of endoscopy in the patient with lower-GI bleeding. Gastrointest Endosc. 62(5):656-60, 2005
DE CARVALHO, E.; NITA, M. H.; PAIVA, L. M. A.; SILVA, A. A. R. Hemorragia digestiva. Jornal de Pediatria; 76, suplem. 2, 2000.
GALINDO, F. Hemorragia digestiva. Cirugía Digestiva. 126: 1-19, 2009.
LERIAS, C.; SOFIA, C. A Colonoscopia nas Hemorragias Digestivas Baixas. EDITORIAL 11, 2004.
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ORNELLAS, A. T.; ORNELLAS, L. C., SOUZA, A. F. M., GABURRI, P. D. Hemorragia digestiva aguda alta e baixa. Gastroenterologia Essencial; 2 nd edição, Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2001.
PORTO, C. C.; PORTO, A. L. Semiologia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009
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SANTIAGO, M. G.; DANI, R. Projetos Diretrizes da AMB e CFM: Hemorragias Digestivas. http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/057.pdf. Federação Brasileira Gastroenterologia, 2002.
SOUTO, P. Temas de Semiologia e Clínica Gastroenterológica. São Paulo: Byk, 1998
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