20 de setembro de 2009

Síndrome de obstrução de via aérea superior

A síndrome de obstrução respiratória alta pode resultar de várias afecções e evoluir de forma aguda ou crônica.
A obstrução aguda de via aérea superior é mais frequente em crianças e pode se instalar em vários níveis, desde a orofaringe (abscesso retrofaríngeo, periamigdaliano, hipertrofia de adenóides), passando pela zona da glote e laringe (epiglotite, laringites), até a traquéia (traqueíte bacteriana, corpo estranho). Os quadros mais insidiosos, decorrentes de neoplasias de laringe, e que podem levar também a uma oclusão parcial da luz da via aérea, acometem mais comumente os adultos (PIVA; GARCIA, 2005).
Anatomofisiologia O conhecimento da anatomia e fisiopatologia das vias aéreas superiores é fundamental para o entendimento dos sintomas das várias desordens que podem produzir sua obstrução.
Embora a via aérea superior compreenda a porção que está acima das pregas vocais, aqui considerar-se-á a síndrome de obstrução afetando a laringe, nas suas porções supra e infraglótica. As vias aéreas superiores tem componentes extratorácicos e intratorácicos. A epiglote (área acima das cordas vocais) e a glote (pregas vocais) são exclusivamente extratorácicas, enquanto a subglote (área abaixo das pregas vocais, incluindo a traquéia) tem porções tanto extratorácicas como intratorácicas. Em crianças, durante a inspiração, as paredes das vias aéreas extratorácicas tendem a colabar em direção à luz, devido à flexibilidade destes tecidos (ZIMMERMAN, 1988). Por outro lado, as vias aéreas intratorácicas tendem a se expandir com a ampliação torácica. O contrário ocorre durante a expiração, diminuindo o calibre da traquéia intratorácica e aumentando o das vias aéreas extratorácicas. Quando a inervação pelos nervos laríngeos recorrentes está intacta, as cordas vocais permanecem abduzidas em ambas as fases da respiração, proporcionando um espaço constante para o fluxo aéreo. A área de secção transversa relativamente pequena das vias aéreas superiores em pacientes pediátricos é o fator crítico que predispõe à obstrução das vias aéreas durante a ocorrência de processos inflamatórios. A pressão necessária para produzir um determinado fluxo através de um tubo e, igualmente, a resistência ao fluxo dentro do tubo, variam diretamente com o comprimento do tubo e inversamente com a quarta potência do raio. O raio do tubo assume a maior importância na determinação da resistência ao fluxo. Se o comprimento do tubo aumenta quatro vezes, a pressão deve quadruplicar para manter o fluxo constante, mas, se o raio do tubo se reduz à metade, a pressão deve aumentar 16 vezes para manter o fluxo constante. Clinicamente, o paciente deve aumentar significativamente a pressão nas vias aéreas para sobrepujar a resistência produzida pela presença de uma lesão estenótica. Para isso, recorre ao uso da musculatura acessória da respiração, localizada no pescoço, caixa torácica e abdome, ou seja, o paciente apresentará retrações. Tosse e rouquidão são manifestações comuns de envolvimento da laringe, mas o estridor e a dispnéia são manifestações incomuns. Contudo, quando esta última ocorre é mau sinal por indicar o desenvolvimento de obstrução de via áerea superior, a qual pode se tornar rapidamente completa. A obstrução respiratória não está associada apenas a lesões intralaríngeas ou àquelas que exercem pressão diretamente sobre o órgão, mas pode ocorrer como resultado de distúrbios neurológicos nos quais se desenvolve paralisia de ambas as pregas vocais. Causas de obstrução respiratória alta:
a) Doenças supraglóticas: 1- Abscesso periamigdaliano:
coleção purulenta no tecido que envolve as amígdalas, podendo causar obstrução respiratória alta, em razão do volume desta coleção, situando-se na maioria das vezes entre a base da amígdala e a parede lateral da orifaringe; 2- Abscesso retrofaríngeo: existe um espaço virtual compreendido entre a fáscia cervical e a coluna vertebral, estendendo-se desde a base do crânio até a vértebra T12; esta área contém uma rica rede linfática, que drena material da rinofaringe, seios da face e tubas de Eustáquio. Em decorrência do acúmulo de material infectado drenado a esta área, pode-se desenvolver uma coleção purulenta, a qual tem por característica crescer em direção à luz da faringe; 3- Epiglotite: processo infeccioso ao nível da epiglote, causado pelo Haemophillus influenzae tipo B, induzindo a edema e inflamação local, tendo como consequência obstrução respiratória alta de instalação súbita e rápida evolução, constituindo-se em emergência médica; o processo envolve não só a epiglote, como também outras partes moles acima da glote, incluindo as dobras ariepiglóticas. O comprometimento dessas dobras contribui mais para a obstrução real do que a epiglote em si. A doença pode se manifestar em qualquer idade, embora a idade média seja três a quatro anos; 4- Edema alérgico de glote (angioedema): a reação alérgica (secundária a medicamentos, alimentos, substâncias inaláveis, etc) pode desencadear o aparecimento de edema de início súbito e proporções variadas nos mais diversos locais do organismo; quando este edema envolve a via aérea superior, pode resultar numa situação de emergência com iminente risco de vida. Em tal situação, há exsudação que se inicia ao nível da base da língua, se propaga à orofaringe, podendo comprometer a região glótica, e, muitas vezes, a região subglótica.
b) Doenças infraglóticas
1- Laringite viral aguda: muitas vezes designada laringotraqueobronquite em virtude do comprometimento comcomitante de traquéia e brônquios; comumente conhecida como “crupe”, é uma doença geralmente causada pelo vírus parainfluenza ou influenza; caracteriza-se por um processo inflamatório que produz edema e exsudato fibrinoso na região glótica e subglótica; as crianças com idade inferior a 3 anos são as mais frequentemente afetadas; 2- Difteria: doença infecciosa bacteriana com formação de uma pseudomembrana que pode levar a obstrução respiratória; o acometimento laríngeo exclusivo da difteria é raro, sendo geralmente uma extensão das pseudomembranas da orofaringe; 3- Corpo estranho: a criança na faixa etária compreendida entre um e cinco anos tem uma maior predisposição a sofrer acidentes, aspirando um corpo estranho, que pode se localizar na região supraglótica (causando geralmente obstrução parcial da via aérea, podendo deslocar-se ou não) ou infraglótica (se ultrapassar a glote, o corpo estranho pode situar-se, por impactação, ao nível subglótico, traqueal e até mesmo no brônquio, podendo causar obstrução total, com imediata parada cardirrespiratória, ou ser aspirado e localizar-se abaixo da glote, com obstrução parcial); dos objetos mais frequentemente associados à aspiração na criança estão alimentos sólidos (amendoim, carne, balas), detritos alimentares (pequenos ossos, sementes, caroços), e materiais diversos, como tampinhas de caneta, anéis, moedas etc. O mau hábito de levar à boca moedas, caroços de frutas, palhas, goma de mascar, etc, pode ocasionar, nas crianças e nos adultos também, sua inalação involuntária ao tropeçar, cair ou realizar outros movimentos bruscos, sem que haja tempo para desencadear o reflexo defensivo da tosse. A presença do corpo estranho, quando oclui a traquéia, pode produzir asfixia imediata. Se o corpo estranho é menor e progride até o brônquio principal, leva a atelectasias ou enfisemas valvulares obstrutivos unilaterais. O espasmo laríngeo pode se associar à aspiração de corpo estranho. 4- Compressões extrínsecas: como ocorre no bócio mergulhante, afecção rara da glândula tireóide, caracterizada por tireóide aumentada de tamanho, peso e volume, que invade a cavidade torácica total ou parcialmente (MAIA; ARAÚJO, 2002); as manifestações mais comuns, segundo a literatura, são dispnéia (compressão da traquéia) e disfagia (compressão do esôfago) progressivas, circulação colateral no tórax (compressão da veia cava superior), havendo insuficiência respiratória aguda em alguns casos (op. cit); 5- Tumores da laringe: benignos (pólipos, papilomatose) e malignos.
6- Causas traumáticas: Intubação orotraqueal prolongada, traqueostomia, queimaduras químicas, ou trauma externo com fratura laringo-traqueal (ROSSI et al., 2007). As mais frequentes são a estenose cicatricial de traquéia associada a intubações orotraqueais prolongadas e traqueostomias. 7- Estenose idiopática da traquéia: doença rara caracterizada pela formação de tecido fibroso, circunferencial e denso, usualmente localizado na região subglótica, mas que pode se estender até as pregas vocais ou traquéia superior (ROSSI et al., 2001). Fisiopatologia Quando se instala uma obstrucão parcial da via aérea superior, com consequente dificuldade na entrada do fluxo aéreo no aparelho respiratório, observa-se um distúrbio na ventilação, isto é, uma hipoventilação (ventilação alveolar inadequada). Sintomas e sinais da obstrução respiratória alta: a) Estridor: quando há obstrução parcial à passagem de ar, temos como resultado um fluxo turbulento, rápido e ruidoso (estridor), um “áspero” ruido inspiratório ou um “rosnar” expiratório, e é o sinal mais significativo de obstrução de vias aéreas superiores. Em geral, quanto mais alto o nível da obstrução, mais acentuado é o ruído inspiratório, quanto mais baixa a obstrução, maior o esforço expiratório, com a presença ocasional de sibilos. Se a obstrução ocorre na região média das vias áereas, o paciente pode exibir sinais em ambas as fases da respiração (CASSOL, 2001). Este ruído é predominantemente inspiratório quando a obstrução se dá acima do nível da glote (supraglótico), em razão de, neste caso, a obstrução ser extratorácica, e durante a inspiração ser gerada pressão negativa intratorácica favorecendo o colapso desta área, acentuando-se a obstrução. Já nas obstruções infraglóticas (intratorácicas), o estridor tende a apresentar-se com frequência, tanto na inspiração quanto na expiração, em conseqüência da pouca variabilidade do diâmetro da via aérea durante o ciclo respiratório. b) Voz: as afecções supraglóticas geralmente modificam a tonalidade da voz, deixando-a abafada, enquanto que o comprometimento da área laríngea (cordas vocais) determina uma perda da voz (afonia) ou rouquidão. c) Dor: o comprometimento da região supraglótica, que tem inervação sensitiva abundante, provoca disfagia e dor localizada, ao passo que nas afecções infraglóticas, este sintoma não é característico.
Ectoscopia
Observa-se dispnéia, às vezes, intensa; cianose (e outros sinais de hipóxia) pode ocorrer ou não; geralmente verifica-se voz e tosse roucas ou afonia; cornagem (estridor) é frequente; a postura é característica, observando-se frequentemente a postura preferencial da cabeça em hiperextensão. - Posição preferencial: a região supraglótica, por ser uma região distensível, determina no paciente que tenha comprometimento a este nível uma postura sentada com protrusão do mento e boca semiaberta, promovendo desta forma um aumento compensatório do diâmetro nesta área. Quando a sede é a laringe, observa-se apreciável movimentação desta (elevação na expiração e abaixamento na inspiração) em grau proporcional à intensidade da obstrução; é para facilitar a entrada de ar, o doente levanta a cabeça, inclinando-a um pouco para trás. - Dispnéia e tiragem: à medida que progride o quadro obstrutivo, há a necessidade de ser gerada uma pressão negativa intratorácica cada vez maior. Esta alta pressão negativa resulta muitas vezes na retração de tecidos moles, como na região supraesternal e região supraclavicular. A dispnéia da obstrução de via aérea superior é predominantemente inspiratória, porque a dificuldade se faz sentir principalmente na inspiração, que é longa, forçada e difícil, a fim de vencer o entrave à entrada de ar; - Outros sinais: a hipoventilação pode produzir algumas manifestações, como agitação, seguida de prostração (progressão da hipóxia), sudorese e cianose, sendo este um sinal tardio e de mau prognóstico. Exame físico do tórax Inspeção: Tiragem; expansibilidade torácica comprometida. Palpação: Frêmito toracovocal (FTV) diminuido difusamente. Percussão: Sem alterações características. Ausculta: Diminuição do murmúrio vesicular em quase toda a superfície torácica, e, às vezes, presença de roncos.
Referências
CASSOL, V. E. Diagnóstico endoscópico de estridor na infância. J Pneumol 27 (3):143-147, 2001
MAIA, F. F. R.; ARAÚJO, L. R. Bócio Mergulhante: Quando Operar? Arq Bras Endocrinol Metab 46 (6): 708-715, 2002 PIVA, J.; GARCIA, P. C. Terapia Intensiva em Pediatria. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.
ROSSI, C. et al. Estenose idiopática de traquéia. Relato de quatro casos. J Bras Pneumol. 33(1):101-104, 2007. Relato
ZIMMERMAN, S. S. Tratamento intensivo em pediatria. Traduzido do original (Arnaldo Prata Barbosa [Trad.]: Critical Care Pediatrics. Rio de Janeiro: Medsi, 1988.