9 de dezembro de 2009

Relatório do Seminário I de MCO2 em 2009.2

Neste período 2009.2, em MCO2, segue-se à fase de aulas de Bioestatística e à avaliação subsequente, a etapa de seminários do módulo. O primeiro foi realizado na segunda-feira passada (07/12/09), com 96% da turma (49 alunos).
O resultado geral do seminário foi bom, a despeito do relativo tumulto accarretado pelo grande número de participantes. Foi adotada a técnica de discussão em grupo após a apresentação do artigo, como nos períodos anteriores.

No presente período, porém, a turma é maior, o que, sem dúvida, dificulta muito a discussão em grupo. Entretanto, não há como dividir a turma de 51 alunos, em virtude da existência de um único docente no módulo e da reduzida carga horária (32 horas). Mas 12 alunos tiveram sua participação postergada: enviaram suas contribuições via e-mail após o encerramento do seminário. Estas contribuições a posteriori também foram incluídas neste relatório.

Diferentemente dos períodos anteriores, os demais seminários do módulo ocorrerão após o recesso no calendário da UFPB. Haverá mais tempo para leitura do artigo até a retomada dos seminários mas, em contrapartida, o intervalo entre estes ficará reduzido.

O objetivo da técnica de Seminário para apresentação/discussão de artigos científicos continua o mesmo: Criar condições para o desenvolvimento da leitura crítica de artigos pelos alunos de Medicina.

Nesse exercício, os alunos precisam perceber que a leitura de um artigo científico deve ser eminentemente crítica. Por outro lado, é preciso apreender também a noção de que não há artigos perfeitos; há artigos mais ou menos imperfeitos, pois sempre se encontram falhas mediante uma leitura cuidadosa.

O objetivo desse exercício é, portanto, encontrar as falhas e aprender com elas. Além disso, buscamos qualidades e os pontos positivos para também aprender com eles. Todos nós buscamos aprender, professora e alunos.

Diversamente dos relatórios dos períodos anteriores, optamos desta vez por não identificar o artigo sob análise.

O artigo estudado descreveu uma pesquisa de modelo transversal e de base populacional. Segue, abaixo, um resumo (por subtítulo do artigo) dos aspectos discutidos durante o seminário.

1- Sobre o Título
- O título foi vago, amplo demais. O título não foi suficientemente informativo nem especifíco, não trouxe informações sobre local do desenvolvimento da pesquisa.
- Sugeriu-se que, se tivesse sido incluído no título o local do estudo antecedido pela menção de que se tratava de estudo de base populacional, a conotação geral do mesmo seria bastante reduzida, sem que houvesse grande aumento na sua extensão.

2- Sobre a Introdução

- A pergunta da pesquisa, que está implícita, é verificar a prevalência de uso de antibióticos pela população e se este uso está relacionado com variáveis demográficas e sociais. A questão é: Eles não estudaram variáveis sociais, apenas renda, que é uma variável econômica. Então, só poderiam saber a prevalência e a sua relação com variáveis demográficas. Respondeu sim, à sua pergunta, quanto a esses últimos aspectos.
- Segundo um dos alunos participantes:
"Quanto à introdução, se apresenta bem estruturada, abrangendo as diversas recomendações sobre sua construção, como respaldar informações na literatura de referência, destacar a relevância do tema abordado e porque o estudo se faz útil. No entanto, no decorrer da leitura do artigo observa-se que pouco do que foi referido na introdução é abordado no restante do artigo. Há, portanto, um excesso na descrição da importância do tema, e toda a literatura referida na inrodução refere-se a antimicrobianos versus novas cepas e resistência. O ponto é importantíssimo para a discussão, é fundamental que se exponha a relevância do tema, entretanto, houve pouco espaço (um parágrafo) reservado a que o estudo realmente se destina: a prevalência dos antimicrobianos em uma população urbana."

3- Sobre Métodos

- Nada se mencionou acerca dos aspectos éticos ou sobre o fato de o projeto de pesquisa ter passsado pela avaliação de um comitê de ética em pesquisa, o que deve ser feito em todas as pesquisas realizadas a partir de 1996.
- A elaboração do questionário e o treinamento dos avaliadores são aspectos que deveriam ter sido acrescentados à metodologia. A forma de estruturação dos questionários não representa um viés, como questionaram alguns alunos, pois questionários estruturados não introduzem vieses por si só. Mas não se teve acesso, na publicação, ao modelo do questionário aplicado.
- Em relação aos questionários, diz-se, na metodologia, que foram usados questionários estruturados com questões fechadas e abertas. Mas o questionário estruturado tem apenas questões fechadas. Quando há questões abertas e fechadas, denomina-se semi-estruturado. Assim, erraram ao denominar de questionários estruturados no texto do artigo. Sendo assim, semi-estruturados, as questões abertas não podem ser pré-codificadas, têm que ser codificadas depois, pois não se sabe que respostas os entrevistados vão dar. Aí, está certo.
- O período em que o estudo foi realizado pode representar um viés de seleção. Um ponto relativo às atividades de campo que pode ter repercussão nos dados coletados é a sazonalidade dos problemas de saúde. Qualquer estudo transversal padece dessa limitação, uma vez que realiza a coleta de informações em determinado período do ano. O uso de amostra mestra e coleta contínua poderiam minimizar esse problema.
- O plano amostral foi adequado. O método empregado é bastante usado em pesquisas de base populacional. Mas não foi o ideal em termos estritamente metodológicos. Por uma questão de custo e de disponibilidade de listagem da população, a amostragem por conglomerado foi apropriada. A amostragem aleatória simples seria a ideal, mas seu alto custo e baixa praticidade inviabilizariam a operacionalização da pesquisa.
- A implicação no resultado de uma amostragem aleatória simples sobre o resultado da pesquisa seria haver maior homogeneidade amostral, menos varìância, menor intervalo de confiança e portanto, maior precisão. A razão de se adotar a estratégia de amostragem por conglomerado é a necessidade de redução de custos, assim como o fato de não se dispor de um cadastro da população.
- Ao utilizar amostragem por conglomerados, o que acaba sendo inevitável em inquéritos populacionais, há perda de eficiência devida ao desenho: o efeito de conglomeração. Isto decorre do fato de os conglomerados usados serem dados pela forma de organização da população (setores, escolas e turmas, etc.) e serem muito homogêneos. Assim, acabam sendo entrevistadas em cada conglomerado muitas pessoas parecidas, ou seja, obtém-se informação semelhante em quantidade maior do que seria o desejável.
- Sobre esse aspecto, referem Szwarcwald e Damacena (2008) que

"a inferência estatística, em sua abordagem clássica, fundamenta-se na amostra aleatória simples, método que requer que cada membro da população tenha uma chance igual e independente de ser selecionado. Entretanto, a maioria dos inquéritos nacionais de saúde não usa amostragem aleatória simples, em parte por restrições orçamentárias, em parte por limites de tempo associados à coleta de uma grande quantidade de informações ao longo de um território geográfico grande. Em decorrência disso, outros métodos probabilísticos são geralmente utilizados nos inquéritos de base populacional, como a amostragem estratificada e a amostragem por conglomerados em múltiplos estágios com probabilidades desiguais de seleção, para prover uma amostra representativa da população em tempo hábil e de acordo com o orçamento previsto"
- Ainda conforme os referidos autores, os diferentes tipos de amostragem utilizados em inquéritos populacionais baseiam-se nas informações de setores censitários elaboradas pelo IBGE por ocasião do Censo Demográfico. A não-atualização da listagem de domicílios, principalmente em períodos afastados da realização do último censo, se reflete no aumento de domicílios vagos ou inexistentes (demolidos, transformados em não-residenciais etc.). O esquema de amostragem inversa contorna esses problemas reduzindo as perdas porque é possível substituir o domicílio sorteado. - Houve cálculo amostral e o tamanho da amostra foi suficiente em vista do problema de pesquisa.
- Destacou-se a importância de se utilizar questionários padronizados previamente validados, garantindo por um lado a aplicação de instrumentos já testados e com desempenho aprovado e, por outro, permitindo a realização de estudos comparativos, cada vez mais valorizados tanto no estudo de determinantes de saúde quanto na avaliação de programas e políticas de saúde.

- A exclusão de pessoas que estavam impossibilitadas de responder ao questionário por problemas de ordem física ou mental pode introduzir um viés de seleção se o número de indivíduos na população for grande ou tiver características sócio-demográficas diferentes da amostra selecionada. Mas incluir esses pacientes implicaria em ter informações de terceiros, familiares ou cuidadores, e isso, por sua vez, poderia introduzir um viés de informação.

4- Sobre Resultados
- Na Tabela 1, deveria haver a legenda de todos os termos, no caso, “IC 95%” e “p”.
- Repetições na tabela 4 e no texto não foram exatamente redundantes, como mencionou um participante do seminário, porque sempre que se coloca o valor relativo numa tabela, é importante considerar o seu valor absoluto também. E no texto se mencionou a porcentagem apenas para enunciar o dado a ser apresentado na tabela.
- As tabelas estão bem elaboradas, mas os seus títulos ficaram incompletos, pois não se mencionaram o local da pesquisa nem o tamanho da amostra: Prevalência de uso de antibióticos no último mês pela população urbana da cidade tal, estado tal (n=xxx).
- Não se especificaram os motivos das perdas ou recusas; essas ocorrências devem ser descritas. A perda de 5% dos indivíduos entrevistados pode decorrer de vários fatores: não se ter encontrado o indivíduo em casa ou a constatação de questionários respondidos de forma incompleta. Não se mencionou no artigo as razões das perdas, o que deveria ter sido feito.
- No estudo mencionado pelos autores, no México, encontrou-se uma elevada frequência de uso de antibióticos para diarréia. Já no presente estudo, o uso para esta condição teve uma prevalência praticamente nula. Todo resultado inesperado impõe a necessidade de o pesquisador explicar o porquê do ocorrido ou sugerir estudos posteriores para sua averiguação.
- A variável renda familiar mensal mensurada não poderia ter sido avaliada através do teste qui-quadrado, pois se trata de uma variável intervalar, já que os autores não mencionam um ponto de corte para esta variável em dicotômica e assim, poder ser analisada através do exame qui-quadrado.

4- Sobre a Discussão
- Não foi adequado generalizar o uso de um mês para uma projeção de um ano, considerando o fator sazonal. Pode-se fazer essa projeção matematicamente usando-se a fórmula da binomial, mas faltam dados para fazermos os cálculos: Se 5,8% das pessoas acima de 60 anos usaram antibiótico em um mês, qual a probabilidade de uso em 1 ano (12 meses)? Mas, se não há trabalhos sobre o uso de antibióticos pela população nos meses de inverno, como avaliar essa projeção com base apenas em suposições?
- O fato observado de que apenas 15% dos entrevistados terem apresentado a prescrição médica não significa necessariamente auto-medicação. Os entrevistados podem não portar a prescrição no momento da entrevista porque esta foi extraviada. Mas também não se relatou essa diferença no trabalho.- Outros vieses supostamente presentes na pesquisa são de informação (falta de receita médica, diagnóstico da infecção que motivou o uso do antibiótico, avaliação do uso de antibióticos em uma fase do ano em que se supões que a incidência de infecções respiratórias, a mais comum, é menor), de mensuração (Os entrevistadores foram treinados? Não se sabe ao ler o artigo...).
- Os autores não fazem alguma sugestão sobre a possibilidade de o estudo ser utilizado em estudos no futuro. É interessante explicitar a importância do trabalho não só para a prática clínica, políticas de saúde pública ou informações de teor biológico, como ocorreu nesse artigo, mas também sua utilidade no meio de pesquisa científica. Os autores fazem questão de, ao definir as limitações do estudo, apresentar como uma dificuldade no aprofundamento do tema a escassez de estudos anteriores (assim justificando as referências antigas); apresentando na introdução a importância de estudos nesta área, é de se esperar que alguma contribuição tenha sido feita.
- Destaca-se que a discussão deve ser encerrada com o registro de inferências, que correspondem seja a deduções, seja a generalizações indutivas, originadas a partir da análise e interpretação dos resultados. Satisfeitas as exigências quanto à validação interna dos procedimentos efetuados, admite-se a generalização para a amostra estudada; pode-se, então, discutir a validade externa do estudo, o que implicaria a possibilidade de se generalizarem os resultados da amostra estudada para outras amostras, além dela.
- Reproduzindo a argumentação de um de nossos alunos,

"Diante do alto custo relacionado aos antimicrobianos e do fato de a pesquisa levar em conta variáveis socieconômicas, faz-se útil associar a prevalência ao acesso. O texto o faz, inclusive exprime conclusões sobre o fato: "mesmo as famílias de baixa renda os compram, certamente em detrimento de outros itens do orçamento doméstico". No entanto não fez explicitamente, com dados, esta relação, o que dá margem a seguinte dúvida: será que levaram em consideração quantas dessas pessoas o obtiveram gratuitamente num posto de saúde? Que faixa de renda predomina nas prescrições pelo PSF? Ou não há relação? Obviamente não é objetivo da pesquisa se ater a este ponto especificamente e até se discute se as comparações são adequadas, porém, faltou cautela à afirmativa (ou, no mínimo, fundamentação suficiente)."

- Os autores não explicaram a diferença encontrada na prevalência de uso de antibióticos em relação ao estado civil. Poderiam e deveriam tê-lo feito, visto que a associação entre melhor estado de saúde nos homens casados é conhecida e bastante referida na literatura.

5- Sobre a Conclusão
- O artigo não apresentou a Conclusão, apesar de o tópico ainda constar no resumo.
- A Conclusão deveria ocupar ao menos o último parágrafo da Discussão, o que também não ocorreu.
- Não houve prejuízo real no entendimento do artigo, pois pela discussão deduz-se a conclusão e o resumo tem conclusão. Mas, para fechar o texto do artigo, é importante referir a conclusão, mesmo que no último parágrafo da Discussão. Além disso, o conteúdo do texto do artigo deve refletir o resumo e vice-versa.
- O leitor, antes de criticar a inclusão ou não das Conclusões na Discussão, deve verificar se os autores se limitaram a cumprir as regras editoriais que lhes foram impostas. No entanto, que os princípios de clareza da escrita científica são favorecidos pela existência de uma seção de Conclusões independente para os artigos de investigação original, embora não precise haver em artigos de relato de casos e casuísticas breves. É, sim, fundamental, que as conclusões apresentadas respondam claramente às questões colocadas no enunciado dos Objetivos, seja de forma positiva, negativa ou dubitativa.

6- Referências

- Algumas referências são antigas, havendo artigos de até 1987. Porém, é preciso considerar que a literatura acerca do tema é exígua e sendo poucas as fontes mais antigas.
- Quanto à necessidade de atualidade ou não das referências bibliográficas, depende do problema que está sendo considerado. Mas, de modo geral, é importante ter a maioria das referências com menos de cinco anos de publicação. O leitor deve valorizar a inclusão de referências primárias (artigos originais), recentes (menor que 5 anos), mas podem ser incluídas referêrencias seminais (as primeiras publicações sobre o tema abordado) apenas como dado histórico.

7- Palavras-chave

- Os descritores ou palavras-chaves devem ser cuidadosamente escolhidos. Deve-se consultar o DeCS sobre a existência dos termos.
- As regras de publicação de diferentes revistas médicas não são consensuais acerca da independência desta seção dos artigos científicos.

8- Comentários gerais

- Alguns artigos apresentam Anexos com informação complementar. Outros beneficiariam com a sua apresentação. O conteúdo mais frequentemente encontrado como Anexo é a inclusão de um formulário, inquérito ou protocolo usado ou validado no estudo. A inclusão deste tipo de documentos pode ser valorizada muito positivamente, pois permite uma leitura mais completa do estudo e, eventualmente, a sua utilização por outrem na confirmação dos achados ou mesmo a sua aplicação prática. Isto é particularmente importante quando se apresenta a validação de instrumentos de intervenção, diagnóstico ou prognóstico.
- A diferença encontrada entre os resultados da pesquisa e os dos diversos estudos de referência pode ter sido devida ao tempo utilizado como parâmetro, de 30 dias, ao invés de 15.

Referências
SZWARCWALD, C. L.; DAMACENA, G. N. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev. bras. epidemiol. 11 (suppl.1): 38-45, 2008.
WALDMAN, E. A. et al. Inquéritos populacionais: aspectos metodológicos, operacionais e éticos. Rev. bras. epidemiol. 11 (supp 1): 168-179, 2008.