19 de janeiro de 2010

Relatório do Seminário IV de MCO2 em 2009.2

Relatório do Seminário IV de MCO2 no semestre letivo 2009.2
No seminário de ontem em MCO2 foi apresentado e discutido um estudo experimental, um ensaio clínico randomizado (ECR), considerado padrão-ouro em termos de evidência científica.
Esse tipo de estudo é empregado para avaliar tratamento/intervenção, em que o investigador aplica um tratamento (ou outra intervenção) e analisa os resultados obtidos. Maior evidência pode ser obtida desses estudos pela redução da influência dos fatores de confusão, proporcionando-se a cada sujeito a mesma chance de participar de um grupo ou outro de tratamento (randomização) e eliminando a possibilidade dos efeitos observados terem sido influenciados por outros fatores além do efeito do tratamento em questão. Todas as fases do estudo experimental devem ser muito bem monitoradas para se evitar os vieses que embora possam ocorrer, fiquem minimizados, em um estudo prospectivo, no qual as variáveis são conhecidas previamente à intervenção propriamente dita, fazendo com que a validade interna dos resultados aumente. Como evidência científica, o artigo analisado pode ser classificado como um estudo de Grau A Nível 1c. Ressalta-se que este foi um estudo de maior consistência, coerência e clareza que os três artigos avaliados anteriormente neste semestre em MCO2. Contudo, alguns aspectos foram aventados sob a perspectiva metodológica com o objetivo de converter a leitura, a apresentação e a posterior discussão, em um exercício de análise crítica. As principais críticas relaciona-se à falta da descrição do processo de randomização e a falta de cálculo do tamanho da amostra. Em seguida, apresentam-se os principais pontos discutidos durante o seminário. 1- Título - Sugeriu-se que, sendo um ECR, os autores deveriam ter declarado no título o modelo do estudo e o modo como os pacientes foram distribuídos nos grupos. A presença no título de termos como “ensaio clínico” e “randomizado” é altamente recomendável (MARTINS et al., 2009). Essa medida facilita a indexação do trabalho nas bases de dados como ECR. 2- Introdução - A fundamentação teórica foi concisa e suficiente. - Este tipo de estudo consome mais tempo, é mais oneroso e deve ser escolhido para perguntas bem definidas. A pergunta da pesquisa não foi explicitada. Embora seja um estudo analítico e que verifica hipótese, esta também não foi formulada explicitamente. 3- Metodologia - Faltou menção ao local onde foi realizado o estudo e onde os dados laboratoriais foram coletados e analisados. - Os métodos de mensuração foram determinados, mas a variável primária e as variáveis secundárias não foram claramente definidas; não se sabe, de forma explícita, se a glicemia é a variável primária, ou se o são as variáveis antropométricas.
- Uma importante omissão foi o fato de não se ter mencionado como foi calculado o tamanho da amostra. Assim, os resultados negativos podem dever-se a erros tipo II. O cálculo do tamanho da amostra é uma etapa importante no planejamento do estudo, sendo sempre o ponto mais inicial para que os resultados obtidos possam responder à questão formulada. Se cálculos de tamanho de amostra não foram conduzidos a priori, o relato de um ensaio clínico com resultados negativos deveria prover cálculos de poder estatístico post hoc para detectar uma diferença clinicamente importante.
- Parâmetros necessários para cálculo do tamanho da amostra em ECR são desvio-padrão, diferença a ser detectada, nível de significância, poder do teste e direcionalidade do teste de hipótese (unicaudal e bicaudal). - Não foram esclarecidos os métodos usados para gerar a sequência de alocação aleatória; é importante relatar como se deu a randomização. Em outras palavras, qual o método usado para implementar a alocação aleatória (ex: containeres numerados, computador)? E a sequência se manteve em sigilo até que as intervenções tivessem sido designadas? Quem gerou a sequência de alocação, quem recrutou participantes e quem os alocou aos grupos? Estas são perguntas importantes que surgem na leitura do artigo e que ficam sem resposta. - Por outro lado, não se informa também se participantes, colaboradores e pesquisadores foram mantidos às cegas em relação à alocação aos grupos. E se não o foram, como parece ter sido o caso neste estudo, afirmar que o estudo é aberto. É possível que tenha havido impossibilidade de mascaramento uma vez que as intervenções não podiam ser ocultadas, porém quem analisou os dados poderia não ter conhecimento da designação dos pacientes para os grupos. O processo de randomização deve ser definidos a priori, bem como os parâmetros utilizados para avaliação dos resultados. Quanto menor possibilidade de erros sistemáticos, fatores de confusão, melhor a qualidade metodológica do estudo em questão. - A população estudada foi bem definida pelos critérios de inclusão, mas não foram descritos critérios de exclusão do trabalho. - O número de participantes perdidos no decorrer da pesquisa não foi mencionado. Em toda pesquisa existe uma quantidade variável de participantes que não persistem no estudo até seu final, mesmo sendo ela com um período de duração relativamente curta, como cinco meses. Perdas de seguimento dos pacientes ao longo do estudo podem afetar as conclusões deste, uma vez que a resposta desconhecida desses pacientes ao tratamento poderia mudar os resultados da comparação. Trabalhos com perda de pacientes acima de 20% devem ser vistos com dúvida. - O uso de medicamentos pelos pacientes participantes da pesquisa pode constituir um fator de confusão, pois estão desigualmente distribuídos entre os três grupos. A "suposta" randomização (que não foi descrita e deveria ter sido) poderia ter neutralizado esse possível viés. O critério aleatório de designação dos pacientes para os grupos faz com que as possibilidades de cada paciente vir a pertencer a cada grupo são determinas apenas pelo acaso. - Na análise estatística, poderia ter sido mais adequado o uso de medianas ao invés de médias como medida de tendência central, pois os grupos têm pequeno tamanho e não se sabe se as variáveis têm distribuição normal. - Os autores não justificaram com propriedade o modelo estatístico empregado nas inferências. Na estatística inferencial, o teste não-paramétrico de Kruskall-Wallis está bem indicado na comparação dos três grupos (análise intergrupos). Mas não a Anova de medidas repetidas, que é um teste paramétrico! Esta deveria ter sido substituída pelo teste de Wilcoxon, que é não-paramétrico para amostras pareadas. Uma técnica estatística é chamada paramétrica quando o modelo do teste especifica certas condições sobre os parâmetros da população da qual a amostra foi obtida, para que possa ser utilizada. Uma técnica estatística não paramétrica é aquela que compreende um teste cujo modelo não especifica condições sobre os parâmetros da população da qual a amostra foi obtida. Amostras pequenas geralmente exigem métodos não-paramétricos (por isso também chamados de métodos da estatística de pequenas amostras). - Os autores forneceram informação quanto às medidas basais dos grupos em estudo, o que é um aspecto necessário para avaliar os resultados posteriores à intervenção. - Não foram apresentados intervalos de confiança (IC) na descrição de resultados. A apresentação dos ICs é importante na avaliação da precisão das estimativas, sobretudo em relação às comparações em que nenhuma evidência foi encontrada. - Quanto à validade dos métodos usados para avaliação das variáveis, questionou-se se o Protocolo de Polock & Jackson usado neste estudo era aplicado à população geral ou apenas a atletas. Sabe-se que existem, na literatura, inúmeras equações que utilizam as medidas de dobras cutâneas e outras medidas antropométricas, como circunferências, para determinação da composição corporal. Glaner e Rodriguez-Añez (1999) citam Yuhasz (1962), Sloan (1967), Faulkner (1968), Katch e McArddle (1973), Jackson e Pollock (1978), Guedes (1988) e Petroski (1995). Verificou-se que esta última refere-se à validação no Brasil da equação de Pollock & Jackson (PETROSKI, 1999; PETROSKI, 1995).
- Entretanto, a validade dessas equações que utilizam medidas de dobras cutâneas para predizer a composição corporal é restrita para a população da qual essas equações foram derivadas. Portanto, a validade dessas equações precisa ser cuidadosamente avaliadas no momento da sua escolha. Para selecionar o método e a equação mais adequados, fatores como, idade, sexo, etnia, nível de atividade física e quantidade de gordura corporal, precisam ser levados em consideração (FONSECA et al., 2007; REZENDE et al., 2006). A idade, por exemplo, é um dos fatores determinantes para as alterações da composição corporal. Com o avançar da idade, ocorre redistribuição e aumento da gordura corporal, com redução da gordura corporal periférica e subcutânea e acúmulo intra-abdominal. - Diante dos dados existentes na literatura, percebe-se que equações muito generalizadas, que compreendem amplas faixas etárias, devem ser utilizadas com cautela, como ocorre com a de Polock & Jackson. Assim, diante da escassez, no Brasil, de estudos de validação das equações utilizadas para estimar a gordura corporal, é questionável a aplicabilidade dessas fórmulas, portanto mais estudos são necessários para assegurar uma avaliação da composição corporal mais fidedigna. - Outro questionamento que surgiu foi: O tempo de seguimento dos pacientes foi suficientemente longo e completo? O efeito do tratamento, na dependência da história natural da doença, só pode ser avaliado após um período adequado de tempo de seguimento. Esse período, quando encurtado, pode levar, por meio de desfechos intermediários, a conclusões inadequadas, que exageram ou reduzem os efeitos do tratamento (NOBRE et al., 2004). - O questionamento seguinte referiu-se às vantagens e desvantagens do ensaio clínico. Segundo Avezum et al. (1998), as vantagens e as desvantagens são as seguintes:

Vantagens: (1) os grupos apresentam maior probabilidade de comparação porque os fatores de confusão encontram-se provavelmente balanceados entre os grupos; 2) há maior probabilidade do pesquisador e pessoal envolvidos no estudo estarem sob a condição cega; 3) a maioria dos testes estatísticos está vinculada ao princípio da designação randomizada; 4) permite avaliação rigorosa de efeito de uma droga versus placebo ou outra droga em uma grupo precisamente definido (exemplo: infarto agudo do miocárdio dentro das primeiras 12h de início dos sintomas em pacientes com mais de 50 anos de idade); 5) planejamento prospectivo; 6) erradicação potencial de viéses; 7) permite utilização para revisões sistemáticas ou metanálises.

As desvantagens são as seguintes: 1) custos mais elevados e maior consumo de tempo; 2) os pacientes que voluntariamente aceitam participar do estudo podem não ser representativos da população; 3) segundo alguns, um tratamento potencialmente efetivo não seria administrado a alguns pacientes. Entretanto, desde que existam dúvidas quanto à eficácia de um tratamento, a melhor maneira de esclarecer e confirmar as sugestões promissoras é a comprovação científica através do estudo clínico controlado randomizado; 4) algumas vezes utiliza-se objetivos substitutos ao invés de objetivos clínicos relevantes preferencialmente; 5) falha em randomizar todos pacientes que preencham os critérios de inclusão e em aplicar a condição cega para os investigadores (AVEZUM et al., 1998).

4- Resultados - Não foi apresentado o fluxo de participantes em cada estágio (um fluxograma é recomendável). O fluxo deve demonstrar, para cada grupo, número de participantes alocados, que receberam tratamento, que completaram o protocolo e que foram analisados para resultados primários. O fluxograma deve mostrar os quatro estágios de um ensaio clínico randomizado controlado: recrutamento, alocação, acompanhamento e análise. Os autores devem usá-lo como guia e auxílio durante a realização do ensaio e seu relato, podendo incluí-lo no artigo a ser publicado. O CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials), um protocolo de realização e relato de ensaios clínicos, desenvolvido por pesquisadores e editores, desenvolveu um fluxograma e uma lista de checagem para orientação dos pesquisadores em relação ao fluxo de pacientes. - Não foram descritos desvios do plano de estudos original, o que é recomendável no relato de ensaios clínicos controlados. - As datas dos períodos de recrutamento e acompanhamento também não foram mencionadas. - O número de participantes em cada grupo (denominador) deveriam ter sido incluídos em cada análise, sobretudo quando a amostra é relativamente pequena, ou quando determinado subgrupo da amostra é pequeno, o pesquisados deve expor as porcentagens e também as freqüências correspondentes. Por exemplo: apresentar resultados em números absolutos (ex: 10/20 e não 50%).
- Para cada grupo primário e secundário de dados obtidos, deveria ter sido apresentada a estimativa da precisão e do efeito (exemplo: 95% de intervalo de confiança). - No primeiro parágrafo da seção de Resultados, os autores afirmam que não houve diferença significativa entre na avaliação basal entre os três grupos. Daí, supõe-se que não houve diferença estatística significativa. Mas deveriam ter acrescentado o termo "estatística" ou, entre parênteses, o nível de p (p=NS) ou 0.05.
5- Discussão - Na interpretação dos resultados, além da análise dos resultados, deveriam ter sido considerados a hipótese, fontes potenciais de enviesamento ou imprecisão e os riscos associados à multiplicidade das análises e resultados e a validade externa das descobertas do estudo. - Foi feita uma adequada interpretação geral dos resultados no contexto das evidências atuais. - Espera-se que os autores da pesquisa indiquem todos os limites do estudo, quer se refiram à sua definição do problema, ao método escolhido e à sua aplicação, etc. - Os autores selecionaram a amostra tendo como um dos critérios de inclusão o índice de massa corpórea (IMC) de 25 a 35 kg/m2. Teria sido interessante um estudo comparativo com pacientes de diferentes idades e diferentes IMC. - A implicação da pesquisa para a prática médica não foi discutida. Considerou-se durante o seminário que a recomendação médica habitual de prática de três vezes por semana de exercícios físicos poderá passar a ser com uma frequência, pelos maiores benefícios potenciais desse exercício. Referências utilizadas para a análise crítica do artigo AVEZUM, Álvaro. Cardiologia baseada em evidências - IV. Principais estratégias de pesquisa e níveis de recomendações em cardiologia. Arq. Bras. Cardiol. 71 (5): 649-652, 1998. FONSECA, P. H. S.; MARINS, J. C. B.; SILVA, A. T. Validação de equações antropométricas que estimam a densidade corporal em atletas profissionais de futebol. Rev. bras. med. esporte;13 (3): 153-156, 2007. MARTINS, J.; SOUSA, L. M.; OLIVEIRA, A. S. Recomendações do Enunciado CONSORT para o Relato de Estudos Clínicos Controlados e Randomizados. Medicina (Ribeirão Preto), 42 (1): 9-21, 2009. NOBRE, M. R. C.; BERNARDO, W. M.; JATENE, F. B. A prática clínica baseada em evidências: Parte III Avaliação crítica das informações de pesquisas clínicas. Rev. Assoc. Med. Bras. 50 (2): 221-228, 2004. GLANER, M. F.; RODROGUEZ-AÑEZ, C. R. Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano. 1 (1): 24-29, 1999. PETROSKI, E. L. Desenvolvimento e validação de equações generalizadas para a estimativa da densidade corporal em adultos. Tese de Doutorado: Universidade Federal da Santa Maria, 1995. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/8955761/Tese-Edio-Petroski. Acesso em: 19 jan 2010. PETROVSKI, E. L. Antropometria, técnicas a padronizações. 2a Ed. Porto Alegre: Pallotti, 1999. REZENDE, F. A. C. et al. Aplicabilidade de equações na avaliação da composição corporal da população brasileira. Rev. Nutr. 19 (3): 357-367, 2006.