29 de janeiro de 2011

Síndrome de Tourette

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
A Síndrome de Gilles de La Tourette é uma doença caracterizada pelo comprometimento psicológico e social dos acometidos, causando impacto na vida dos portadores e familiares. Os tiques motores simples caracterizam-se por movimentos abruptos, repetidos e sem propósito, envolvendo contrações de grupos musculares funcionalmente relacionados (por exemplo, piscar os olhos e movimentos de torção de nariz e boca). Os tiques motores complexos incluem imitação de gestos realizados por outrem, sejam eles comuns (ecocinese) ou obscenos (ecopraxia) e a realização de gestos obscenos (copropraxia). Trata-se de um distúrbio genético, de natureza neuropsiquiátrica, caracterizado por fenômenos compulsivos, como tiques motores ou vocais, tendo início antes dos 18 anos de idade. O diagnóstico e tratamento precoces são essenciais, a fim de reduzir ou evitar possíveis consequências psicológicas.
Palavras-chaves: Síndrome de Tourette; Tiques; Psiquiatria Infantil.
A síndrome de Tourette ou Síndrome de Gilles de La Tourette (ST/SGT) é uma doença caracterizada pelo comprometimento psicológico e social dos acometidos, causando impacto na vida dos portadores e familiares (LOUREIRO, 2005), por estar associada ainda a uma variedade de problemas comportamentais e emocionais. A primeira descrição de um paciente com tiques e comportamentos, que caracterizam a ST, ocorreu em 1825, pelo médico francês Jean Marc Gaspard Itard, que diagnosticou a "maldição dos tiques" na Marquesa de Dampierre.
Entretanto, somente em 1884, esta doença recebeu o nome de síndrome de Gilles de la Tourette, quando o aluno Gilles de la Tourette, no Hospital de la Salpêtrière, relatou a afecção como um distúrbio caracterizado por tiques múltiplos, incluindo o uso involuntário ou inapropriado de palavras obscenas (coprolalia) e a repetição involuntária de um som, palavra ou frase de outrem (ecolalia), baseado nos relatos do próprio Itard (GILLES DE LA TOURETTE, 1885). Nos últimos anos, a incidência de casos de ST vem crescendo em todo mundo, provavelmente, devido à maior disponibilidade de informações e conhecimento sobre esta doença pelas equipes de saúde que a diagnosticam (KAPLAN; SADOCK,2008). EPIDEMIOLOGIA A ST, até pouco tempo, era considerada uma condição rara de índices de baixíssima incidência na população mundial (0,5/1000, em 1984) (KAPLAN; SADOCK,2008). Entretanto, tem-se observado, atualmente, através de estudos de prevalência, o aumento de sua incidência nos últimos anos. Atualmente, a taxa de prevalência pode variar de 1% a 2,9%. Contudo, este dado deve ser subestimado, uma vez que depende, em parte, dos critérios e métodos utilizados e do tipo de estudo epidemiológico realizado. Dados estatísticos internacionais mostram que esta síndrome é encontrada em vários países, independentemente de classe social ou de etnia, acometendo cerca de três a quatro vezes mais o sexo masculino, em relação ao sexo feminino (KAPLAN; SADOCK, 2008).
A prevalência de ST é dez vezes maior em crianças e adolescentes. A razão para este aumento na detecção da incidência mundial da ST parece ser a melhoria na divulgação e no conhecimento das características clínicas da ST, entre os profissionais da área de saúde. CARACTERÍSTICAS A ST é um distúrbio genético, de natureza neuropsiquiátrica, caracterizado por fenômenos compulsivos, que, muitas vezes, resultam em uma série repentina de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais, durante pelo menos um ano, tendo início antes dos 18 anos de idade (APA,2010). Estes tiques podem ser classificados como motores e vocais, subdividindo-se, ainda, em simples e complexos. Geralmente, pacientes com ST apresentam, inicialmente, tiques simples, evoluindo para os mais complexos; entretanto, o quadro clínico pode variar de paciente para paciente (LOUREIRO, 2005). Os tiques motores classificam-se de acordo com o grupamento muscular envolvido. Os tiques motores simples caracterizam-se por movimentos abruptos, repetidos e sem propósito, envolvendo contrações de grupos musculares funcionalmente relacionados (por exemplo, piscar os olhos e movimentos de torção de nariz e boca). Os tiques motores complexos são mais lentos, envolvem grupos musculares não relacionados funcionalmente e parecem propositais (TOURETTE SYNDROME CLASSIFICATION STUDY GROUP, 1993).
Os tiques motores complexos incluem imitação de gestos realizados por outrem, sejam eles comuns (ecocinese) ou obscenos (ecopraxia) e a realização de gestos obscenos (copropraxia) (BRAUNWALD et al., 2008). São frequentemente observados compulsões e gestos balizados, simétricos ou mesmo movimentos violentos com arremesso de objetos. Os tiques vocais simples incluem, comumente, coçar a garganta e fungar, enquanto que os tiques vocais complexos compreendem o uso involuntário ou inapropriado de palavras chulas ou obscenas (coprolalia), repetição de palavras ou frases (palilalia) e repetição involuntária das frases de outrem (ecolalia). Observa-se, também, o uso repetido de palavras aleatórias, caracterizadas por sonoridade complexa ou exótica, arbitrariamente colocadas entre ou no meio das frases.
É importante ressaltar que a simples presença do tique não caracteriza a ST, uma vez que, estudos comprovaram que, 10% das crianças, presentes na população em geral, apresentam tiques em algum momento. Todas as formas de tiques podem ser exacerbadas por estresse, sendo normalmente reduzidas durante o sono e em algumas atividades que exijam concentração. Os tiques têm início em torno dos cinco aos 10 anos de idade e tornam-se mais pronunciados na faixa etária de 10 e 13 anos, mas uma grande parte dos pacientes com ST apresentam remissão e mais de 40% estarão livres dos tiques até o fim da adolescência. Com base nesses dados, o diagnóstico da ST é realizado através da presença de sinais e sintomas característicos e pela história de surgimento desses sintomas. Não existe, atualmente, nenhum teste laboratorial específico que confirme o diagnóstico da ST. Contudo, exames complementares (Eletroencefalograma, tomografia ou análises sanguíneas) podem ser úteis no diagnóstico diferencial da ST, contribuindo para a exclusão de outros distúrbios que possuem sintomas semelhantes (LOUREIRO, 2005). Devido ao fato de a ST não apresentar um sintoma único, mas um conjunto de sinais e sintomas, a dificuldade no diagnóstico é evidente, quando se compara esta patologia com outras relacionadas, como: doença de Wilson, doença de Huntington, coréia de Sydenham, doença de Hallervorden-Spatz e com alguns tiques simples e múltiplos.
Dependendo da equipe de saúde que atende o paciente afetado pela ST, o seu diagnóstico pode demorar muito, sendo os sintomas atribuídos comumente a algum transtorno psiquiátrico. Esses diagnósticos demorados e/ou errôneos podem submeter os pacientes a tratamentos desnecessários e dispendiosos, antes de se definir propriamente a patologia e o procedimento correto a ser realizado (LOUREIRO,2005). No entanto, algumas características peculiares e o quadro clínico do paciente auxiliam no diagnóstico conclusivo da ST, onde sintomas como: a presença de múltiplos tiques motores e vocais, com início antes dos 18 anos de idade, sem origem em nenhuma resposta fisiológica (por exemplo, uso de estimulantes), com ocorrências diárias, estendendo-se por mais de um ano e com comprometimento social, ocupacional e/ou emocional, tornam-se decisivos para a definição do quadro patológico (BRAUNWALD et al., 2008). CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM IV
A. Múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais estiveram presentes em algum momento durante a doença, embora não necessariamente ao mesmo tempo.(Um tique é um movimento ou localização súbita, rápida, recorrente, não rítmica e estereotipada.) B. Os tiques ocorrem muitas vezes ao dia (geralmente em ataques) quase todos os dias ou intermitentemente durante um período de mais de 1 ano, sendo que durante este período jamais houve uma fase livre de tiques superior a 3 meses consecutivos. C. A perturbação causa acentuado sofrimento ou prejuízo significativo no funcionamento social, ocupacional ou outras áreas importantes da vida do indivíduo. D. O início dá-se antes dos 18 anos de idade. E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., estimulantes) ou a uma condição médica geral (por ex., doença de Huntington ou encefalite pós-viral).
ETIOLOGIA Durante a última década, tem sido possível observar significativo progresso na investigação genética da etiologia da ST. Anormalidades cromossomiais em indivíduos e famílias portadoras da ST têm sido estudadas, no intuito de identificar genes como o gene A da monoamina-oxidase (MAOA) e regiões cromossômicas como a 18q22, 17q25 e 7q31 , que parecem estar envolvidas nesta patologia. Neste processo de identificação, evidências sugerem que a ST seja um distúrbio genético de caráter autossômico dominante, visto a frequência de casos de tiques e manifestações obsessivo-compulsivas entre familiares desses pacientes, observada em estudos multicêntricos. Até o presente momento, não foi possível identificar um marcador genético de forma definitiva para a ST (MIRANDA, 2007). Com isso, outros fatores também têm sido associados à patogênese da ST, tais como, o possível papel de infecções estreptocócicas na patogênese dos tiques. Em alguns casos, as reinfecções por Streptococcus estão diretamente associadas com a recorrência de sintomas neuropsiquiátricos.
A detecção de auto-anticorpos que reagem com o tecido cerebral em pacientes com tiques e/ou distúrbios obsessivo-compulsivos levou os pesquisadores do Instituto Nacional de Doenças Mentais (National Institute of Mental Health – NIMH) a formularem critérios clínicos para um subgrupo de crianças com distúrbios obsessivo-compulsivo ou ST, nas quais as exacerbações dos sintomas são bruscas, dramáticas e temporariamente relacionadas com infecções Streptococcus ß-hemolítico do grupo A. Esse quadro clínico gerou a denominação distúrbios neuropsiquiátricos pediátricos auto-imune associados com infecções estreptocócicas.
Anticorpos dirigidos contra a glicoproteína de oligodendrócito da mielina (MOG) também têm sido implicados como possível fator auto-imune na patogênese da ST. Existem ainda possíveis indicações do envolvimento de infecções não-estreptocócicas na etiologia da ST, como a relação temporal entre infecções respiratórias virais e exacerbação de tiques e o aumento de receptores para o fragmento Fc da imunoglobulina IgM, em linfócitos B, em pacientes portadores de tiques (KAPLAN; SADOCK, 2008). Eventos pré ou pós-parto, onde a gravidade dos estressores durante a gestação tem sido analisada como fatores que poderiam contribuir para o desenvolvimento de distúrbios de tiques e para a patogênese da ST (CHIEN,2001). A análise de segregação de famílias indica que a ST é herdada de acordo com o padrão autossômico dominante com penetrância variável, dependendo do sexo.
Com isto, em virtude da elevada incidência de ST e tiques no sexo masculino, investiga-se a exposição do sistema nervoso central a altos níveis de testosterona e/ou outros hormônios gênero-específicos, como fatores importantes no desenvolvimento desta patologia . O estudo de imagens neurológicas tem possibilitado melhor entendimento sobre a base neural da ST, bem como, de sua provável patogênese. Diversas evidências do envolvimento do circuito córtico-estriato-tálamo-cortical (CSTC) e seus sistemas de neurotransmissão, associados com as características clínicas e comorbidades presentes na ST, têm sido amplamente divulgadas na literatura.
A supressão de tiques de pacientes submetidos a leucotomias e talamotomias, pela interrupção do circuito CSTC, apontam para o envolvimento direto deste na ST, sendo este fato observado através da visualização funcional da ressonância magnética, da análise das medidas de área do corpo caloso e pelo metabolismo da glicose e fluxo sanguíneo nas áreas corticais.

Do ponto de vista neuroquímico, diversas hipóteses sugerem o envolvimento do sistema dopaminérgico na patogênese da ST, visto que os neurolépticos, antagonistas da dopamina, são considerados efetivos no tratamento desta doença, por promover grande redução dos tiques.
Por outro lado, os estimulantes como o metilfenidato, a cocaína, a pemolina e a L-dopa causam exarcebação dos tiques . Com base nestes dados, sugerem-se alguns mecanismos pelos quais o sistema dopaminérgico poderia estar envolvido, tais como, anormalidades na liberação de dopamina, hiperinervação dopaminérgica e a presença de receptores dopaminérgicos supersensíveis. Anormalidades no reflexo de piscar os olhos presentes em pacientes com ST podem sugerir também aumento na atividade central dopaminérgica.
Além disso, mostrou-se densidade elevada do receptor dopaminérgico D2 na região pré-frontal de pacientes com ST, o que reforça a importância do sistema dopaminérgico na patogênese da ST. O papel de outros neurotransmissores, tais como, acetilcolina, Gaba, sistema opióide endógeno, serotonina e norepinefrina também é relevante. Devido ao fato de não se ter determinado, ainda, todos os fatores envolvidos no quadro neurológico anormal da ST, não se pode excluir a possibilidade da mesma ser uma síndrome multicausal. Dentre as patologias associadas à ST, o transtorno de déficit de atenção, acompanhado da hiperatividade e de sintomas obsessivo-compulsivos são os mais freqüentemente encontrados. Muitas das crianças afetadas pela ST e portadoras do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade podem apresentar também deficiências de aprendizagem. BREVE HISTÓRICO A mais antiga referência conhecida à síndrome de la Tourette é de 1489 e aparece no livro Malleus maleficarum ("martelo da bruxa"), de Jakob Sprenger e Heinrich Kraemer, onde é descrito o caso de um padre cujos tiques seriam supostamente relacionados à possessão demoníaca . O primeiro caso da síndrome de la Tourette foi identificado em 1825 por Jean Itard, médico francês, que descreveu os sintomas da Marquesa de Dampierre, uma aristocrata francesa que se notabilizou por proferir palavras obscenas publicamente, no meio de conversações. Décadas depois, já no final do século XIX, Jean-Martin Charcot confiou ao neurologista Georges Gilles de la Tourette, o estudo de pacientes do Hospital da Salpêtrière, visando definir uma doença distinta da histeria e da coreia.
Em 1885, Gilles de la Tourette, a partir da descrição do caso da Marquesa de Dampierre, publicou um relato sobre nove pacientes (Étude sur une affection nerveuse), e concluiu que seria necessário definir uma nova categoria clínica. A esta, Charcot chamou "doença de Gilles de la Tourette". Durante um século, não se conseguiu explicar ou tratar os tiques característicos da síndrome. A abordagem psiquiátrica foi privilegiada ao longo do século XX. A possibilidade de que as perturbações motoras, características da síndrome de la Tourette, pudessem ser de origem orgânica só foi considerada a partir de 1920, quando uma epidemia de encefalite, entre 1918 e 1926 desencadeou, na sequência, um aumento importante dos casos de distúrbios motores e tiques. Durante os anos 1960 e 1970, a abordagem psicanalítica foi contestada após a descoberta do haloperidol, que permite atenuar os tiques. A virada ocorreu em 1965, quando Arthur K. Shapiro, considerado como o precursor da pesquisa moderna no tratamento de tiques, publicou um artigo criticando a abordagem psicanalítica, depois de ter tratado um paciente, portador de síndrome de la Tourette, com haloperidol. A partir dos anos 1990, adota-se uma abordagem mais refinada, e a doença é geralmente considerada como uma combinação de vulnerabilidade biológica em interação com fatores ambientais. Em 2000, a Associação Americana de Psiquiatria publica o DSM-IV-TR, modificando o texto do DSM-IV. A partir de 1999, importantes descobertas ocorrem no campo da genética, da neuroimagem e da neurofisiologia. Muitas questões permanecem ainda sem resposta sobre a melhor maneira de caracterizar a síndrome de la Tourette e sobre o grau de proximidade com outros transtornos dos movimentos ou com transtornos psiquiátricos. Os dados epidemiológicos ainda são insuficientes, e os tratamentos disponíveis ainda oferecem riscos e nem sempre são bem tolerados pelo organismo (JEFFRIES, 2010). São portadores famosos da ST: Mahmoud Abdul-Rauf (ex-jogador da NBA), Dan Aykroyd (ator), Pete Bennett (cantor), James Boswell (autor), Brad Cohen (professor e autor premiado), Jim Eisenreich (ex-jogador de beisebol da Liga Profissional),Tim Howard (goleiro da seleção de futebol dos EUA), Samuel Johnson ( autor do século XVIII do “A Dictionary of the English Language”), Michael Wolff (músico de jazz) (JEFFRIES, 2010). Especula-se que também foram portadores da doença,a s seguintes personalidades históricas: Claudius, Napoleão, Molière, “Pedro, o grande” e Mozart ( ROTHENBERGER, 2009).
REFERÊNCIAS 1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 4th ed. Versão Eletrônica In PsiqWeb. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php?ltr=P. Acesso em: 29 jan. 2011. 2. BRAUNWALD, E.; FAUCI, A. S.; KASPER, D. L. et al. Harrison Medicina Interna, 17Ed. McGraw-Hill, Rio de Janeiro, 2008. 3. CHIEN, H.F.; BARBOSA, E. R.; MIGUEL, E. C. Síndrome de Gilles de la Tourette: estudo clínico de 58 casos. Arq. Neuro-Psiquiatr., São Paulo, v. 59, n. 3B, Set. 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2001000500015&lng=en&nrm=iso. Acesso em 29 jan. 2011. 4. GILLES DE LA TOURETTE, G.A.B. - Étude sur une affection nerveuse caractérisée par de I’incoordination motrice accompagnée d’écholaic et coprolalic. Arch Neurol 9: 19-42, 1885. 5. JEFFRIES,M. Como funciona a síndrome de Tourette. In: HowStuffWorks. Disponível em: http://saude.hsw.uol.com.br/tourette.htm. Acesso em 29 jan. 2011. 6.KAPLAN, H. I.; SADOCK. B.J. Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. 2a ed. São Paulo, Artmed, 2008. 7. LOUREIRO, N.L.V. et al. Tourette: por dentro da síndrome. Rev. Psiq. Clín. 32 (4); 218-230, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rpc/v32n4/26056.pdf Acesso em 30 de Out 2010. 8. MIRANDA D. M., ROMANO-SILVA M. A., TEIXEIRA A. L. Síndrome de Tourette: aspectos genéticos atuais. Rev Neurocienc. v15. n1 - JAN/MAR, 2007. Disponível em: http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2007/RN%2015%2001/Pages%20from%20RN%2015%2001-12.pdf> Acesso em 30 de Out 2010. 9. ROTHENBERGER, A. Informationen zum Tourette-Syndrom. Tourette-Gesellschaft Deutschland. Disponível em: http://www.tourette-gesellschaft.de/. Acesso em: 29 jan. 2011. 10. TOURETTE SYNDROME CLASSIFICATION STUDY GROUP, THE. Definitions and classification of tic disorders: The Tourette Syndrome Classification Study Group. Arch Neurol. 50 (10), 1993 Out. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8215958. Acesso em: 28 jan. 2011.

26 de janeiro de 2011

A Era da Confusão Informativa

O cidadão midiático e a era da confusão informativa Transcrição do texto postado por Carlos Castilho em 24/1/2011 às 17:45:22 no blog do "Observatório da Imprensa". Foram feitas algumas alterações no texto para sintetizá-lo e melhor formatá-lo. Incluímos aspas seguidas de "grifo nosso" em algumas expressões. Texto publicado originalmente no link:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/blogs.asp?id_blog=2&id={54523D6C-9653-4571-8811-4AF4D237C383}. Acesso em 25 jan. 2011.
O norte-americano Dan Gillmor acaba de publicar um livro sobre o que ele chamou de “era da confusão informativa”. O consultor da Fundação Knight para empreendedorismo jornalístico online, reconhece que a avalanche informativa na web ultrapassou todas as previsões e que o público começa a dar sinais de uma preocupante tendência: uma "ressaca cognitiva" (grifo nosso). As pesquisas consultadas por Gillmor em seu novo livro, intitulado MediaActive [2], mostram que os consumidores de informação começam a demonstrar crescente intolerância diante da enorme quantidade de notícias que circulam na web e na imprensa ao constatar que a maioria delas são meias verdades ou totalmente falsas. Este é um comportamento que já havia sido previsto por vários autores mencionados aqui nos posts do Código, há algum tempo, como um desdobramento inevitável da avalancha de dados, informações e conhecimentos publicados na web. Os dados são impressionantes. Em 2002, todo o acervo [3] de documentos digitalizados na internet não passava de 5 bilhões de exabytes. Em 2009, este total disparou para 281 bilhões de exabytes [4]. As informações produzidas por indivíduos e publicadas na web sob forma de blogs, tweets, fóruns, chats, redes sociais, bancos de dados, páginas web, noticias etc aumentaram 15 vezes entre 2006 e 2009. Segundo Mark Hurd, presidente da empresa de informática Hewlett Packard, nos próximos quatro anos a quantidade de informações publicadas na web será maior do que tudo o que foi produzido pela humanidade até agora em matéria de conhecimento. Estatísticas como essas causam impacto, mas as pessoas comuns estão se dando conta muito lentamente do que isso significa no nosso quotidiano. Elas só começam a sentir os efeitos da avalancha informativa quando percebem sua incapacidade de poder contextualizar as notícias diante da diversidade de versões. Gillmor é um dos muitos estudiosos da informação online que depois de se deslumbrar com as incríveis potencialidades do mundo digital e da Internet começa a agora a dar-se conta do potencial de incertezas e desorientação gerado pela democratização cada vez maior na produção de conteúdos noticiosos, tanto no formato escrito como no audiovisual. Está ocorrendo um fenômeno curioso. Os "deslumbrados" (grifo nosso) com a revolução digital tornam-se agora mais céticos e desconfiados enquanto os tecnofóbicos, contrariando as expectativas, tornam-se cada vez mais presentes nos fóruns, comunidades virtuais, twitter e blogs, como mostram as pesquisas sobre participação crescente da terceira idade na Internet. Mas não é só isso. Não dá mais para voltar atrás e não nos resta outra alternativa senão enfrentar os dilemas da era da confusão informativa desenvolvendo os recursos necessários para tornar mais confortável a convivência com a dúvida e com a incerteza. É o que propõe o exercício da leitura crítica, um recurso informativo que até agora era considerado privilégio dos intelectuais e acadêmicos, mas que começa a ser praticado até mesmo pelos leitores de jornais, revistas ou telespectadores. Sem a leitura crítica fica difícil conviver com o "tiroteio" (grifo nosso) informativo presenciado diariamente em nossos jornais, revistas e telejornais. Quem não se dispuser a desenvolver o seu próprio "kit" (grifo nosso) de leitura crítica, provavelmente será empurrado para duas opções, ambas igualmente arriscadas: a descrença total, o que equivale a um autismo informativo, e a credibilidade incondicional, similar a um ato de fé cega. Ambas muito próximas do fanatismo. ____________________________ [1] Traduzido para o português pela editora lusitana Presença, com o título Nós, os Medias (2005). [2] O texto integral do livro, em inglês, pode ser baixado no endereço: http://mediactive.com/wp-content/uploads/2010/12/mediactive_gillmor.pdf [3] Dados divulgados em agosto de 2010 por Marissa Mayer, vice-presidente de pesquisas da empresa Google. [4] Cada exabyte equivale a 1.152.921.504.606,84 de megabytes Bytes (um trilhão de megabytes) ou 1 152 921 504 606 846 976 Bytes.

24 de janeiro de 2011

Ensino de Semiologia Médica em Enfermarias

ENFERMARIAS DE HOSPITAL UNIVERSITÁRIO COMO CENÁRIO DE ENSINO DE SEMIOLOGIA MÉDICA
UNIVERSITY HOSPITAL WARDS AS TEACHING SCENARIO OF CLINICAL EXAMINATIONRilva Lopes de Sousa-Muñoz(1), Gabriel Clemente de Brito Pereira (2), Bruno Melo Fernandes (2), Guilherme Augusto Teodoro de Athayde (2), João Guilherme Pinto Vinagre (2), Mara Rufino de Andrade (2), Ana Paula Freitas Silva (2), Daniel Espíndola Ronconi (2), Camila de Oliveira Ramalho (2).

(1) Professora do Departamento de Medicina Interna / Centro de Ciências Médicas / Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
(2) Estudantes do Grupo de Estudos em Semiologia Médica (GESME) / UFPB

Resumo
Os objetivos deste estudo foram avaliar o perfil clínico da clientela adulta hospitalizada nas enfermarias de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e o potencial do serviço como cenário prático de aprendizagem para Semiologia Médica. O modelo foi descritivo e transversal. Realizaram-se entrevistas, exame clínico e revisão dos prontuários. As variáveis avaliadas foram sintomas, achados de exame físico, sistema acometido, diagnóstico principal, permanência hospitalar e participação dos pacientes nas aulas práticas. Avaliaram-se 54 pacientes de 18 a 78 anos (43,8±16,6). Idade, doenças prevalentes, achados do exame físico, média de permanência hospitalar e diagnóstico foram compatíveis com um perfil de doenças crônicas e de alta complexidade. Os sítios onde o encontro de achados semiológicos foram mais frequentes são necessários ao aprendizado da semiologia geral. Os achados semiológicos mais encontrados também corresponderam aos indispensáveis ao aprendizado do exame clínico fundamental. A maioria dos pacientes foi receptiva e tinha condições clínicas de participar de aulas práticas. Conclui-se que existe um cenário favorável ao aprendizado de estudantes de Semiologia nas enfermarias do HULW para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras.
Palavras-chave: Educação de Graduação em Medicina. Serviço hospitalar de educação. Sinais e sintomas. Exame físico. Clínica médica.
HOSPITAL WARDS AS TEACHING SCENARIO OF CLINICAL EXAMINATION
Abstract

The objectives of this study was to evaluate the clinical profile of adult customers hospitalized in the wards of internal medicine at the Lauro Wanderley University Hospital (HULW) and the potential of serving as practical learning scenario for clinical examination . The model was descriptive and transversal. There were interviews, clinical examination and review of medical records. The variables evaluated were symptoms, physical examination findings, systems affected, primary diagnosis, hospital stay and patients' participation in practical classes of clinical examination. We evaluated 54 patients aged from 18 to 78 years (43.8 ± 16.6). Age, Illness, physical examination findings, the mean hospital stay and diagnosis were consistent with a profile of chronic diseases and high complexity. The sites where the meeting of clinical findings were more common are necessary for learning general clinical examination. Clinical symptoms also found it necessary to correspond to the learning of basic medical examination. Most patients were conducive and had medical conditions to participate in practical classes. Conclude that there is a setting favorable to learning for students in the clinical wards of HULW for the development of psychomotor skills.
Key-Words: Undergraduate Education in Medicine. Education department, hospital. Signs and symptoms. Clinical examination. Internal medicine.

INTRODUÇÃO

Recentemente tem sido enfatizado que, para o processo de ensino-aprendizagem prático de Semiologia Médica, os procedimentos pedagógicos devem incluir o treinamento não só em ambulatórios e não só em enfermarias. Este constitui um tema atual de discussão na literatura sobre ensino médico.1-5

Sabe-se que há vantagens e desvantagens do ensino-aprendizagem em cada um desses cenários. A abordagem de condições agudas, com sintomas e sinais distintos, maior treinamento em propedêutica e procedimentos são vantagens do ensino hospitalar. Por outro lado, habilidades de comunicação e aprendizagem sobre os aspectos psicossociais são competências que se adquirem principalmente no ambiente ambulatorial, onde ocorrerá a maior parte da prática clínica do futuro médico.

Contudo, mesmo considerando a necessidade de diversificação de cenários de aprendizagem que, sem dúvida, é um aspecto importante na prática pedagógica em Medicina, há que se ponderar também o declínio do ensino à beira do leito, apesar de sua importância no treinamento discente. Esse declínio pode representar um problema tão importante quanto a questão da tradicional falta de diversificação dos cenários de aprendizagem.6

Considerando que a formação médica deve ter no ensino hospitalar parte da integralidade da sua ação pedagógica, os objetivos deste trabalho foram avaliar o perfil clínico da clientela adulta hospitalizada nas enfermarias de clínica médica do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e o potencial do serviço como cenário prático de aprendizagem para estudantes de Semiologia Médica.

METODOLOGIA

O modelo deste estudo foi descritivo e transversal. O local da pesquisa foram as enfermarias de Clínica Médica do HULW. A amostra foi constituída por pacientes adultos (maiores de 18 anos), internados nas referidas enfermarias e que consentiram em participar do estudo. Foram excluídos da amostra os pacientes em isolamento e os que se recusaram a participar da pesquisa.

A coleta de dados foi feita através de entrevistas, exame clínico dos pacientes e revisão dos prontuários pelos monitores de Semiologia Médica do curso de graduação em Medicina da Universidade Federal da Paraíba. O instrumento de coleta de dados foi um formulário elaborado para verificação das variáveis demográficas, clínicas e ligadas à participação dos pacientes nas aulas práticas.

Os monitores de Semiologia avaliaram todos os pacientes hospitalizados nos 70 leitos da enfermaria de clínica médica do HULW no período de julho de 2008 a janeiro de 2009.

As variáveis avaliadas foram sócio-demográficas (idade, sexo), clínicas (sintomas, sinais, achados de exame físico, sistema acometido, diagnóstico principal [provisório e definitivo), permanência hospitalar e participação dos pacientes nas aulas práticas (consentimento do paciente e sua condição clínica de participar).

O diagnóstico principal correspondeu ao problema central de saúde que motivou a admissão do paciente no hospital, sendo categorizado por grupo de doenças, com base na 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10. (7).

O sintoma ou sinal que motivou a hospitalização foi aquele que figurou como queixa principal da anamnese à admissão do paciente. Foi realizada classificação da gravidade do estado clínico dos pacientes nas categorias grave, regular e bom.

O projeto do presente estudo foi submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HULW. Todos os pacientes internados nas enfermarias de clínica médica do HULW que preencheram os critérios de inclusão foram recrutados após assinatura do Termo de Consentimento.

RESULTADOS

Avaliaram-se 54 pacientes, 28 (51,8%) do gênero masculino. A idade variou entre 18 e 78 anos (43,8 ± 16,6). Foram excluídos da amostra cinco pacientes, que se encontravam em isolamento reverso durante o período de internamento.

Analisando-se o diagnóstico principal de hospitalização dos pacientes, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, observou-se que as enfermidades do aparelho cardiovascular foram as mais frequentes, representando 28,5% dos diagnósticos da amostra. A segunda categoria de diagnóstico mais frequente foram as doenças reumatológicas (12,9%), seguida pela de doenças do aparelho digestório (11,1%).

Os diagnósticos admissionais prevalentes foram insuficiência cardíaca congestiva (12/22,2%) e lupus eritematoso sistêmico (8/14,8%). Os diagnósticos foram considerados como definitivos em 35 (35/64,8%) e provisórios em 19 (35,2%), conforme verificado nos resumos de alta dos pacientes. As queixas principais prevalentes à admissão foram dispnéia (17/31,5%), dor torácica (10/18,5%) e dor abdominal (6/11,1%). O número médio de sinais e sintomas registrados no interrogatório dirigido foi 9,0 ± 4,1. Os achados do exame físico segmentar encontrados com maior frequência relacionavam-se ao exame do abdome (n=22/40,7%), respiratório (n=16/29,6%) e cardiovascular (14/25,9%).

Os sinais clínicos do exame físico mais frequentemente encontrados foram ascite, edema subcutâneo, lesões elementares de pele, icterícia, palidez cutâneo-mucosa, alterações de ausculta cardiopulmonar, visceromegalias abdominais e emagrecimento.

Os monitores classificaram o estado geral dos pacientes avaliados como grave em 5 (9,2%) casos, grave apenas à admissão (3/5,5%) e não-grave em 46 (85%). O tempo médio de internação foi de 27,3 dias (± 21,8).

Quanto ao consentimento na participação dos pacientes no ensino, 83,3% foram concordantes em participar (tabela 2). A avaliação do estado clínico geral indicava que este aparentemente permitia a participação do paciente nas aulas práticas de Semiologia em 88,8%, havendo outros impedimentos à sua participação em dois casos (repouso absoluto para realização de exames hormonais e não participação por solicitação do médico assistente).

DISCUSSÃO

Embora o ensino da Semiologia não se restrinja apenas à semiotécnica, esta contribui decisivamente para a formação médica e, portanto, nesse sentido, verificou-se no presente estudo que existe um cenário favorável ao aprendizado prático de estudantes de Semiologia nas enfermarias do HULW. Não considerando aqui outros fatores igualmente importantes, como a coexistência de uma orientação docente adequada e a integração do aprendizado com o de outros cenários de prática, os alunos de Semiologia têm, nas enfermarias de clínica médica do HULW, possibilidade de desenvolver habilidades psicomotoras durante seu treinamento propedêutico.

Para se valorizar de forma apropriada estes resultados, algumas características do presente trabalho devem ser destacadas. Em primeiro lugar, é importante considerar que este estudo foi realizado com pacientes internados na área de Medicina interna, onde são realizadas as aulas práticas de semiologia geral. Como consequência, os resultados não podem ser estendidos para as internações da Cirurgia, Gineco-Obstetrícia, Pediatria, Psiquiatria ou, especialidades clínicas do HULW.

Idade, doenças prevalentes, média de permanência hospitalar e diagnóstico dos pacientes estudados nesta amostra foram compatíveis com um perfil de doenças crônicas e de alta complexidade, corroborando dados verificados em estudos anteriores no mesmo serviço.8-10
Para fins de comparação com estudos locais de outros serviços, verifica-se que informações sobre a morbimortalidade hospitalar em clínica geral no Estado da Paraíba limitam-se às informações do Sistema Único de Saúde - DATASUS.11

A comparação do perfil desta amostra com estudos de base hospitalar de outras regiões também é difícil. Além das diferenças metodológicas existentes, o perfil da população atendida, assim como o perfil das instituições, produz contextos bastante particulares na atenção hospitalar. Esse é um aspecto que indica um viés de seleção nesse tipo de estudo, já que nas enfermarias de um hospital universitário são atendidos pacientes com doenças de maior complexidade que em outros hospitais da cidade/estado/região.

Os diagnósticos admissionais foram definitivos na maioria dos casos, sendo a insuficiência cardíaca prevalente, corroborando pesquisas anteriores no mesmo serviço.9 Houve prevalência de queixas respiratórias à admissão hospitalar, provavelmente em virtude do perfil diagnóstico da amostra. No exame físico, os sítios onde o encontro de achados semiológicos foram mais frequentes representam locais de exames necessários ao aprendizado da semiologia médica geral. Os achados semiológicos mais frequentes também corresponderam aos imprescindíveis ao aprendizado do exame básico da semiologia geral, conforme indicam os principais livros-texto da área.12,13

O tempo médio de permanência hospitalar da amostra estudada foi alto, mas se verificou grande variabilidade nessa estimativa. Este achado de alta permanência possivelmente está relacionado ao perfil epidemiológico da demanda hospitalar terciária, tanto relacionada ao paciente, à doença, ao processo da atenção, como aos interesses acadêmicos e da docência em Medicina.14 A estimativa de permanência encontrada foi semelhante à observada em estudos anteriores nas mesmas enfermarias.8-10,15

A maioria dos pacientes foi receptiva e aparentemente tinha condições clínicas de participar de aulas práticas. Em outra pesquisa realizada na mesma instituição, a maioria dos pacientes declarou não se sentir incomodada pela abordagem de estudantes de Medicina para que participassem das aulas práticas.16

Considera-se que se cria uma confiança do paciente para com o aluno, que ainda está construindo os seus conhecimentos, favorecendo o relacionamento.17

Estudantes de medicina não apenas são bem aceitos, como também esperados por muitos pacientes e acompanhantes durante os atendimentos médicos em clínica médica.4,18 Esses achados têm grande valor para o plano de execução de um programa de ensino médico em um hospital.19

Fora do Brasil, a percepção do paciente sobre sua participação em aulas à beira do leito também foi estudada por Lehmann et al. (1997), que verificaram uma resposta favorável.4

Várias atitudes podem minimizar o problema de incomodar o paciente hospitalizado durante as aulas práticas com estudantes. Durante a abordagem do paciente à beira do leito, o professor deve se apresentar e também aos estudantes, lembrando-se de chamar seu cliente pelo nome.

Além disso, o paciente tem o direito de ser informado sobre o contexto da discussão clínica, sendo tarefa do docente esclarecer-lhe seu estado de modo a mantê-lo mais tranquilo e criar um elo de entendimento com o paciente e entre este e o aluno.20,21

O estudo junto ao paciente é uma atividade com grande potencial educativo, que merece incentivo das escolas médicas.20 É preciso levar em consideração que o que muitos chamam de ensino à beira do leito não passa de ensino no corredor ou em porta de enfermaria. Poucos se lembram de apresentar-se ao doente e explicar-lhe o que será feito ao lado dos alunos.21

Portanto, é necessária a adoção de estratégias que busquem otimizá-la, como, por exemplo, seleção criteriosa de casos a serem discutidos; realização da visita em horários e dias predeterminados no cronograma curricular; formação de grupos com pequeno número de estudantes; estabelecimento da rotina de discussão ao lado do paciente e, a posteriori, numa sala estruturada que fomente a discussão em grupo; escolha de um profissional competente capaz de incentivar o raciocínio clínico acadêmico e de solucionar dúvidas prementes, além de incluir temas de cunho social e cultural no debate.

A importância e as vantagens do ensino médico à beira do leito são indiscutíveis nesta fase da formação médica22. Nuances de todas as doenças são encontradas, assim como quase todos os matizes de caracteres que simbolizam o ser humano, com exceção das classes sociais mais altas, cujos membros usualmente não procuram estes serviços.23

Como afirmam Santos et al. (2003), como o ensino da Semiologia é tradicionalmente realizado nas enfermarias de clínica médica dos hospitais universitários, o número de leitos disponíveis deverá atender às variadas dimensões de turmas de alunos, de modo a oferecer um leito para cada aluno ou, pelo menos, um leito para cada dois alunos praticarem o treinamento.24 Os referidos autores salientam ainda que os pacientes de ambulatório, por sua inerente transitoriedade, não se prestam ao treinamento continuado do aluno na fase de Semiologia, embora possam participar de eventuais demonstrações em aulas práticas. Embora a atenção básica seja um cenário de práticas particularmente importante para o aluno iniciante de clínica, o treinamento inicial de anamneses e exames físicos com pacientes ambulatoriais, por sua inerente transitoriedade, não se adéqua de maneira ideal a essa fase inicial do treinamento.25

No entanto, observa-se um declínio do ensino à beira do leito, apesar de sua importância no treinamento discente.2 Enquanto no início dos anos 1960, 75% do ensino clínico era feito à beira do leito, em 1978, esse número caiu para 16%.27 Na atividade docente-assistencial realizada no cotidiano de enfermarias clínicas, observa-se também uma diminuição dos encontros com estudantes e médicos na cena clínica, os quais atualmente sabem menos sobre seus pacientes e estão menos implicados na relação com eles.28

Estudos mostram que médicos recém-graduados apresentam consideráveis deficiências nas habilidades consideradas importantes para o exame clínico.2,29,30 A habilidade para identificar sinais ao exame físico é pequena, inclusive quando se avaliam os egressos do curso de graduação de Medicina durante seu treinamento na residência médica.1

Como resultado, as habilidades de realização do exame físico têm diminuído, e o exame clínico tem sido desvalorizado, no sentido de se diminuir o seu emprego na prática médica, havendo uma dependência crescente do laboratório e de exames de imagem para a elaboração do diagnóstico.26,31

No ensino de Semiologia à beira do leito, a interação com o pacientes também permite de forma invariável que o professor sirva de modelo para os aspectos humanísticos da assistência ao paciente e as habilidades de relacionamento interpessoal médico-paciente. As características dos pacientes internados em enfermarias de hospitais universitários, tendo em vista o perfil da demanda e a prevalência de doenças crônicas, também está de acordo com o perfil epidemiológico decorrente da transição demográfica.32

A realidade das enfermarias de clínica médica do HULW indica que a frequência de pacientes com doenças crônicas e que são sujeitos a várias complicações gera um postulado de que todos são graves ou serão graves. Durante a graduação, idealiza-se a imagem dos livros-texto clássicos de medicina para o doente mais grave, o chamado “paciente de livro”. Mas na prática, quando os alunos passam a ter contato com o paciente hígido do exercício clínico ambulatorial, percebe que o perfil deste é muito diferente daquele que examinou nas enfermarias.

Contudo, o aprendizado clínico não tem como escapar desta realidade. Como atividade curricular da disciplina de Semiologia, os alunos geralmente observam pacientes com doenças de maior complexidade. Esse aspecto torna mais fácil a demonstração de alterações no exame clínico. Tais pacientes são doentes e sintomáticos a ponto de apresentar indicação de internamento hospitalar. Por outro lado, o aluno terá dificuldade de reconhecer o diagnóstico clínico nas formas iniciais das doenças.

Questiona-se, então, qual o cenário mais apropriado para o ensino do método clínico? Para alguns autores, a resposta ainda é o aprendizado à beira do leito do doente e com um bom professor.33-36 Na experiência de alguns, em visitas à enfermaria, verifica-se que os alunos se motivam por vivenciar junto ao professor a realização da anamnese e do exame clínico do doente.33,36

Por outro lado, esta também é uma experiência coletiva. Em se tratando de um hospital universitário, podem-se ter, simultaneamente, na assistência ao paciente hospitalizado, vários sujeitos: o médico responsável ou preceptor, eventualmente um professor de determinada disciplina com outros alunos de graduação, médicos residentes, internos, além de diversos outros estudantes da área de saúde envolvidos nos cuidados, assim como alunos e professores destas áreas (Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia, Serviço Social).

No ensino de Semiologia de uma universidade pública, Silva e Rezende verificaram que o cenário de prática considerado mais adequado pelos estudantes para a aprendizagem de Semiologia não foi apenas ambulatório ou apenas enfermaria, ambos os cenários (ambulatório e enfermaria) foram assinalados pela grande maioria (144 alunos, 91,7%). A justificativa foi a riqueza de sintomas e sinais dos pacientes da enfermaria, por um lado, e o contato com pacientes com quadros clínicos menos complexos e mais próximos da realidade cotidiana no ambulatório, por outro. Apenas 5,7% assinalaram como cenário mais adequado somente o ambulatório e 2,5% assinalaram somente a enfermaria.1

Neste mesmo estudo, o cenário de prática referente aos módulos do sistema digestivo e do sistema cardiovascular foi a enfermaria para 75,2% e 84,7% dos alunos, respectivamente. Já o ensino do sistema respiratório foi ministrado para 36,9% dos alunos no ambulatório, para 47,8% nas enfermarias e para 12,7% dos alunos em ambos os ambientes.1

Portanto, há vantagens e desvantagens do ensino-aprendizagem em cada um desses cenários. É necessária a integração curricular desses cenários de prática para que se proporcione ao corpo discente um método de ensino-aprendizagem mais efetivo para a aquisição de competências e habilidades gerais e específicas.

Como métodos secundários de ensino, o uso de um laboratório de simulação com manequins e multimídia pode facilitar a aprendizagem e ser um estímulo para o desenvolvimento da autonomia do aluno, mas estes artifícios não podem substituir o contato com o paciente real.

Mesmo sistemas de simulação recentemente oferecidos por modernas tecnologias não substituem o homem doente. Podem-se simular fenômenos físicos, mas não a alma humana, os sentimentos, os dramas pessoais.

Ao contrário de países europeus e da América do Norte, onde a aprendizagem destas competências geralmente é feita usando-se um simulador ou atores, o contato direto do estudante com o paciente é possível nos hospitais universitários brasileiros, devendo ser um recurso aproveitado para o aprendizado clínico.37

Desta maneira, o paciente à beira do leito torna-se uma fonte inesgotável de ensinamento e aprendizado, exercitando habilidades fundamentais da Medicina, como o desenvolvimento do raciocínio clínico, a perspicácia na diferenciação de situações que simulam determinada disfunção, a prática da abordagem ao paciente no leito, bem como a destreza de ver, ouvir e sentir um paciente.20

Além disso, é necessário tentar atender às necessidades do ensino centrado no aluno e voltado para o paciente, em uma Semiologia com enfoque no paciente e não na doença. É importante a adoção de um modelo de aprendizado baseado em casos reais, em que a discussão das sessões clínicas ocorra de fato com o paciente à beira do leito, incentivando o contato precoce com o hospital de ensino a partir do primeiro ano da graduação, ou seja, mesmo antes da disciplina de Semiologia.20

Por outro lado, Kira e Martins (1996) defendem o ensino da anamnese principalmente no ambulatório, e não na enfermaria, como tradicionalmente tem sido feito em grande número de escolas médicas.37 Segundo essas autoras, a enfermaria é um local privilegiado para o ensino de técnicas de exame físico, reconhecimento de padrões, demonstração de situações em que o exame físico é alterado.

Mas a história clínica exercitada a partir de pacientes de ambulatório, que apresentam problemas menos complexos, permite que o raciocínio hipotético-dedutivo sem que os pacientes já possuam um diagnóstico definido. No ambiente hospitalar, onde o aluno de Semiologia entra em contato com a atividade médica no nível de atendimento terciário, há uma valorização relativamente maior da anatomo-fisio-patologia, em detrimento de aspectos psicossociais.

Stella et al. (2009) advertem que as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) assinalam a necessidade de o processo ensino-aprendizagem se desenvolver nos locais de assistência básica à saúde.38 Os referidos autores lembram que a tendência atual é proporcionar aos estudantes maior experiência nos diferentes níveis de atenção à saúde. Contudo, essa tendência não deixa de lado o ensino em hospitais, pois, como afirmam os referidos autores posteriormente, os estudantes devem ser inseridos em práticas nos três níveis de atenção – primária, secundária e terciária – nos serviços existentes, para vivenciar ações de prevenção, promoção, recuperação e reabilitação de saúde.

A transformação faz-se no sentido da saída de um currículo tradicional, de modelo apenas hospitalocêntrico, para uma maior interação com os serviços da rede básica de atenção à saúde. A meta é oferecer uma formação que atenda às recomendações em educação médica contempladas nas DCN para o curso de graduação em Medicina, para que o futuro profissional possa atender as reais necessidades da população brasileira.39

Goulart et al. (2009) lembram, porém, que a presença do estudante nos cenários físicos dos serviços por si só não garante a mudança na formação profissional. Seja na enfermaria ou no ambulatório, o essencial é a participação do paciente na pedagogia médica. Como afirma William Osler (apud Santos et al., 2003): “não seria ensino médico sem o paciente, e o melhor ensino é aquele ensinado pelo próprio paciente”.24

Conclui-se, portanto, que a despeito das mudanças necessárias no sentido da diversificação de cenários de aprendizagem para o ensino de Semiologia Médica, existe um cenário favorável ao aprendizado de estudantes de Semiologia nas enfermarias do HULW para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras.

A educação médica baseada na aquisição de habilidades específicas, incluindo as competências e habilidades em procedimentos diagnósticos e terapêuticos, não pode se desenvolver somente fora do ambiente hospitalar. Por isso, todos os recursos da saúde devem ser postos ao serviço do ensino médico: internações hospitalares, consultas ambulatoriais, blocos cirúrgicos, áreas de urgências e emergências, áreas de atenção primária, e assim por diante.

Não há conflitos de interesse.

REFERÊNCIAS
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22 de janeiro de 2011

SEMIO-QUIZ: Paciente ictérica, letárgica e com vesículas nas extremidades

Figura: Vesículas em uma distribuição predominantemente acral. A: dorso da mão; B: tornozelo
A paciente acima, de 44 anos, foi admitida em um hospital universitário após dois dias de febre, calafrios, fotofobia, dor no quadrante superior direito e nas costas e disúria, que evoluíram posteriormente para quadro de alteração do estado de consciência, quando foi hospitalizada. Como antecedentes pessoais patológicos, apresentava apenas história de displasia de colo uterino, que tinha sido tratada por histerectomia.
Ao exame, a paciente apresentava-se letárgica e ictérica, mas com sinais vitais estáveis. Fígado palpável a 4 cm da reborda costal direita. No terceiro dia de internação, passou a apresentar cerca de 10 vesículas discretas, de 3-5 mm de tamanho sobre uma base eritematosa, espalhadas de forma esparsa sobre as superfícies dorsal e palmar de ambas as mãos e nos membros inferiores (Figura). Não havia lesões na mucosa oral ou genital.
Aguarda-se postagem de duas hipóteses diagnósticas para posterior publicação do diagnóstico, exames complementares, evolução e referência.
25/01/2011 - Diagnóstico, Exames Complementares, Evolução e Referência
Diagnóstico
Hepatite aguda viral por pelo vírus Herpes Simples (HVS) tipo 2 + insuficiência hepática fulminante + encefalopatia hepática.
O HSV é uma causa rara de insuficiência hepática fulminante, o que representa apenas 1% de todos os casos, ou 25-50 casos por ano, no Estados Unidos. É ainda mais raro ver esta condição em um paciente imunocompetente. Fatores de risco clássicos para insuficiência hepática fulminante pelo HSV são gravidez e immunosuppressão, condições ausentes no presente caso.
Exames complementares
Os resultados laboratoriais revelaram acentuada elevação das enzimas hepáticas, com aspartato aminotransferase atingindo um máximo de 9.020 U/L e alanina aminotransferase atingindo 4.820 U/L. A paciente apresentava INR (relação internacional normalizada) de 2,4, uma contagem de plaquetas de 68.000/mm3, e creatinina levemente elevada (1,3 mg/dL). Culturas de sangue e urina foram negativas. Paracetamol, uma droga que causa hepatite aguda fulminante, não foi detectado no soro. Os testes para hepatite A, B e C, vírus da imunodeficiência humana, anticorpos antinucleares, anticorpos anti-músculo liso, o anticorpo anti-fígado e teste para gravidez foram negativos. Estudos de ferro e um nível de ceruloplasmina foram normais. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética mostraram ascite e derrame pleural bilateral. A biópsia hepática transjugular foi executada, e biópsia de uma vesícula de pele foram feitas. A biópsia hepática mostrou necrose coagulativa confluente sem inflamação significativa, e numerosos hepatócitos com cromatina borrada e núcleos marginalizados, com inclusões virais. A imunohistoquímica da amostra de fígado foi positiva para o vírus herpes simplex (HSV) tipo 2. A biópsia da pele revelou uma vesícula intra-epidérmica com necrose de queratinócitos, células gigantes multinucleadas, e alterações globais sugestivas de infecção por herpes. Um espécime da biópsia da pele enviados para um teste de anticorpos fluorescentes viral foi positivo para o HSV-2, e uma cultura de tecidos da pele mostrou crescimento de HSV-2. Evolução
Esta paciente, apesar da ausência de fatores de risco identificáveis, apresentou uma manifestação rara e mortal de uma infecção viral comum. Ela foi tratada com aciclovir por via intravenosa, 600 mg 3 vezes ao dia, no início do processo da doença. Seus sintomas e a função hepática melhoraram gradualmente. Após oito dias, a paciente recebeu alta com valaciclovir oral, 1 g, duas vezes ao dia, por 15 dias. Em uma visita de acompanhamento duas semanas depois, a paciente encontrava-se assintomática e os testes de função hepática tinham normalizado.
Os autores do relato do caso clínico sugerem que se deve suspeitar de infecção por HSV disseminada em todo o paciente com insuficiência hepática fulminante de etiologia desconhecida. Um exame cuidadoso da pele deve ser realizado em busca de vesículas e deve ser fortemente considerada a terapêutica empírica com aciclovir até que esta entidade tenha sido excluída.
Referência
KELLER, J.J.; TAVAKKOL, Z.; KALUS, A. Rare and Deadly. The American Journal of Medicine, 124 (1): 32-34, 2011. Disponível em: http://www.amjmed.com/article/S0002-9343(10)00835-1/fulltext . Acesso em: 25 jan 2011.

21 de janeiro de 2011

Os Métodos Indutivo e Dedutivo de Raciocínio Científico


Por Priscilla Duarte Ferreira 

Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
O conhecimento científico se caracteriza como uma procura das possíveis causas de um acontecimento, buscando compreender ou explicar a realidade apresentando os fatores que determinam a existência de um evento. Para obter o conhecimento científico, é necessário definir o caminho percorrido até obtê-lo, daí a importância do método de raciocínio científico usado para produzir conhecimento. Os métodos mais difundidos são o Indutivo e Dedutivo, ambos podem ir do geral para o particular ou vice-versa, em um sentido ou no inverso, e utilizam a lógica para chegar a uma conclusão.
Palavras-chave: Ciência, Metodologia, Conhecimento. 

A palavra Ciência vem do latim scire (saber), que significa conhecimento sistematizado. Segundo Ander-Egg (1978), "A ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente, sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza."
Nos primórdios da Ciência, Galileu Galilei uniu dois campos do saber que antes pareciam irreconciliáveis: a metodologia de trabalho dos técnicos-artesãos (a experimentação) ao raciocínio lógico e abstrato, próprio da filosofia e da matemática. Dessa junção, nasceu a Ciência Moderna. Por volta do século XVII, um novo instrumento, o "pensar científico", transportou para outro nível a questão do homem e de seu universo. Com o nascimento da Ciência Moderna, surgiam na mesma época as primeiras formulações sobre o fundamento do conhecimento, na oposição entre o racionalismo, associado principalmente a René Descartes e Gottfried W. Leibniz, e o empirismo de Francis Bacon e dos ingleses John Locke e Thomas Hobbes, culminando no empirismo de David Hume.
Esse impulso no desenvolvimento da ciência trouxe como consequência o surgimento de filosofias especificamente voltadas para a ciência e, com elas, a consolidação da epistemologia (grego. Episteme= conhecimento, logo: explicação), ou filosofia da ciência. A filosofia da ciência estuda o método científico para excluir tudo o que tem natureza subjetiva e, portanto, não é susceptível de formar parte do que denomina conhecimento científico. O Conhecimento Científico, tendo um método que propicia o controle da busca do conhecimento, que permite, na ciência, delimitar o campo da pesquisa. É uma conquista recente da comunidade, embora, na civilização grega antiga já se aspirasse diferenciar o conhecimento de mito e de saber comum. Faltava o método. Com o método é possível descobrir a regularidade que existe nos fatos e esta é a grande preocupação do cientista: a partir da observação da regularidade dos fenômenos, verificar, inferir, explicar e generalizar o fenômeno transformando-o em lei.
Para se incrementar o conhecimento científico de forma a garantir o máximo de veracidade possível é necessário um método para se obtê-lo. Assim, surgiu a Metodologia, sendo definida como o tratado de métodos: arte de orientar o espírito na busca da verdade.
Método é um conjunto de regras e procedimentos que orienta o trabalho do pesquisador e confere aos seus resultados a confiabilidade ou a credibilidade científica, e significa o conjunto de etapas e processos a serem ultrapassados ordenadamente na investigação dos fatos na procura da verdade. A aproximação científica a estes elementos é complexa e normalmente efetua-se através dos métodos científicos desenhados para ramos específicos do saber: indutivo (experimental), dedutivo (racional), hipotético-dedutivo e o dialético (hermenêutico, fenomenológico). Os métodos indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo (ou de verificação de hipóteses) costumam ser aplicados às ciências naturais (física, química, biologia). Uma característica dos métodos indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo é que podem ir do geral para o particular ou vice-versa, num sentido ou no inverso, utilizando a lógica para chegar a uma conclusão (Figura 1). Em última instância, sempre têm elementos filosóficos subjacentes e são susceptíveis de verificação empírica. Ainda que o método dedutivo seja mais próprio das ciências formais e o indutivo das ciências empíricas, nada impede a aplicação indistinta de um método científico ou outro a uma teoria concreta.

Figura 1- Métodos Indutivo x Dedutivo
O método Indutivo inclui a operação mental de generalização de uma idéia a partir da observação de fatos singulares que apresentam, entre si, traços comuns. O raciocínio vai do particular para o geral e ocupa-se de submeter os objetos de estudo à influência de variáveis, em condições controladas pelo investigador, a fim de observar os resultados que a variável produz no objeto. Método indutivo pode ser caracterizado como um processo mental que, partindo de dados particulares, suficientemente constados, infere-se uma verdade geral ao universal, não contida nas partes examinadas. É realizado em três etapas: observação dos fenômenos, descoberta de relação entre eles e generalização da relação.

Já o método dedutivo é o sentido oposto daquele dado pelo método indutivo, ou seja, parte-se de um conhecimento geral (a premissa), pela “dedução ou desdobramento do lógico. O raciocínio, com base em enunciados ou premissas, chega a uma conclusão, em virtude da correta aplicação de regras lógicas. É dedutivo o raciocínio que parte do geral para chegar ao particular. Se aplicando melhor à matemática, à filosofia e a lógica. Esse processo dedutivo leva o pesquisador do conhecido ao desconhecido, mas também de alcance limitado. Há ainda o método hipotético-dedutivo, que parte do pressuposto de que se uma generalização (um conhecimento científico) pode ser testada, resistindo a esses testes, é digna de ser chamada de conhecimento científico. O método hipotético-dedutivo ou de verificação de hipóteses não coloca, em princípio, nenhum problema, visto que a sua validade depende dos resultados da própria verificação. Trata-se de um método científico de caráter predominantemente intuitivo e necessita para ser rejeitado e impor a sua validade, da verificação das suas conclusões (ver http://semiologiamedica.blogspot.com/2009/07/o-metodo-hipotetico-dedutivo.html.) 
Este método apresenta-se à ciência como tentativa de superação das limitações dos métodos dedutivo e indutivo, caracterizando-se por três momentos: o problema, a hipótese e a tentativa de falseamento, sendo seu principal representante o filósofo da ciência Karl Popper. Pode-se citar ainda o método dialético, que, no sentido amplo, inclui a arte de discutir, a tensão entre opostos. Esse método pode ser considerado como filosofia da natureza, como lógica do pensamento aplicada à compreensão do processo histórico das mudanças e dos conflitos sociais e como método de investigação da realidade nas Ciências Humanas. Em síntese, pode-se afirmar que foi o aparecimento do método científico que originou esta nova e revolucionária forma de desenvolver o conhecimento, possibilitando como consequência imediata, não apenas a explicação dos fenômenos da natureza, como também colocando-se a serviço da transformação da humanidade.


Referências
ANDER-EGG, E. Introducción a las técnicas de investigación social para trabalhadores sociales. 5.Ed. Buenos Aires: Humanistas, 1978. 
LUNA F. B. Seqüência básica na elaboração de protocolos de pesquisa. Arq. Bras. Cardiol. 71 (6): 735-740, 1998. 
ALMEIDA, C. M. V. B. Metodologia do Trabalho Acadêmico. Disponível em: www.noginfo.com.br/arquivos/Apostila_de_MTA.pdf. Acesso em: 29 out. 2010. 
GALERA, J. M. B. Epistemologia e Conhecimento Científico: Refletindo sobre a construção histórica da ciência através de uma docência investigativa. Disponível em: www.ct.utfpr.edu.br/deptos/dacex/joscely/arquivos/lattes/ArtigoConhecimentoeCiencia_Joscely.doc.. Acesso em: 29 out. 2010. 
CARVALHO, A. et al. O que é Metodologia Científica? A aventura histórica da construção dos fundamentos do conhecimento científico. Aprendendo Metodologia Científica. São Paulo: O Nome da Rosa, 2000, p. 11-- 69 . Disponível em: www.fbln.pro.br/downloadable/pdf/Texto_AlexCarvalho_MetodologiaCientifica.pdf. Acesso em: 29 out. 2010.

20 de janeiro de 2011

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19 de janeiro de 2011

Avaliação Oftalmológica de Hipertensos e Diabéticos no Projeto "Continuum" de Extensão

AVALIAÇÃO OFTALMOLÓGICA DE PACIENTES PORTADORES DE HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETES MELLITUS NO PROJETO CONTINUUM DE EXTENSÃO (PROBEX/UFPB)Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde; Gabriel Braz Garcia; Jailson de Sousa Oliveira; Joyce Freire Gonçalves de Melo; Rafael Lucas Costa de Carvalho; Francisco José Sousa de Ataíde; Débora Silva Pires de Sá; Ângela de Siqueira Figueiredo; Jose Luis Simões Maroja; Isabel Barroso Augusto da Silva; Rilva Lopes de Sousa-Muñoz.Centro de Ciências Médicas/ Departamento de Medicina Interna/ PROBEX
Resumo
Introdução: Atualmente, diabetes mellitus (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) são as doenças crônicas mais prevalentes da população. Como complicações destas doenças, a retinopatia diabética (RD) e a retinopatia hipertensiva (RH) acometem a função retiniana, podendo causar cegueira irreversível. Além disso, essas complicações são consideradas marcadores de acometimento microvascular e ambas associam-se à falta de controle da doença de base. Assim, é imprescindível a avaliação da retina através do exame de Fundo de Olho (FO) em todos os pacientes hipertensos e diabéticos, sobretudo pelo fato do melhor prognóstico oftalmológico pelo diagnóstico e tratamento precoces. A partir desta terceira fase de execução do projeto de extensão Continuum, passou a ser investigada a presença de complicações crônicas de DM e HAS, incluindo a avaliação oftalmológica dos pacientes cadastrados.
Objetivos: Relatar a experiência de rastreio de retinopatia em pacientes portadores de DM e/ou HAS atendidos no “Projeto Continuum de Extensão: Acompanhamento Ambulatorial de Portadores de Doenças Crônicas Egressos de Hospitalização” no XIII Encontro de Iniciação à Docência da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) .
Descrição metodológica: Foram incluídos pacientes portadores de DM e/ou HAS atendidos no Projeto Continuum, que foram encaminhados ao Ambulatório de Retina do Centro de Referência em Oftalmologia (CEROF) do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW/UFPB), onde foram avaliados por oftalmologista retinóloga.
Resultados: Dos 26 pacientes cadastrados na atual vigência do projeto, 23 (88,4%) tem HAS e/ou DM. Oito (30,7%) pacientes foram submetidos a exame de FO. Detectaram-se alterações em quatro dos pacientes avaliados. Três receberam diagnóstico de RD e um, de RH. Os dois portadores de RD também apresentaram catarata simultaneamente. Quatro pacientes faltaram à avaliação de FO agendada.
Conclusão: Dos pacientes avaliados através do exame de FO, 50% apresentaram algum tipo de retinopatia, sendo a maioria portadora de RD. Dos pacientes cadastrados no projeto, apenas 30,7% foram submetidos à avaliação oftalmológica até o momento devido a problemas operacionais e falta de comparecimento dos pacientes aos atendimentos de FO agendados. Contudo, este atendimento prossegue para avaliação dos demais pacientes atendidos no projeto, pela grande importância médica e social, pela prevalência e gravidade do acometimento retiniano, tanto no DM quanto na HAS.

Palavras-Chave: Doença Crônica; Doenças Retinianas; Retinopatia Diabética.

17 de janeiro de 2011

Hipersonia Diurna

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

A hipersonia diurna é uma condição aracterizada por um estado de sonolência diurna excessiva, ocorrendo como ataques de sono esporádicos e involuntários. A causa mais comum de hipersonia diurna é a privação crônica de sono, porém a duração necessária de sono varia muito entre diferentes indivíduos e parece ser determinada geneticamente. Esse quadro pode se tornar perigoso quando o indivíduo opera máquinas, além de estar associado a uma redução da eficiência de desempenho, da capacidade de concentração e da memória durante suas atividades diurnas. Pacientes idosos saudáveis que experimentam sonolência excessiva durante o dia podem apresentar maior risco de morte por doenças cardiovasculares.

Palavras-chave: Sono, Transtornos do Sono, Distúrbios do Sono por Sonolência Excessiva. A sonolência é conceituada como uma probabilidade aumentada para dormir, classificada como excessiva quando o indivíduo sente-se compelido a dormir em momentos inapropriados, cochila involuntariamente ou sofre ataques de sono. Muitas pessoas, especialmente no início da manhã, apresentam períodos de sonolência temporários, configurados como um desejo de tirar uma soneca rápida. Este tipo de situação relaciona-se muito a características intrínsecas ao cronotipo de cada indivíduo e está intimamente ligado a um período de sono insuficiente durante a noite. Essa breve sonolência diurna é diferente da real hipersonia diurna, a qual consiste em problema mais significativo. Além disso, o indivíduo apresenta períodos de transição bastante prolongados entre o sono e o estado de vigília completo. A causa mais comum de hipersonia diurna é a privação crônica de sono, porém a duração necessária de sono varia muito entre diferentes indivíduos e parece ser determinada geneticamente. Considera-se que a duração média de sono para os adultos saudáveis é de cerca de oito horas, com variações de quatro a dez horas. Contudo, o sono suficiente parece ser mais fidedignamente observado pela sensação de acordar descansado e restaurado do que pela duração do sono. Assim, indivíduos que necessitam de dez horas de sono e dormem apenas oito horas poderão estar sofrendo de privação do sono e, consequentemente, apresentar hipersonolência diurna. É importante salientar que a privação de sono tem efeito cumulativo, ou seja, a pessoa não diminui sua necessidade de sono com o decorrer de uma privação deste. É fácil compreender que a excessiva sonolência diurna é um distúrbio que deve ser levado muito a sério, considerando as consequências pessoais e econômicas potencialmente desastrosas de adormecer sem ter a intenção ou em momentos inoportunos. Esse quadro pode se tornar perigoso quando o indivíduo dirige ou opera máquinas, além de levar a uma redução da eficiência de desempenho, do poder de concentração e da memória durante suas atividades diurnas. Por outro lado, em recente estudo publicado pela American Heart Association verificou-se que pacientes idosos saudáveis que experimentam sonolência excessiva durante o dia podem apresentar maior risco de morte por doenças cardiovasculares. A Sociedade Européia de Cardiologia alerta os médicos sobre o risco e a necessidade de orientar seus pacientes que relatam sonolência diurna excessiva. A prevalência de hipersonia diurna, em seus diversos níveis, é extremamente alta, com relatos de estar presente em até 31% da população adulta. As consequências de tal queixa podem ser significativas, incluindo acidentes, resultados econômicos e públicos negativos, problemas para a saúde, redução do desempenho profissional e acadêmico e comprometimento das funções psicossociais. A verdadeira sonolência diurna excessiva raramente (contrariamente à opinião popular) se deve a uma afecção psicológica ou psiquiátrica (como a depressão), à preguiça ou ao tédio.
Os pacientes com hipersonia diurna apresentam-se permanentemente com uma aparência exausta, e manifestam hipovigilância e hipotenacidade. Muitas vezes, eles relatam múltiplos episódios de sono em momentos inadequados, às vezes com consequências graves ou, no mínimo, embaraçosas. O diagnóstico de hipersonia diurna é eminentemente clínico, e é feito através do reconhecimento do quadro clínico característico da doença e pela confirmação da ausência de quaisquer outros elementos que justifiquem a sonolência diurna excessiva, como o uso de medicamentos ou drogas (Transtorno do Sono Induzido por Substâncias), a presença de transtorno psiquiátrico associado (Hipersonia Relacionada a Outro Transtorno Mental) ou de outro transtorno do sono associado, ou ainda, a presença de alguma condição clínica não-psiquiátrica que justifique a hipersonia (Hipersonia Relacionada a uma Condição Médica Geral). Quando há ausência de fatores causais, a hipersonia diurna chamada de verdadeira ou primária. Quando uma causa é encontrada, ela é dita secundária. O tipo e a gravidade dos sintomas diurnos relatados pelos pacientes que sofrem de insônia podem variar bastante. No entanto, é comum que as pessoas com sonolência excessiva apresentem evidentes cochilos diurnos ou episódios inadvertidos de sono, que geralmente não são reparadores.
É necessário salientar ainda que quando o paciente se queixa de sonolência excessiva diurna, duas outras condições também devem ser necessariamente investigadas: a apnéia do sono e a narcolepsia. A primeira tem uma prevalência de 1 a 2% na população geral, e a segunda é uma doença rara de etiologia ainda desconhecida. Referências AMBRÓSIO, P.; GEIB, L. T. C. Sonolência excessiva diurna em condutores de ambulância da Macrorregião Norte do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 17 (1): 21-31, 2008 BITTENCOURT, L. R. A. et al . Sonolência diurna excessiva diurna. Rev. Bras. Psiquiatr., 27(suppl.1):16-21, 2005 EMPANA, J. P. et al.Excessive daytime sleepiness is an independent risk indicator for cardiovascular mortality in community-dwelling elderly: the three city study. Stroke, 40 (4): 1219-24, 2009. LUCCHESI, L. M.; PRADELLA-HALLINAN, M.; LUCCHESI, M. et al. O sono em transtornos psiquiátricos. Rev. Bras. Psiquiatr. 27 (suppl.1): 27-32, 2005
PORTO, C. C. Semiologia Médica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. STEIN, A.; COSTA, M. Transtornos do sono In: DUNCAN, B. B.; SCHIMIDT, M.; GIUGLIANI, E. R. J. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidência. 3ªed., São Paulo: ArtMed, 2004. Imagem: Ilustração de Kelly McLarnon, disponível em http://www.macalester.edu/

15 de janeiro de 2011

O Existencial e o Humano no Adoecer

"Parte da doença é aquilo que o mundo fez à vítima, mas a maior parte é o que a vítima fez com o seu mundo e consigo mesma"
(SUSAN SONTAG)

10 de janeiro de 2011

Crise Hipertensiva

Por Gabriel Braz Garcia
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
O termo crise hipertensiva compreende uma série de situações clínicas com graus diferentes de gravidade de elevação da pressão arterial. A crise hipertensiva pode se manifestar como emergência ou urgência hipertensiva, ocorrências clínicas que representam mais de 25% dos atendimentos de urgência, devendo o médico estar apto a distingui-las, visto que o prognóstico e o tratamento são diferentes. Na urgência hipertensiva, o aumento da pressão arterial (PA) não representa risco imediato de vida nem dano agudo a órgãos-alvo e, portanto, o controle da PA poderá ser feito gradualmente, em 24 horas. Por outro lado, as emergências hipertensivas exigem rápida ação meeicamentosa com internação em terapia intensiva, pelo risco de deterioração aguda de órgãos-alvo. É preciso distinguir também a pseudocrise hipertensiva.
Palavras-chave: Crise Hipertensiva. Hipertensão Arterial Sistêmica. Emergências Hipertensivas. O termo "crise hipertensiva" designa várias situações clínicas nas quais a elevação da pressão arterial sistêmica, geralmente a níveis de pressão diastólica superiores a 120 mmHg, colocando em risco a função de órgãos e sistemas em um curto período de tempo. Contudo em indivíduos previamente normotensos, a crise hipertensiva pode instalar-se com elevação da pressão arterial (PA) para níveis de 150/100 mmHg (ERAZO, 2006; MARTIN et al., 2004).
Há elevação abrupta da PA ocasionando, em território cerebral, perda da autorregulação do fluxo sanguíneo e evidências de lesão vascular, com quadro clínico de encefalopatia hipertensiva, lesões hemorrágicas dos vasos da retina e papiledema (NOBRE, 2010). A crise hipertensiva constitui uma situação clínica frequente (25%) nos prontos-socorros e, de certa forma, reflete a precariedade do tratamento crônico da hipertensão e acomete populações menos favorecidas, de baixa renda e escolaridade e atendimento primário ineficaz (FRANCO, 2002). A crise hipertensiva é classificada em emergência e urgência hipertensiva. Sua diferenciação representa a chave para o tratamento bem-sucedido. O grau de lesão ao órgão-alvo, e não o nível de pressão arterial isoladamente, determina a rapidez com a qual a pressão deve ser reduzida (MARTIN et al., 2004). Na urgência hipertensiva, o aumento da PA não representa risco imediato de vida e nem dano agudo a órgãos-alvo, portanto, nessa situação, o controle da PA poderá ser feito,reduzindo-se a PA gradualmente, em um período de 24horas. Nesse caso, a redução da PA pode ser processada mais lentamente, o que facilita o uso de drogas hipotensoras administradas por via oral, com o tratamento sendo conduzido em enfermaria ou ambulatório. Emergência hipertensiva é utilizada para definir aquele paciente portador de níveis pressóricos elevados, com risco iminente de vida ou de deterioração de órgão-alvo, em que as medidas empregadas para combate aos níveis elevados devem ser imediatas, em terapia intensiva, em minutos ou poucas horas, necessitando do uso de drogas de ação rápida e pela via parenteral.
As lesões de órgãos-alvo podem ser encefalopatia, infarto agudo do miocárdio, angina instável, edema agudo de pulmão, eclâmpsia, acidente vascular e ncefálico e dissecção de aorta. O acidente vascular encefálico isquêmico e o edema agudo de pulmão são as lesões em órgãos-alvo mais frequentemente encontradas na prática clínica (FURTADO et al., 2003). Outras manifestações de lesão de órgão-alvo são a presença de proteinúria, hematúria e níveis aumentados de uréia e creatinina e anemia hemolítica microangiopática na hipertensão maligna. Os dados obtidos na história e no exame físico do paciente buscam identificar as causas que precipitaram a elevação pressórica, evidências de lesão de órgão-alvo causada pela pressão severa ou ambos. As manifestações clínicas de crise hipertensiva seriam cefaléia sem causa definida, náuseas e vômitos, palpitações, tontura, astenia e outros, simultâneas à PA igual ou superior a 120-130 mmHg. Nas ditas urgências hipertensivas, a pressão arterial pode ser efetivamente reduzida com dosagem de agentes orais de curta ação, como o captopril, clonidina ou labetalol. O seguimento a longo prazo mostra-se como medida eficaz contra reincidência de crises hipertensivas. O diagnóstico é feito, observando-se aumento da pressão arterial, associada a sinais ou sintomas de lesão de órgãos-alvo (emergência hipertensiva) e não associada a quadro clínico agudo, de iminente lesão dos órgãos-alvo (urgência hipertensiva). A chamada "pseudocrise hipertensiva" acompanha-se de elevação acentuada da PA, desencadeada, na maioria das vezes, pelo abandono do tratamento medicamentoso em pacientes com hipertensão crônica, mas também por dor, desconforto e ansiedade. A evidência clínica marcante nesse caso é a ausência de sinais de deterioração rápida de órgão-alvo. Não existe a necessidade de se empregarem medicações para controle rápido da PA, sendo suficiente e necessário apenas o uso de medicação sintomática e a introdução de anti-hipertensivos de uso crônico (FRANCO, 2002). A importância atribuída aos sintomas na abordagem do paciente com PA elevada tem sido pequena, verificando-se situações em que o tratamento é instituído, levando-se em consideração apenas as cifras tensionais. Nesse sentido, salienta-se que a crença de que existe uma associação entre dor de cabeça e pressão alta é antiga e arraigada na população em geral. Mesmo entre profissionais da área da saúde tal idéia é difundida e aceita como verdadeira desde o início do século passado, porém atualmente não se acredita mais em tal associação (MORAES, et al., 2008).
Publicações recentes citadas por Lima et al. (2005) têm desvinculado o sintoma cefaléia como sendo secundário à elevação da PA. Para alguns autores, até a associação, já estabelecida, entre cefaléia e encefalopatia hipertensiva não deve ser tomada como prova de que a cefaléia é geralmente causada pela elevação simultânea da PA em pacientes com hipertensão leve a moderada. A elevação da PA, naqueles indivíduos que não estão sob risco potencial de vida ou lesão aguda de órgão-alvo (emergência hipertensiva), na sua maioria, é acompanhada por sintomas inespecíficos, como cefaléia, zumbido, epistaxe, tontura, dispnéia, palpitações, desconforto torácico, dormência, tremores ou mesmo ausência de qualquer queixa. Muitos sintomas, cuja causa se atribui à elevação da PA têm sido identificados como fatores de confusão em estudos epidemiológicos. Em pacientes hipertensos sob tratamento farmacológico, eles estão mais consistentemente relacionados a fatores psicológicos que aos níveis tensionais (LIMA et al., 2005). Pela grande frequência com que os indivíduos procuram atendimento médico-hospitalar co crise hipertensiva, este quadro representa um tema médico de grande importância. Referências NOBRE, F. et al. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Rev Bras Hipertens 17 (1): 7-10, 2010. VI ERAZO, M. T. Manual de Urgências em Pronto Socorro. 8ªEd., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
FRANCO, R. J. S. Crise hipertensiva: definição, epidemiologia e abordagem diagnóstica. Rev Bras Hipertens, 9 (4): 340-345, 2002. FURTADO, R. G.; COELHO, E.B.; NOBRE, F. Urgências e emergências hipertensivas. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 338-344, 2003. LIMA, S. G. et al. Hipertensão arterial sistêmica no setor de emergência: o uso de medicamentos sintomáticos como alternativa de tratamento. Arq. Bras. Cardiol. 85 (2): 115-123, 2005. MARTIN, J. F. V.; LOUREIRO, A. C.; CIPULLO, J. P. Crise hipertensiva: Atualização clínico-terapêutica. Arq Ciênc Saúde, 11(4): 253-61, 2004. MORAES, R. S.; GREHS, C.; SOUZA, J.A. et al. Ausência de associação entre cefaléia e hipertensão arterial sistêmica entre funcionários de uma universidade. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 52 (4): 284-290, 2008. Imagem: doctorcayoo.blogspot.com