13 de junho de 2011

História da Bioética: Relatório do X Seminário de MHB3 em 2011.1



Realizou-se hoje o décimo e último seminário do período 2011.1 no Módulo de História da Medicina e da Bioética (MHB3) / UFPB. O tema foi “História da Bioética”, apresentado e defendido por Aluiziane, Maísa, Alysson, Natália e Alana.

A exposição do tema foi iniciada por Aluiziane, que apresentou os fundamentos filosóficos da ética, definindo o termo, comentando as diferenças entre ética e moral, assim como entre ética e filosofia. Apresentou ainda o pensamento dos filósofos gregos sobre ética, sobretudo Sócrates, Platão e Aristóteles. Continuou, reportando-se à Idade Média, ao sintetizar as principais ideias de São Tomás de Aquino relacionadas à ética; ele considerava o homem como um sujeito que, apesar de tender para o bem, estava sujeito a diversos obstáculos em seu caminho, e deveria ser educado para evitar seus instintos naturais. Na sua lógica, a filosofia, e nesta, a ética, submete-se à fé em Deus.

Aluiziane ainda discorreu sobre ideias de importantes pensadores da Modernidade e da Contemporaneidade a respeito da ética. Na Idade Moderna, destacou Immanuel Kant, cuja filosofia moral preconiza que a base para toda razão moral é a capacidade do homem de agir racionalmente. O fundamento é a crença de que uma pessoa deve se comportar de forma igual à que ela esperaria que outra pessoa se comportasse na mesma situação, tornando assim seu próprio comportamento uma lei universal. Na formulação do chamado "imperativo categórico", Kant fundamentou a ética no dever de atuar somente quando este seja convertido em lei universal. “Imperativo” porque constituem um dever de atuação, “categórico” porque é incondicional, não subordinado a nenhum fim. Daí, a máxima: “ Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa se convertido em lei universal”.

Na contemporaneidade, Aluiziane destacou Peter Singer e Hugo Tristram Engelhardt. Peter Singer é um filósofo australiano conhecido e dos mais importantes especialistas em ética aplicada, entre outras coisas, por sua defesa moral do aborto e eutanásia, assim como o debate sobre o status moral dos animais não-humanos. Com a publicação da obra Animal Liberation ("Libertação Animal", no Brasil), Singer enfatiza que a única base plausível sobre a qual se pode defender o princípio da igualdade para todos os seres exige, por coerência, que se estenda essa igualdade a animais não-humanos. Engelhardt, médico, filósofo e bioeticista de Houston/EUA propôs que a Bioética “funciona como uma lógica do pluralismo, como um instrumento para a negociação pacífica das instituições morais”. Ele defende a secularidade nos diálogos bioéticos sendo, ele próprio, cristão ortodoxo e, carregando, portanto, ideias “conservadoras” sobre temas como aborto e manipulação de embriões. Em sua obra clássica "The foundation of bioethics", defende o paradigma libertário, que tem pressupostos no Humanismo e no Secularismo. A bioética como disciplina secular, orientada filosoficamente, não dependente apenas de profissionais de saúde, deveria ser o panorama da ética contemporânea pluralista. Sua concepção de pessoa constitui uma ferramenta útil nas questões éticas, frente ao desenvolvimento das ciências biomédicas.

Por fim, Aluiziane discorre sobre “personalidade jurídica” como valor ético de origem constitucional, especialmente relacionada com a dignidade da pessoa humana inserida num contexto social. O reconhecimento da personalidade jurídica refere-se aos direitos do ser humano desde sua existência. No Brasil, inicia-se a personalidade jurídica com o nascimento.

Maíze abordou importantes violações éticas na história da medicina. As pesquisas antiéticas mais conhecidas são, sem dúvida, aquelas praticadas pelos médicos nazistas nos campos de concentração na II Guerra Mundial. Mas eles não foram os únicos a sacrificar seres humanos no altar do conhecimento científico. Muitos pesquisadores dos Estados Unidos também mostravam pouca preocupação com as pessoas que usavam como sujeitos de suas pesquisas.

Maíze começou referindo que em 1962, publicou-se um artigo na revista Life com o título de "Eles decidem quem vive e quem morre” e em que se discutia a questão de médicos nefrologistas americanos estavam decidindo quem iria para os programas de diálise crônica, já que este tipo de tratamento estava no seu início e não era disponível para todos os que necessitavam dele. Assim, as raízes da bioética encontram-se historicamente inseridas no progresso das ciências médicas.

A partir de 1962, principalmente em Seattle/EUA, inúmeras discussões surgiram com a possibilidade de realização de diálise em pacientes com insuficiência renal crônica. O excesso de pacientes e a carência de equipamentos fez, então, com que fossem estabelecidos comitês, compostos por leigos, que estabeleciam critérios para a utilização dos mesmos. Devido a característica de decidir acerca da sobrevida ou não dos pacientes, estas comissões passaram a ser denominadas, pela imprensa, de "Comitês Divinos".

Maíze continuou afirmando que o uso generalizado de antibióticos e técnicas artificiais de respiração, popularizados nas décadas de 1950 e 1960, abrem perspectivas novas de prolongar a vida humana. Com a primeira transferência renal bem sucedida, em 1954, a medicina de transplante vê-se obrigada a lidar com os mecanismos de aquisição e distribuição de órgãos. Com isso, critérios até então aceitos acerca de morte cerebral tornam-se duvidosos e moralmente controvertidos.

Continuando a apresentação de eventos que tiveram grandes implicações éticas relacionadas a condutas desumanas de cientistas e médicos, Maíze citou um estudo realizado para avaliar a história natural da sífilis iniciado em 1932 na cidade de Tukesgee, no Alabama (EUA), em que se acompanharam indivíduos negros de baixo poder econômico, sendo 408 deles com sífilis e mantidos sem tratamento. Os resultados foram publicados em 1954 em uma revista de Saúde Pública dos Estados Unidos e mostravam que a mortalidade dos pacientes não tratados era maior que a dos indivíduos sem sífilis. O estudo prosseguiu, mantendo os pacientes sem tratamento, mesmo já existindo terapêutica medicamentosa eficaz para a doença, e só foi interrompido em 1972, quando houve uma denúncia na Revista New York Times. Os sujeitos dessas pesquisas recebiam refeições e exame médicos gratuitos, além de terem garantido um seguro-funeral em troca de sua participação no projeto. As informações sobre a verdadeira origem da doença foram sonegadas dos pacientes e àqueles que perguntavam sobre a fonte dos sintomas que apresentavam, respondia-se que eles tinham o “sangue ruim” (bad blood). Pela sua repercussão, o estudo de Tuskegee foi um marco no que diz respeito à ética na medicina e na confiabilidade dos objetivos da pesquisa científica.

Ainda a respeito de estudos semelhantes, Maíze referiu uma pesquisa realizada na Guatemala com quase 700 participantes, que eram pacientes psiquiátricos internados, presidiários e prostitutas, com o objetivo de avaliar o uso da penicilina em doenças sexualmente transmissíveis, como sífilis, gonorréia e cancro. Eram feitas inoculações diretas dos agentes infecciosos, e de forma intencional, em presidiários e pacientes com problemas psiquiátricos. Em relação à sífilis, a inoculação era feita através de injeções subcutâneas de Treponema pallidum.

Maíze passou, então, a relatar várias “experiências” médicas nazistas, realizadas durante a II Guerra Mundial por médicos alemães. Foram procedimentos desumanos, cruéis, e muitas vezes mortais, envolvendo milhares de prisioneiros dos campos de concentração. Muitas dessas experiências tinham como finalidade promover a sobrevivência dos militares alemães, estudando-se reações às elevadas altitudes, usando câmaras de baixa pressurização. Os cientistas alemães também realizaram experiências de congelamento, utilizando os prisioneiros como cobaias para descobrir um método eficaz de tratamento para a hipotermia. Outra categoria de experiências tinha por objetivo desenvolver e testar medicamentos, assim como métodos de tratamento para ferimentos e doenças que os militares e a equipe de ocupação alemã encontravam no campo. Ainda outra categoria de experiências “médicas” buscava aprofundar os princípios raciais e ideológicos da visão nazista. Os mais abjetos foram as experiências feitas por Josef Mengele, em Auschwitz, que utilizou gêmeos de forma inumana. Mengele foi apelidado de o “Anjo da Morte” pelos prisioneiros, porque tinha boa aparência e era aparentemente simpático com as crianças do campo, e, no entanto, cruelmente, fazia seleções destas para as câmaras de gás. Ele mandou executar 400 mil prisioneiros, entre judeus, homossexuais e deficientes físicos. Os poupados da morte imediata eram enviados para barracões, onde ficavam as cobaias humanas de seus experimentos. Entre eles, havia principalmente irmãos gêmeos, anões e portadores de deficiências físicas. Mengele dissecava anões vivos tentando comprovar que eram fruto da excessiva miscigenação de raças e jogava prisioneiros em água fervente para ver o quanto suportariam.

Os fatos relatados acima, as pesquisas em seres humanos feitas pelos nazistas durante a II Guerra Mundial e o grande aumento dos recursos dispendidos pelos laboratórios farmacêuticos para pesquisa de novos fármacos, impuseram a necessidade de se estabelecerem normas éticas para as pesquisas em seres humanos. Finalizando, Maíze citou a consumação do Tribunal de Nuremberg em 1946, que gerou o Código de Nuremberg em 1947, a primeira recomendação internacional sobre experimentos envolvendo seres humanos. Estes aspectos normativos continuarão, posteriormente, a ser relatados por Natália, neste seminário.

Alysson deu continuidade à apresentação, abordando a evolução do conceito de Bioética. Este termo já é utilizado há 40 anos. O primeiro a usá-lo foi o médico oncologista norte-americano Dr. Van Rensselaer Potter, em 1970, em um artigo científico. A sua caracterização inicial era a seguinte: “Nós temos uma grande necessidade de uma ética da terra, uma ética para a vida selvagem, uma ética de populações, uma ética do consumo, uma ética urbana, uma ética internacional, uma ética geriátrica e assim por diante...”. Depois, Potter utilizou o termo em seu livro: “Bioética: Uma Ponte para o Futuro”, em 1971. Potter estava pensando em ecologia quando inventou a palavra “bioética”, em 1970, não em aspectos éticos ou bioéticos reacionados apenas à saúde. Seu foco direcionou-se à ética e o meio ambiente.

Alguns meses após Potter ter introduzido o novo termo, alguns estudiosos da Georgetown University, tendo o médico obstetra, fisiologista fetal e demógrafo André Hellegers à frente, utilizavam o mesmo neologismo, mas com um sentido diferente. A bioética, segundo o "modelo Georgetown", seria um campo interdisciplinar da própria filosofia moral (e não da ciência e filosofia como era para Potter), e que deveria tratar de dilemas biomédicos concretos restritos a três áreas: os direitos e deveres dos pacientes e dos profissionais de saúde; os direitos e deveres na pesquisa envolvendo seres humanos; e a formulação de uma diretriz para a política pública, o cuidado médico e a pesquisa biomédica.

A bioética, portanto, nasce de duas concepções, aparentemente inconciliáveis. De um lado, a concepção de Potter, que vinculava duas formas de conhecimento (ciências naturais e ciências humanas), fundando-se duas tradições disciplinares diferentes e legítimas, cada uma no seu campo de aplicação específico. De outro, a concepção do Instituto Kennedy, que a considerava uma disciplina pertinente ao campo da filosofia aplicada aos dilemas biomédicos.

Alysson prosseguiu afirmando que a bioética trata de temas específicos como nascer/não nascer (aborto), morrer/não morrer (eutanásia), saúde/doença (ética biomédica), bem-estar/mal-estar (ética biopsicológicas) e de novos campos de atuação do conhecimento, como a clonagem (ética genética). Dentre as diversas práticas da bioética, destacam-se atividades terapêuticas em sentido amplo, pois todo e qualquer exercício das relações profissionais de médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, nutricionistas, biólogos, fisioterapeutas e demais técnicos em saúde, assim como os usuários das novas técnicas biomédicas e farmacológicas, tornam-se destinatários do discurso bioético.

A seguir, Alysson referiu-se ao Prof. Warren Reich, membro do Kennedy Institute of Ethics, da Universidade Georgetown/EUA, e co-editor da Enciclopédia de Bioética. Estudioso pioneiro da bioética nos EUA, Warren Reich considera Potter, André Hellegers e Sargent Shriver como os “pais” da bioética. A bioética no seu nascedouro é definida pela Enciclopédia de Bioética (1978) como sendo “o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e da saúde, enquanto esta conduta é examinada à luz de valores e princípios morais”.

O conceito de bioética não foi aceito com facilidade na Alemanha. Era considerado controverso (como um “produto americano”). Somente a partir de 1986, o termo é oficialmente introduzido e passa a ser utilizado com mais frequência. O bioeticista alemão Hans-Martin Sass, que trabalhou no Instituto Kennedy de bioética nos EUA, resgata do silêncio da história, a figura de Fritz Jahr, outro alemão que criou um avançado conceito de bioética ainda em 1927. Jahr era um pastor protestante e filósofo que publicou um importante artigo, intitulado “Bioética: uma revisão do relacionamento ético dos humanos em relação aos animais e plantas”. Nesta publicação, Jahr propõe um “Imperativo Bioético”, ampliando o imperativo moral de Kant (“Age de tal modo que consideres a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa dos outros, sempre como fim e nunca como simples meio"), para todas as formas de vida.

Ainda apresentando os conceitos de Bioética, Alysson refere-se ao Prof. André Comte-Sponville, que utiliza o referencial de Jean Paul Sartre que já havia dito que "todos somos responsáveis por todos" e de Dostoievsky, "somos todos responsáveis por tudo, diante de todos". Segundo ele, bioética não seria uma parte da biologia, mas uma parte da ética, e uma parte da responsabilidade humana, referente aos deveres do homem para com outro homem, e de todos para com a humanidade.

Prosseguindo com a conceituação de diversos pensadores sobre bioética, relatou o conceito de Eve-Marie Engel, de que “bioética como a reflexão ética sobre os seres vivos, incluído o ser humano, tais como esses seres vivos se apresentam nas relações cotidianas do mundo vivido e nos contextos teóricos bem como práticos da ciência e da pesquisa.” Ainda refere-se à conceituação emanada do Programa Regional de Bioética OPS/OMS (2001), de que bioética é o uso criativo do diálogo para formular, articular e, na medida do possível, resolver os dilemas que são propostos pela investigação e pela intervenção sobre a vida, a saúde e o meio ambiente.

A Associação Médica Mundial desenvolveu a Declaração de Helsinque como uma declaração de princípios éticos para fornecer orientações aos médicos e outros participantes em pesquisas clínicas envolvendo seres humanos. Alysson mencionou também a Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial, que se refere ao médico e afirma que "A Saúde do meu paciente será minha primeira consideração", e o Código de Ética Médica Internacional declara que "O médico deve agir somente no interesse do paciente ao promover cuidados médicos".

Concluindo sua exposição, Alysson cita a Declaração Íbero-Latino-Americana sobre Ética Genética, elaborada pelos participantes dos Encontros sobre Bioética e Genética de Manzanillo (1996) e de Buenos Aires (1998), procedentes de diversos países Íbero-Americanos e Espanha; esta declaração reafirma a adesão aos princípios da Declaração Universal sobre o Genoma e os Direitos Humanos da Unesco, promovendo, ainda, uma série de reflexões a respeito das implicações do desenvolvimento científico e tecnológico no âmbito da genética, além dos preceitos éticos que devem guiar estas ações.

No Brasil, o Prof. Joaquim Clotet implantou a primeira disciplina de Bioética em 1988 no Curso de Pós-Graduação em Medicina da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. “A Bioética não é uma disciplina, é uma atitude diante da vida” é uma frase de Clotet em 2005.

Natália passou, então, a abordar o histórico das comissões de ética médica e ética em pesquisa envolvendo seres humanos, porém antes mencionou casos de polêmicas relacionadas à bioética envolvendo pacientes em situações extremas de vida, como os de Karen Quinlam e do Baby Doe.

Em 1975, Karen Ann Quinlam, de 22 anos, deu entrada na sala de emergência do Hospital de Nova Jersey com quadro de coma profundo. Após meses em coma irreversível, seus pais solicitaram à equipe médica a retirada do aparelho de respiração artificial que mantinha a ventilação pulmonar de Karen. A direção do Hospital negou o pedido dos pais e o caso percorreu diversas esferas de decisão judicial até que, finalmente, a Suprema Corte de Nova Jersey, em 1976, designou que o Comitê de Ética do Hospital St. Clair deveria estabelecer o prognóstico da paciente e assegurar que a mesma realmente nunca seria capaz de retornar a um "estado cognitivo sapiente". O juíz da Suprema Corte de New Jersey presumiu, erradamente, que este hospital, assim como a maioria dos demais hospitais norte-americanos, possuia um Comitês de Ética que avaliasse esse tipo de situação. Como este Comitê não existia, foi constituído um especialmente para avaliar este caso. O resultado foi uma recomendação para a retirada da paciente do respirador.

Outro caso que teve muita repercussão foi o do Baby Doe, um recém-nascido com malformações múltiplas (trissomia do 21 e fístula traqueoesofágica) de Bloomington, no estado de Indiana/EUA, em 1982. Os seus pais negaram-se a assinar um termo autorizando a realização de uma cirurgia corretiva da fístula, que tinha 50% de chances de lhe salvar a vida. Os pais solicitaram, ainda, que fosse suspensa a alimentação e os demais tratamentos da criança. A equipe médica solicitou à Justiça autorização para realizar a cirurgia, suspendendo, temporariamente o pátrio poder. A Justiça negou o pedido em primeira instância. O bebê, aos seis dias de vida morreu, não havendo tempo para que fossem feitas outras tentativas. Doe, em inglês, significa "fulano", uma pessoa qualquer, sem especificar a sua identidade. Foi utilizada esta denominação com o objetivo de preservar a família envolvida.

O primeiro transplante cardíaco em 1967 também trouxe grandes questionamentos éticos: estaria o doador morto ou não? O coração havia sido retirado respeitando ou não os desejos do doador quando vivo? Somente em 1968 houve a definição de morte encefálica pela Universidade de Harvard. As discussões geradas pela realização do primeiro transplante cardíaco em seres humanos, realizado por Christian Barnard deveriam ser discutidas por toda a sociedade, sendo criada uma comissão no senado americano para avaliá-las. O Dr. Barnard compareceu a esta Comissão e afirmou que criar comissões de ética para avaliar procedimentos realizados em hospitais "seria um insulto aos médicos e um enorme retrocesso ao progresso". O Dr. Henry Beecher, que havia denunciado em 1966 inúmeros casos de artigos científicos publicados com inadequações éticas, também depôs nesta Comissão, e contrariou o Dr. Barnard, afirmando que a "ciência não é o valor maior ao qual todos os outros valores devem se subordinar; a ciência deve estar inserida em uma ordem de valores".

Em 1973, Senador Edward Kennedy propôs ao Congresso Norte-Americano, a criação de uma Comisão sobre Qualidade da Assistência à Saúde e Experimentação em Humanos. Esta nova proposta foi desencadeada pelo impacto causado pela divulgação dos experimentos realizados em Tuskegee. Como resultado disso, criou-se uma comissão permanente, a Comissão Nacional para a Proteção de Seres Humanos, englobando a avaliação de aspectos científicos e assistenciais. Em 1978, este comitê foi alterado e ampliado, recebendo a denominação de "Comissão Presidencial para o Estudo de Problemas Éticos na Medicina e Pesquisa Biomédica e Comportamental". Em 1983, esta comissão incentivou a criação dos comitês de ética nos hospitais.

Em 1987, entrou em vigor uma lei, no estado de Maryland, obrigando a criação de comitês consultivos de ética em hospitais, com o objetivo de assessorar a tomada de decisão em doentes com risco de vida. Esta foi a primeira vez que uma lei obrigava instituições hospitalares a constituírem comitês de bioética. Atualmente, em função de exigências sociais, culturais ou legais, existem diferentes tipos de comissões de ética atuando no âmbito das instituições de saúde. As primeiras a surgir foram as Comissões de Ética e Deontologia Médica, depois surgiram as Comissões de Ética em Pesquisa em Saúde e, mais recentemente, as Comissões de Bioética.

Na década de 1990 a ética em pesquisa com seres humanos foi instituída no Brasil. A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde mudou significativamente os procedimentos éticos das pesquisas envolvendo pessoas. A implantação e desenvolvimento do primeiro Comitê de Ética em Pesquisa criado no Brasil ocorreu na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Os Comitês de Ética em Pesquisa surgem como órgãos de grande importância para a realização de pesquisas na instituição. Por eles tramitam todos os protocolos em que se planeja o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos, difundindo na comunidade acadêmica os aspectos éticos envolvidos no projeto, esclarecendo ao indivíduo e à coletividade os referenciais básicos da bioética, quais sejam, a autonomia, a não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, que visam assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, em relação aos sujeitos de pesquisa e ao Estado.

Na última parte do seminário, Alana falou sobre as questões de bioética da atualidade, como as pesquisas com células-tronco, a clonagem, o aborto, a eutanásia, a morte encefálica, o transplante de órgãos e o uso de “cobaias” humanas em pesquisas médicas.

As perspectivas de estabelecer terapias celulares para tratar tecidos danificados com pequena capacidade de regeneração são promissoras. Do ponto de vista ético, o uso das células-tronco adultas não representa problemas. Trata-se de um procedimento equiparável ao de transplante de tecido no próprio corpo. Retiram-se as células-tronco da própria pessoa e injetam-se no lugar onde o tecido está danificado. Contudo, em relação às células tronco embrionárias, estas só podem ser obtidas mediante manipulação de embriões. Estes embriões são obtidos por fecundação in vitro, e destinados a implantação com vistas à gestação. Como nem todos os embriões são implantados, prevê-se o seu congelamento; esses embriões congelados seriam utilizados após três anos, para pesquisa, com consentimento do casal que os gerou. A retirada da célula-tronco provoca a destruição do embrião.

Portanto, a pesquisa com células-tronco adultas não representa dificuldade ética especial e tem o apoio da Igreja. A Igreja Católica posiciona-se  contra as pesquisas com células-tronco embrionárias, pelo mesmo motivo que condena o aborto, ou seja, por considerar o embrião um ser humano. Essas pesquisas, na visão da igreja, significariam a manipulação da vida humana pelo homem.

No Brasil, só em 2005 foi aprovada a Lei de Biosegurança que regulamenta o uso de células tronco embrionárias e apenas a partir desta data foi possível o início dos primeiros estudos básicos com estas células. Além disso, as pesquisas básicas, pré-clínicas e clínicas, com células tronco embrionárias ou adultas no Brasil dependem de financiamento público, uma vez que a lei brasileira não permite patentear linhagens celulares, ao contrário do que ocorre nos EUA.

Quanto à clonagem humana, trata-se de um outro tema vasto e complexo. Os avanços tecnológicos, que permitem que a clonagem de mamíferos saia do domínio da ficçao científica e entre no domínio de possibilidades reais, provocam não apenas discussões de ordem técnica, mas também, discussões éticas e jurídicas sobre limites a serem impostos a esse tipo de atividade e penalidades a impor se houver transgressões.

Alana mencionou a clonagem reprodutiva e a terapêutica como técnicas já existentes. A clonagem terapêutica poderia trazer bons resultados, ao proporcionar curas para determinadas doenças, como o mal de Alzheimer. O Reino Unido foi o primeiro país a aprovar uma lei que autoriza a clonagem de embriões de seres humanos, proibindo, contudo, a clonagem para fins reprodutivos.

A Igreja Católica pediu, em 1997, que essa prática fosse proibida, tal como no Brasil. Aqui, a Lei nº 8974 de 05.01.1995 e o Decreto nº 2577 de 30.04.1998 consideram crime qualquer manipulação genética de células germinais humanas ou qualquer intervenção em material genético.

Alana mencionou ainda, nesse contexto, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da Unesco, já mencionada neste seminário. Em seguida, a referida expositora mencionou brevemente os aspectos bioéticos relacionados ao abortamento. No Brasil, a questão do aborto possui dupla abordagem. Por um lado, o desenvolvimento tecnocientífico ocorrido nas últimas décadas proporcionou o diagnóstico cada vez mais precoce de malformações fetais e doenças genéticas incompatíveis com a vida extrauterina, como, por exemplo, a anencefalia. Esse fato desencadeou uma série de processos jurídicos solicitando permissão para a interrupção voluntária dessas gestações, nos países com leis proibitivas em relação ao aborto induzido.

Os avanços mais recentes na área da genética tem contribuído para o surgimento de novos dilemas antes não enfrentados pela sociedade. Técnicas sofisticadas têm permitido, na atualidade, suspeitar, de forma fundamentada, da existência de defeito genético ou de doenças graves transmitidas pelos genitores e que levarão a criança a apresentar deformidades que poderão viabilizar, apenas por um tempo indeterminado e com limitações, a vida extra-uterina, ou mesmo tornar inviável a vida após o nascimento. O aborto eugênico, na atualidade, embora não obrigatório, é permitido na maioria das nações. O fato de ser legal o aborto nessas hipóteses não elimina, na maioria das vezes, a presença do conflito nas pessoas envolvidas, especialmente na gestante e no seu grupo familiar, e nos profissionais da saúde envolvidos com o caso.

Embora a atual legislação brasileira não permita o aborto eugênico, o Poder Judiciário concedeu desde 1983 120 autorizações para a realização de aborto em crianças mal formadas, especialmente anencéfalos (Folha de São Paulo 4/11/95:3-2). Os profissionais médicos, em geral orientam-se pelo critério da beneficência, os pacientes pelo da autonomia e a sociedade pelo de justiça. A bioética é um elemento a mais na busca de reflexão adequada sobre este tema.

No Brasil, o aborto é considerado crime. São criminosos o médico e a mãe que o praticam. Mas não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto terapêutico) e se a gravidez resulta de estupro.

Merece destaque, nesse contexto, a definição do momento em que inicia a vida. Vários são os critérios, destacando-se, no campo científico, o celular (fecundação), o cardíaco (início dos batimentos cardíacos, 3 a 4 semanas), o encefálico (atividade do tronco cerebral, 8 semanas), o neocortical (início da atividade neocortical, 12 semanas), o respiratório (movimentos respiratórios, 20 semanas), o neocortical (ritmo sono-vigília, 28 semanas), o moral (comunicação, 18 a 24 semanas após o parto).

Para a Igreja, o aborto significa a morte de um ser humano. O Papa Bento XVI comparou o aborto e as pesquisas em embriões ao terrorismo, defendendo a ação política da Igreja contra o aborto.

Eutanásia é o processo de proporcionar morte sem sofrimento a um doente incurável. Esse sistema é proibido em vários países, inclusive no Brasil, onde a prática da eutanásia é considerada homicídio. A aplicação dos princípios éticos – beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça – deve ser realizada numa sequência de prioridades. Quanto à bioética, é importante observar que os princípios da beneficência e da não-maleficência são prioritários sobre os da autonomia e da justiça. O médico por questões éticas, deve assistir ao paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua subsistência, ao alívio do sofrimento e do desconforto, porém evitando a distanásia, que é a obsessividade terapêutica, a agonia prolongada, a morte com sofrimento físico ou psicológico. Quanto à Igreja, esta também mantem-se irredutível em sua posição contra a eutanásia.

Por fim, Alana mencionou brevemente a condição das “cobaias” humanas, a utilização de pessoas em testes de fármacos e vacinas sem a observância dos atuais preceitos internacionalmente recomendados para pesquisas utilizando sujeitos humanos. Os relatos anteriores neste seminário sobre experimentos nazistas, asim como os outros realizados nos EUA, foram experimentos com cobais humanas.

Atualmente são denunciadas pesquisas em que presumivelmente se utilizam “cobaias” humanas. Para ilustrar este aspecto com uma obra de ficção, Alana mencionou o filme "O Jardineiro Fiel". No Brasil, em 2005, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desmentiu a notícia de que moradores do Amapá estavam sendo usados como cobaias em pesquisas sobre malária. Este assunto pode ser lido em outra postagem deste blog, com link abaixo:
 http://semiologiamedica.blogspot.com/2010/10/consentimento-informado.html

Para terminar, Alana mencionou a Teoria Principialista, emanada através do Relatório Belmont, que preconiza os princípios da Beneficência, da Autonomia e da Justiça. Estes também já foram abordados em outra postagem deste blog, com link abaixo:
http://semiologiamedica.blogspot.com/2010/11/cobaias-humanas-em-pesquisa-de-vacina.html

Fonte da Imagem: 3quarksdaily.com