3 de outubro de 2011

Meralgia Parestésica

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A meralgia parestésica é uma neuropatia compressiva dos membros inferiores, caracterizada pelo pinçamento do nervo cutâneo lateral da coxa. De caráter unilateral e idiopático, em geral a meralgia parestésica expressa-se por alterações de sensibilidade e dor na região lateral da coxa. É importante conhecer a existência desta entidade pois o diagnóstico é clínico e muitas vezes difícil.

Palavras-chave: Mononeuropatias. Síndromes de Compressão Nervosa. Neuralgia.

A meralgia parestésica, também conhecida como Síndrome de Bernhardt-Roth, é descrita como um quadro doloroso com disestesia ou anestésica na distribuição do nervo cutâneo lateral femoral. Trata-se de uma neuropatia compressiva dos membros inferiores. Foi primeiramente descrita pelo neuropatologista alemão, Martin Bernhardt, em 1878, porém foi Wladimir Karlovich Roth, um neurologista russo, criou o termo meralgia (meros = tocar; algos = dor).

A Síndrome de Bernhardt-Roth caracteriza-se pela compressão (pinçamento) do nervo cutâneo lateral da coxa em sua passagem pelo ligamento inguinal. Segundo Kasparyan e Russel (2007), estudos em cadáveres sugerem que a meralgia é causada basicamente pelo dobramento do nervo junto ao ligamento inguinal. O nervo cutâneo lateral da coxa origina-se de L2 e L3, passa sob o músculo psoas no retroperitôneo, e sai da pelve sob o ligamento inguinal para inervar sensitivamente a pele da região lateral da coxa.

A meralgia parestésica é mais comum em homens, pessoas com excesso de peso e diabéticos. Gravidez, ascite e uso de roupas e cintos apertadas também facilitam a ocorrência da meralgia. Costuma ser unilateral e idiopática, sendo o quadro clínico reproduzido de forma semelhante, e mais raramente, por traumas na região da coxa ou sarcomas de tecidos moles no interior da coxa. Recentemente, Sasson e Pesach (2011) descreveram um caso de meralgia parestésica induzida pelo uso de sinvastatina.

Otoshi et al. (2010) relataram um caso de meralgia parestésica ocorrendo em um lançador de beisebol amador que apresentou dor inguinal e disestesia na coxa anterolateral durante um jogo. O nervo cutâneo femural lateral foi empurrado pelo músculo ilíaco no cume afiado de da fáscia do ligamento e embainhou na origem tendinosa do músculo sartório. Variações anatômicas do nervo cutâneo femoral lateral na região inguinal podem tornar o nervo suscetível a compressão e irritação, e contração repetida dos músculos durante os movimentos de jogos pode induzir e exacerbar a neuropatia do nervo cutâneo femoral lateral.

Como o nervo cutâneo lateral da coxa contém fibras apenas sensitivas, o quadro clínico é composto apenas por sintomas sensitivos, sem que haja alteração motora ou de reflexos, o que ajuda a diferenciar a meralgia parestésica de outras doenças avaliadas no diagnóstico diferencial, como algumas neuropatias femorais e monorradiculopatias.

O paciente com Síndrome de Bernhardt-Roth tipicamente apresenta sensação de queimação, frio, choque, dolorimento na musculatura da coxa, alteração na sensibilidade da pele, ou ainda franca anestesia ou queda dos pêlos na porção ântero-lateral da coxa. Em geral, a região onde são sentidas estas manifestações é menor que a própria região inervada pelo nervo cutâneo lateral da coxa. Pode haver também queixa de dor no quadril, joelho ou panturrilha.

Em geral, a dor piora com a movimentação e com o ato de ficar em pé, e melhora com a posição sentada. Porém, ás vezes a dor também piora com o ato de sentar e pode não melhorar com nenhuma posição. Muitas vezes, devido à hipersensibilidade cutânea, o paciente sente dores ao usar roupas ou se cobrir com o lençol para dormir. É importante reforçar, porém, que não há atrofia muscular, paresias ou alterações dos reflexos.

História clínica e exame neurológico são essenciais para fazer o diagnóstico da meralgia parestésica (MP). No entanto, a possibilidade de hérnia discal lombar e tumor deve ser descartada. Embora o diagnóstico da MP seja essencialmente um diagnóstico clínico, estudos da velocidade de condução do nervo sensitivo são uma opção diagnóstica adicional útil.

O diagnóstico é muitas vezes difícil de ser feito devido à dificuldade para os pacientes relatarem seus sintomas, os quais, por sua vez, são por si sós bastante variados. A eletroneuromiografia pode ser utilizada, porém há dificuldade na obtenção de potenciais sensitivos o que prejudica a análise do nervo envolvido. Métodos de imagem (RNM e TC) não visualizam a compressão, e apenas são úteis no diagnóstico diferencial e na determinação de possível etiologia.

A confirmação do diagnóstico baseia-se em três passos. Definir cuidadosamente a área de sintomatologia como pertencente ao território do nervo cutâneo lateral da coxa; observar a interrupção dos sintomas através do bloqueio anestésico do nervo envolvido; e excluir diagnósticos alternativos, em especial as radiculopatias das vértebras lombares L2 e L3.

A história natural na meralgia é variável. Segundo Kasparyan e Russel (2007), dois terços dos pacientes tornam-se assintomáticos em dois anos, enquanto os outros mantêm uma doença crônica e mais arrastada.

Referências
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Imagem: chiropractic-help.com