23 de fevereiro de 2013

Síndromes Paraneoplásicas


Por Artur Bastos Rocha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Síndromes paraneoplásicas correspondem a um conjunto de sinais e sintomas presente no paciente oncológico e referentes ao acometimento de um determinado sistema que está distante do sítio neoplásico original e não decorrente de invasão tumoral, metástase ou efeito de massa. Os sistemas mais prevalentemente acometidos são o hematológico, dermatológico, neurológico, endócrino-metabólico e osteomuscular. As manifestações possuem magnitude variável. Embora o diagnóstico muitas vezes seja de exclusão, uma melhor compreensão da patogênese envolvida em algumas dessas síndromes proporciona maior possibilidade de reconhecer tais transtornos. É importante pensar nesta possibilidade diagnóstica porque esta suspeição pode levar ao diagnóstico de uma neoplasia maligna subjacente previamente não detectada, e que pode dominar o quadro clínico, assim como por se tratar de um quadro que pode seguir o curso clínico do tumor subjacente e, portanto, ser útil para monitorar a sua evolução.

Palavras-Chave: Síndrome Paraneoplásica. Imunidade Cruzada. Câncer.

As síndromes paraneoplásicas, ou síndromes humorais associadas com neoplasias, são um conjunto de sinais e sintomas que antecedem ou ocorrem simultaneamente à presença de uma neoplasia maligna no organismo, mas não diretamente relacionado ao câncer , ou seja, não decorrente de invasão neoplásica, obstrução, efeito de massa ou efeitos metastáticos do tumor. As síndromes paraneoplásicas mais prevalentes são as de natureza musculoesquelética, tegumentar, endócrino-metabólica, nervosa e hematológica (MASON, 2005). São manifestações extremamente complexas, podendo envolver vários sistemas. Às vezes, síndromes paraneoplásicas podem ser mais graves até que as consequências do tumor primário (FORGA et al., 2005).
A fisiopatologia precisa da maioria das síndromes paraneoplásicas é desconhecida. Porém, o entendimento da etiopatogenia destas síndromes tem aumentado nos últimos anos. Sabe-se que são causadas ​​pela secreção tumoral de substâncias que podem alterar a função hormonal e imunológica, além de gerar reatividade cruzada entre os tecidos malignos e os normais. Acredita-se também que as síndromes paraneoplásicas podem ser decorrentes de mutações responsáveis ​​pelo tumor primário.
As neoplasias mais comumente associadas incluem o câncer de pulmão de pequenas células, câncer de mama, tumores ginecológicos e neoplasias hematológicas. Em alguns casos, o diagnóstico precoce destas condições pode conduzir a detecção de um tumor clinicamente oculto de outra forma, numa fase precoce e tratável (PELOSOF; GERBER, 2010).
Embora o diagnóstico de paraneoplasia muitas vezes seja de exclusão, uma melhor compreensão da patogênese envolvida em algumas dessas síndromes proporciona maior possibilidade de reconhecer tais transtornos. Além disso, é importante reconhecer uma síndrome paraneoplásica por vários motivos, entre os quais  três devem ser destacados: (1) Pode levar ao diagnóstico de uma neoplasia maligna ou benigna subjacente previamente não detectada; (2)  Pode dominar o quadro clínico e assim levar a erros no que diz respeito à origem e tipo de tumor primária; e (3) Pode seguir o curso clínico do tumor subjacente e, portanto, ser útil para monitorar a sua evolução (FORGA et al., 2005).
Já os tumores que derivam das células sintetizadoras de imunoglobulinas, como os linfomas, estão mais comumente envolvidos em lesões de sistema nervoso periférico do que em outro tipo neoplásico.
Síndromes paraneoplásicas associados com o câncer de pulmão de células pequenas incluem anormalidades endocrinológicas secundárias à produção hormonal polipeptídica, e sequelas neurológicas devido à produção de auto-anticorpos.
A principais síndromes paraneoplásicas endócrinas são hipercalcemia maligna, hiponatremia (secreção inapropriada do hormônio antidiurético), síndrome de Cushing ectópica, acromegalia ectópica, hipoglicemia devido a tumores diferentes daqueles das células das ilhotas de Langerhans e ginecomastia paraneoplásica.
A hipercalcemia tem como responsáveis três mecanismos básicos: secreção de fatores humorais que alteram a homeostase do cálcio pela ação em órgãos-alvo (osso, rins e intestinos), fatores locais produzidos pelos tumores metastáticos ou hematológicos no osso, estimulando diretamente os osteoclastos, e um possível hiperparatireoidismo primário associado (MARTIN et al., 1999). É importante ressaltar que a proteína relacionada ao hormônio da paratireóide (PTHrP) é o fator humoral mais importante na fisiopatologia da hipercalcemia da malignidade. A história de início agudo, com sinais sugestivos de neoplasias como perda de peso e queda do estado geral, são mais sugestivos de hipercalcemia malgina do que primária, de modo que a história clínica, anamnese e exame físico podem ser elucidativos. O PTHrP é o fator humoral mais importante na fisiopatologia das síndromes paraneoplásicas, pois ele possui estrutura química semelhante ao PTH, ligando-se ao receptor deste último e desempenhando função análoga. Esse fator humoral está mais presente nos tumores sólidos do adenocarcinoma pulmonar, seguido do câncer de mama e câncer renal (MARTIN et al., 1999).
As neoplasias malignas também estão associadas com uma ampla variedade de síndromes paraneoplásicas reumatológicas. Entre estas, a osteoartropatia hipertrófica, a dermatomiosite / polimiosite e a vasculite paraneoplásica são as mais frequentemente reconhecidos. Outras associações menos conhecidas baseiam-se em um menor número de pacientes, e incluem a fascite, paniculite, eritema nodoso, síndrome de Raynaud, gangrena digital, eritromelalgia e síndromes lupus-like. Manifestações musculoesqueléticas de malignidade podem coincidir, seguir ou mesmo antecipar o diagnóstico de câncer, ou ainda anunciar sua recidiva. O curso clínico geralmente paralelo ao do tumor primário, e ao tratamento da doença subjacente, muitas vezes resulta na regressão da doença reumatológica (FAM, 2000).
A osteoartropatia hipertrófica caracteriza-se histologicamente por hiperplasia vascular, edema e excessiva proliferação osteoblástica e fibroblástica. Percebe-se, ao exame clínico das unhas, a presença de unhas em vidro de relógio e baqueteamento digital, onde se evidencia a proliferação de tecido conjuntivo no leito ungueal, com vasos sanguíneos ectasiados e de paredes espessas (CARVALHO et al., 2007).  O exame físico neste paciente torna-se indispensável e fundamental para levantar a hipótese desse diagnóstico. A maior parte dos quadros de osteoartropatia hipertrófica é decorrente de neoplasias intratorácicas, sobretudo o adenocarcinoma pulmonar e, em segundo lugar, o carcinoma de células escamosas (Op. Cit).
Manifestações reumatológicas sugerindo um câncer oculto incluem: rápido início de uma artrite inflamatória incomum ,dores ósseas difusas em um paciente de 50 anos de idade ou mais, vasculite crônica inexplicável, fasciite refratária, síndrome de Raynaud que não responde à terapia vasodilatadora, gangrena digital rapidamente progressiva ou síndrome miastênica Lambert-Eaton.
As síndromes paraneoplásicas neurológicas têm  apresentação variada, sendo algumas mais frequentes, como a degeneração cerebelar subaguda, opsoclonia-mioclonia, encefalite límbica e suas variantes, e a síndrome miastênica de Eaton-Lambert, geralmente associado nos pacientes com carcinoma de pequenas células pulmonares, agravando o quadro de insuficiência respiratória e necessitando de suporte ventilatório mecânico até regressão do quadro. A hipótese mais aceita é a de que muitas destas síndromes são imunomediadas (BARDY et al, 2000).  
O diagnóstico correto dessas síndromes paraneoplásicas depende da suspeição por parte do médico, além do conhecimento de suas manifestações clínicas dos tumores associados a essas síndromes e na pesquisa de autoanticorpos neuronais. 
As síndromes paraneoplásicas cutâneas também podem ser observadas antes ou no momento do diagnóstico da neoplasia de base, ou, raramente, mais tarde, e caracteristicamente possuem uma evolução paralela à do tumor. Para se considerar uma dermatose como sendo de etiologia paraneoplásica é necessária a presença de dois critérios: a dermatose pode aparecer previamente, concomitantemente ou após o desenvolvimento do tumor; e uma vez realizado a exérese da lesão tumoral ocorre involução da dermatose, de modo que o reaparecimento da lesão indica recidiva (COHEN et al., 1989). 
A alteração paraneoplásica de pele mais prevalente é a acantose nigricans maligna, que diferentemente da benigna, que está associada a alterações metabólicas, como resistência periférica à insulina, tende a se manifestar em áreas de articulação como a pele da região occipitocervical. Outra dermatose paraneoplásica prevalente é o paquidermatóglifo, uma forma distinta de ceratodermia caracterizada pela acentuação do padrão normal dos dermatóglifos da superfície palmar das mãos e dedos. A extrema acentuação das cristas e sulcos desse quadro dão a aparência rugosa e estas alterações são proeminentes nas áreas de pressão, incluindo eminências tenar e hipotenar e ponta dos dedos (BRINCA et al., 2011). As palmas são espessadas e têm uma textura musgosa, ocasionalmente as linhas dos dermatóglifos são obliteradas e são descritas como semelhantes a favo de mel (COHEN et al, 1989). O sítio primário neoplásico mais comumente associado a dermatoses paraneoplásicas é o adenocarcinoma gástrico, seguido pelo adenocarcinoma pulmonar (BRINCA et al., 2011).
Quanto às alterações paraneoplásicas hematológicas, predominam os tipos de neutropenia febril, as discrasias sanguíneas e a síndrome da lise tumoral. A neutropenia febril ocorre devido à redução na leucopoiese por causas desconhecidas, de provável etiologia de imunidade cruzada. Já as discrasias também ocorrem em consequência de processos de depleção das colônias formadores de células sanguíneas presentes na medula óssea (CAEIRO, 2006). As neoplasias que mais cursam como causa de síndromes paraneoplásicas são as próprias neoplasias hematológicas, como a leucemia mieloide aguda e crônica. Já a síndrome da lise tumoral caracteriza-se por uma liberação maciça de conteúdo necrótico derivado de células malignas, alterando a homeostase corporal, cursando com alterações metabólicas como hipercalemia entre outros distúrbios no equilíbrio eletrolítico desse pacientes. Além disso, a liberação a necrose tumoral libera fatores que induzem a cascata de coagulação e podem ocasionar episódios tromboembólicos e em casos muito graves, coagulação intravascular disseminada (DARMON, 2008). Uma alteração rara, mas já documentada, é a eosinofilia paraneoplásica, como sinal indicativo de doença linfoproliferativa em atividade (CHAUFFAILLE, 2010).
As síndromes paraneoplásicas do sistema nervoso são as mais raras nos pacientes com câncer, e sua frequência é desconhecida. Podem afetar qualquer nível do sistema nervoso e frequentemente antecedem a detecção do tumor (BARDY et al., 2000). Os tumores mais prevalentes envolvidos nas síndromes paraneoplásicas do sistema nervoso central estão envolvidos na expressão de proteínas neuroendócrinas, como o tumor de pequenas células do câncer de pulmão e o neuroblastoma, afetando órgãos com função imunomoduladora, como o timo ou aqueles órgãos que contem tecido neuronal maduro ou imaturo.
As síndromes paraneoplásicas podem ser pistas para se identificarem neoplasias ocultas e, portanto, compreender, identificar e investigar as síndromes paraneoplásicas é fundamental no rastreio e redução dos elevados índices de morbimortalidade que o câncer vem atingindo, já que em alguns casos estes sinais são premonitórios do surgimento da neoplasia maligna, até mesmo em casos que marcadores séricos e exames de imagem não conseguem detectar a tumoração.

Referências
BARDY, F. B., CAGY, M.; POMPEU FILHO, F. et al. Degeneração cerebelar subaguda paraneoplásica: relato de caso. Arq. Neuro-Psiquiatr. 58 (3): 764-768, 2000. 
BRINCA, A.; BRITES, M. M.; FIGUEIREDO, A. et al . Papilomatose cutânea florida e acantose nigricante maligna reveladoras de neoplasia gástrica. An. Bras. Dermatol.,  86 (3): 573-7, 2011.
CAEIRO, F.  O papel da neutropenia no prognóstico do doente oncológico com pneumonia adquirida na comunidade. Rev Port Pneumol,  15 (4): 736-739, 2009 .
CARVALHO FILHO, A. X.; SARDINHA, S.; BALDOTTO, C. S. et al . Osteoatropatia hipertrófica.  Pulmão RJ 16(2-4):97-102, 2007.
CHAUFFAILLE, M. L. L. F. Eosinofilia reacional, leucemia eosinofílica crônica e síndrome hipereosinofílica idiopática. Rev. Bras. Hematol. Hemoter.,  32 (5): 395-401,   2010.
COHEN, P. R.; GROSSMAN, M. E.; ALMEIDA, L,. et al. Tripe Palms and Malignancy. Journal of Clinical Oncology 7: 669-78, 1989.
DALMAU, J.; ROSENFELD, M. R. Paraneoplastic syndromes of the CNS. Lancet Neurol; 7 (4): 327-40, 2008.
DARMON, M.; MALAK, S.; GUICHARD, I. et al . Síndrome de lise tumoral: uma revisão abrangente da literatura. Rev. bras. ter. intensiva,  20 (3): 278-285, 2008. 
FORGA, L.; ANDA, E.; MARTÍNEZ DE ESTEBAN, J. P. Paraneoplastic hormonal syndromes. An Sist Sanit Navar, 28(2):213-26, 2005.
FAM, A. Paraneoplastic rheumatic syndromes. Baillieres Best Pract Res Clin Rheumatol  14 (3): 515-33, 2000.
MASON, R. BROADDUS, M.; MARTIN, N. Murray e Nadel's Textbook of Respiratory Medicine. 4th ed. Elsevier, 2005.
PELOSOF, L. C.; GERBER, D. E. Paraneoplastic syndromes: an approach to diagnosis and treatment. Mayo Clin Proc, 85(9):838-54, 2010.
MARTIN, L. N. C.; KAYATH, M. J. Abordagem clínico-laboratorial no diagnóstico diferencial de hipercalcemia. Arq Bras Endocrinol Metab,  43 (6): 472-479,  1999.
POLINETO, O. B.; REIS, F. J. C.; LOPES, F. et al . Neutropenia febril em pacientes com câncer de mama submetidas à quimioterapia: experiência de 12 anos. Rev. Assoc. Med. Bras.,  50 (4): 363-366, 2004. 
MACEDO, A. G.; FUSARI, V. C.; ALMEIDA, J. R. P. et al. Baqueteamento digital como manifestação inicial de neoplasia pulmonar. An. Bras. Dermatol.,  79 (4): 457-462, 2004.

Imagem: http://www.medicinageriatrica.com.br

22 de fevereiro de 2013

Recontando uma História: A Narrativa do Paciente no Registro de Alunos de Semiologia

     
"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. 
(Clarice Lispector)


Pacientes também são considerados contadores de histórias, segundo Frank (2000). Eles contam as suas histórias, as narrativas de suas doenças. Os médicos e estudantes de Medicina escutam suas histórias e as registram. Por isso, a prática da medicina requer competência em narrativa, o que significa a capacidade para reconhecer, assimilar, interpretar e atuar de acordo com as histórias e dificuldades relatadas pelos pacientes (CHARON, 2001). 
Os estudantes de Semiologia Médica dão os seus primeiros passos na obtenção dessa competência narrativa. Eles se encontram no que se pode chamar de estado de “síncrese”, em que sua compreensão da clínica ainda é desarticulada, confusa, fragmentada, para o estado de “síntese”, em que o aluno ascende a um estado de compreensão mais fundamentada, mais sedimentada.
Será que nesta fase de “síncrese”, diferentes alunos de Semiologia contam a mesma história de um mesmo paciente?
Nesta postagem, três alunos que cursam a disciplina de Semiologia Médica entrevistam a mesma paciente, cada um em um dia, ao longo de três dias consecutivos, sem terem se comunicado entre si sobre a história clínica colhida.
Os três alunos entrevistaram M. P. S., 17 anos, sexo feminino, branca, solteira, estudante, natural e procedente de João Pessoa - PB, com queixa principal de vômitos e diarreia com sangue, quadro ocorrido 25 dias atrás.

Anamnese 1
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL 
A paciente refere vômitos e diarreia sanguinolenta desde o dia 22/12/12 após comer um hambúrguer no dia anterior. O sintoma apareceu de modo súbito, e descontínuo; a paciente vomitava sempre que comia e tinha diarreia sanguinolenta em média cinco vezes ao dia. A paciente refere ainda dor abdominal comparada à cólica intestinal, numa intensidade de um a dez, disse sete; relatou ainda que a dor e os sintomas só melhoravam com medicação, mas logo retornavam.
Com o surgimento dos sintomas a paciente procurou o Hospital E. R., onde ficou internada algumas horas, tomou soro com medicação, e depois retornou para casa; os sintomas desapareceram momentaneamente, mas logo em seguida acabaram retornando. A paciente então procurou a UPA, onde foi atendida, recebendo soro com medicação, e depois mandada para casa; após ser atendida na UPA a paciente refere que já conseguia se alimentar sem vomitar. Os sintomas retornaram novamente, e dessa vez ela foi ao Hospital SVP, onde o tratamento foi o mesmo: soro com medicação e alta; com o retorno, novamente, dos sintomas, a paciente procurou o Hospital O., onde ficou internada alguns dias, e não soube precisar os dias exatos, e depois foi transferida para o Hospital Universitário (HU).
A paciente chegou muito desidratada no Hospital O., onde teve anasarca devido à grande quantidade de soro administrada (sic), chegando a ganhar oito quilos; lá, a paciente fez uma tomografia computadorizada, ultrassonografia (não especificou), hemograma e sumário de urina, e em seguida, foi encaminhada para o HU, onde refez os mesmos exames, exceto a TC.
A paciente foi admitida no HU no dia 02/01/13 e recebeu diagnóstico de Síndrome Hemolítico-Urêmica, com manifestações de anemia, plaquetopenia, hematomas, e sangue na urina microscopicamente; foi feito um acesso venoso central e iniciou-se um tratamento de hemodiálise e transfusão de plasma; ela melhorou aos poucos do edema generalizado, mas chegou a ser transferida no dia 07/01/13 para a UTI, onde permaneceu quatro dias, devido a edema de pulmão, retornando à enfermaria no dia 11/01/13.
Durante o período da doença a paciente afirma ter tomado vários medicamentos para os sintomas, mas só se lembra de Plasil, prescrito pelo médico na UPA para ser tomado de 8/8h em casa.
A paciente vem referindo melhora do quadro, sem vômitos e diarreia, conseguindo se alimentar normalmente, sem mais edema generalizado, com perda de 4,5 kg.

Anamnese 2
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL
Paciente relata vômitos e diarreia sanguinolenta depois que comeu um hambúrguer em uma barraca localizada no Parque Solon de Lucena, 26 dias atrás. Disse que na noite do dia posterior à ingestão do citado hambúrguer, iniciaram- se os episódios de vômitos e diarreia sanguinolenta, subitamente. Disse ter ficado seis dias em casa à espera de melhora. Dia 27 de dezembro, deu entrada no Hospital OM, muito desidratada.
Ela relatou que tomou soro até edemaciar (sic). Isso causou um aumento de oito quilos. Tomou Plasil  na tentativa de parar o vômito, e dipirona para aliviar uma dor abdominal, que disse sentir nas duas primeiras semanas do início da enfermidade. Uma dor em cólica, na escala entre um e dez, era seis. Não piorava, era constante, não irradiava e aliviava com o uso de dipirona.  Fez ultrassonografia (USG) total do abdômen e tomografia computadorizada (TC) do abdômen.
Foi encaminhada ao Hospital universitário (HU) no dia  02 de janeiro, apresentando anemia e plaquetopenia. Nas quase duas semanas no HU, tomou seis bolsas de sangue, fez hemodiálise (através de um cateter venoso central) e tomou duas bolsas de plasma a cada oito horas. Houve extravasamento de plasma pelo braço direito, prejudicando a musculatura, ela não consegue fazer a extensão do braço, esperou um fisioterapeuta para reabilitar o movimento do membro superior direito, mas ele não apareceu. No HULW, fez uma USG e TC do abdômen, exames de sangue e de urina. Passou quatro dias na UTI, sendo que dois desses dias foi à espera de um leito. Relata que o médico a informou sobre um tipo de bactéria que causou Síndrome Hemolítica-Urêmica (SHU), a qual causou a insuficiência renal.  
Está à espera de um resultado de um exame para receber alta, mas não sabe dizer qual seria o exame. Apresenta-se agora sem a sintomatologia que a levou à internação.
     
Anamnese 3
HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL
Paciente relata que, no dia 22 de dezembro de 2012, após comer um sanduíche, teve vômitos e diarreia com sangue e, no dia seguinte, deu entrada no Hospital ER, sendo diagnosticada com cálculo renal, tendo alta no mesmo dia e prescrição de medicação (Plasil e Nausedron, para vômitos, não recordando a paciente o nome da medicação prescrita para cálculo renal), e voltando para casa. Dois dias depois, no dia 25 de dezembro, após apresentar novamente vômitos e diarreia com sangue, a paciente foi à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), sendo medicada e voltando para casa no mesmo dia.
No dia seguinte (dia 26 de dezembro), após apresentar mais uma vez os sintomas acima citados, a paciente foi ao Hospital SVP, sendo medicada e voltando para casa no mesmo dia. No dia 27 de dezembro, deu entrada no Hospital T, com vômitos e diarreia sanguinolenta, sendo internada com urgência após ser realizado o exame de glicemia capilar, com resultado de 65 mg/dL (caracterizando quadro de hipoglicemia). Além disso, foram feitos os seguintes exames: exame de sangue (que acusou plaquetopenia, anemia e hipoglicemia, insuficiência renal), tomografia e ultrassonografia. No mesmo dia em que se internou no Hospital T, a paciente recebeu soro com gotejamento durante os quatro dias que permaneceu internada, tendo anasarca como consequência do uso do soro (sic). Do Hospital T, a paciente foi encaminhada ao HULW, no dia 02 de janeiro de 2013.
No período de internação no HULW, passou a fazer hemodiálise na Nefrusa, 3 vezes por semana (nas terças, quintas e sábados). No dia 5 de janeiro, passou a fazer uso de duas bolsas de plasma a cada oito horas (três vezes ao dia, portanto). Já no dia 9, teve um acesso venoso periférico que obstruiu e evoluiu com rigidez no membro superior direito, apresentando a paciente dor na articulação do cotovelo, pulsátil e com incapacidade de mobilização. No dia 11 de janeiro, foi para a unidade de terapia intensiva (UTI), após sentir forte cansaço e dispneia. Na UTI, após a realização de ultrassonografia, foi verificada a presença de água em ambos os pulmões, e dado o diagnóstico de síndrome hemolítico-urêmica (SHU), passando a paciente a fazer uso, além das medicações que vinha usando e do soro, as medicações dobutamina e cloreto de potássio venoso. A paciente ficou quatro dias na UTI, fazendo, nos dois primeiros dias diálise, que atenuou a anasarca, apresentando a paciente emagrecimento de dois quilos.  Os outros dois dias que a paciente permaneceu na UTI foram apenas para aguardar vaga na enfermaria. No dia 15 de janeiro, a paciente voltou à enfermaria e permanece sob observação.
Foi solicitada à paciente a realização dos seguintes exames: hemograma, ionograma – cálcio, potássio, sódio, magnésio e cloro -, ureia e creatinina sérica, a serem realizados no dia 20 de janeiro.  Além disso, também foi solicitada à paciente  dez sessões de fisioterapia de membro superior direito e uma avaliação no ambulatório de nefrologia do HULW, a ser realizada no dia 22 de janeiro.

Discussão
Os três alunos registraram o cerne da história de maneira semelhante e reprodutível. O quadro principal, o suposto fato desencadeante, a crença da paciente sobre ter evoluído com anasarca pela administração inadequada de cristalóides, o diagnóstico médico recebido, os medicamentos recebidos e a evolução clínica foram registrados de maneira semelhante nas três anamneses. 
Os relatos diferiram em alguns aspectos, como a intercorrência do edema pulmonar (Anamnese 1), a transfusão de sangue (e não apenas plasma) e a informação médica de que o quadro havia sido causado por uma bactéria (Anamnese 2), o episódio de hipoglicemia, o diferente percurso no sistema de saúde e o relato de ultrassonografia revelando derrame pleural (Anamnese 3). Em apenas duas anamneses, registrou-se a intercorrência de extravasamento de plasma no braço e sua repercussão.
A interpretação do entrevistador pode criar "meta-histórias" das doenças, a partir dos componentes das narrativas dos pacientes. As histórias e os eventos que se sucedem nas enfermidades são transformados em narrativas clínicas (GROSSMAN, CARDOSO, 2006).
Entender a comunicação como um processo de transferência de significados de um sujeito para outro (paciente e estudante de Medicina/médico) exige pensá-la como mais do que mera transmissão de dados, por que entra nesse processo a intersubjetividade. Pela perspectiva da intersubjetividade, o conhecimento depende de outras pessoas e a ideia é dada pelo uso da palavra numa determinada comunidade, em práticas coletivas. Como afirma Ibaxe Júnior (2009), “a verdade nunca é subjetiva, pois não se forma nenhuma essência e não se considera o agente conhecedor como sujeito (subjectum = "o que jaz dentro").
mesma história, com versões ligeiramente diferentes, e todas verdadeiras versões diferentes de uma mesma história, ou versões discretamente diferentes de um relato, postulam que as proposições ouvidas ou lidas são organizadas mentalmente em uma rede, construída através de dois tipos de inferências: aquelas que conectam as idéias semanticamente explícitas no texto, e aquelas que dependem do conhecimento prévio (PARENTE et al., 2005).
É preciso, ao ler ou ouvir uma história, entender o porquê da organização do relato, da ordem dos eventos, da inserção de comentários e de significados correlatos, que têm como finalidade salientar o foco que o relator deseja enfatizar (PARENTE et al., 2005).
A entrevista mostrará se entrevistador e entrevistado atribuem o mesmo significado àquilo que está sendo dito, o que contribui para fortalecer a interpretação do entrevistador.  É importante salientar que os avanços e recuos, da ordem na cronologia e da idealização que costumam permear narrativas, quando elas envolvem lembranças, memórias e recordações (anamnese = recordar). Todas as entrevistas são formas especiais de conversação e, neste sentido, interativas (PAULILO, 1999).
Assim, a narrativa é mutuamente construída pelos participantes do encontro de acordo com as regras estabelecidas. Este enfoque dialógico da narrativa ressalta seu caráter dinâmico e as interações que produz no paciente narrador e no estudante ouvinte (FAVORETO; CAMARGO JR, 2011). Então, aparece a "versão" da narrativa contada e registrada pelo entrevistador, no caso, o estudante de Medicina cursando Semiologia.
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, “versão” aparece como algo próximo disso: “cada um dos diferentes modos de contar ou interpretar o mesmo ponto, fato, história”. A entrevista de história oral é sem dúvida contingente – um momento único, com circunstâncias únicas, que produz aquele resultado único (ALBERTI, 2000). Único para cada entrevistador único.
Assim, verificou-se que uma narrativa de uma mesma paciente foi registrada por vários estudantes de Medicina na fase inicial de sua fase clínica da graduação com reprodutibilidade, embora detalhes da história tenham sido registrados de maneira diversa.

Referências
ALBERTI, V.  De “versão” à “narrativa” no manual de história oral. 2000. Disponível em:
www.revista.historiaoral.org.br/index.php?. Acesso em 22 fev. 2013.
CHARON, R. Narrative Medicine. A Model for Empathy, Reflection, Profession and Trust. JAMA 286(15): 1897-1902, 2001.
FAVORETO, C. A. O.; CAMARGO JR, K.R. Narrative as a tool for the development of clinical practice. Interface - Comunic., Saude, Educ., 15 (37): 473-83, 2011.
FRANK, A. W. The Standpoint of Storyteller. Qualitative Health Research.  10(3): 354-365, 2000.
GROSSMAN, E.; CARDOSO, M. H. C. A. As narrativas em medicina: contribuições à prática clínica e ao ensino médico. Rev. bras. educ. med. 30 (1): 6-14, 2006.
IBAXE JR, J. Distinções entre subjetividade e intersubjetividade. 2009. Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/2553/colunas+ultimainstancia.shtml. Acesso em 22 fev. 2013.
PARENTE, M. A. M. P.; HOLDERBAUM, C. S.; VIRBEL, J.; NESPOULOUS, J-L. A relação pergunta-resposta como preditor do reconto de histórias. Psicol. Reflex. Crit. 18 (2): 267-276, 2005.
PAULILO, M. A. S. A pesquisa qualitativa e a história de vida. Serviço Social em Revista. 1999. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v2n1_pesquisa.htmAcesso em 22 fev. 2013.

19 de fevereiro de 2013

Mesa Redonda sobre Ética em Pesquisa com Seres Humanos

Amanhã, dia 19/02/2013, haverá Mesa Redonda no Centro de Ciências Médicas (CCM) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com  a temática "Ética na Pesquisa com Seres Humanos", abordando-se conceitos, procedimentos e orientações fundamentais.
Esta Mesa Redonda será promovida pela Coordenação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Medicina da UFPB, e terá como participantes o Prof. Dr. Marconi José Pimentel Pequeno (Professor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB), Profa. Dra. Eliane Marques Duarte de Sousa (Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da UFPB) e a Profa. Dra. Iaponira Cortez Costa de Oliveira (Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley, UFPB).
O evento será realizado no auditório do CCM da UFPB, às 9h30.

Fotos 19/02/13